Esta arte trabalha sobre uma dicotomia, quase uma dilaceração. De um lado, as determinações católicas contrarreformistas — a obrigação de tratar dos temas bíblicos e da vida de santos; a perspectiva teocêntrica, que considera Deus como o centro do mundo, o eixo da vida. De outro, as solicitações do mundo — os temas da vida real, como as conquistas, as maravilhas inventadas pelos homens, segundo a perspectiva antropocêntrica, que considera o homem a medida de todas as coisas. Daí aparecem tensões entre o divino e o humano, o tema religioso e o tema mundano, o sublime e o profano, o alto e o baixo, etc.
(Luís Augusto Fischer. Literatura brasileira: modos de usar, 2013. Adaptado.)
O texto trata da arte
Leia o início do conto “Troca de datas”, de Machado de Assis, para responder à questão.
— Deixa-te de partes, Eusébio; vamos embora; isto não é bonito. Cirila...
— Já lhe disse o que tenho de dizer, tio João, respondeu Eusébio. Não estou disposto a tornar à vida de outro tempo. Deixem-me cá no meu canto. Cirila que fique...
— Mas, enfim, ela não te fez nada.
— Nem eu digo isso. Não me fez coisa nenhuma; mas... para que repeti-lo? Não posso aturá-la.
— Virgem Santíssima! Uma moça tão sossegada! Você não pode aturar uma moça, que é até boa demais?
— Pois, sim; eu é que sou mau; mas deixem-me.
Dizendo isto, Eusébio caminhou para a janela, e ficou olhando para fora. Dentro, o tio João, sentado, fazia circular o chapéu de Chile no joelho, fitando o chão com um ar aborrecido e irritado. Tinha vindo na véspera, e parece que com a certeza de voltar à fazenda levando o prófugo Eusébio. Nada tentou durante a noite, nem antes do almoço. Almoçaram; preparou-se para dar uma volta na cidade, e, antes de sair, meteu ombros ao negócio. Vã tentativa! Eusébio disse que não, e repetiu que não, à tarde, e no dia seguinte. O tio João chegou a ameaçá-lo com a presença de Cirila; mas a ameaça não surtiu melhor efeito, porque Eusébio declarou positivamente que, se tal sucedesse, então é que ele faria coisa pior. Não disse o que era, nem era fácil achar coisa pior do que o abandono da mulher, a não ser o suicídio ou o assassinato; mas vamos ver que nenhuma destas hipóteses era sequer imaginável. Não obstante, o tio João teve medo do pior, pela energia do sobrinho, e resignou-se a tornar à fazenda sem ele.
De noite, falaram mansamente da fazenda e de outros negócios de Piraí; falaram também da guerra, e da batalha de Curuzu, em que Eusébio entrara, e donde saíra sem ferimento, adoecendo dias depois. De manhã, despediram-se; Eusébio deu muitas lembranças para a mulher, mandou-lhe mesmo alguns presentes, trazidos de propósito de Buenos Aires, e não se falou mais na volta.
— Agora, até quando?
— Não sei; pretendo embarcar daqui a um mês ou três semanas, e depois, não sei; só quando a guerra acabar.
II
Há uma porção de coisas que estão patentes ou se deduzem do capítulo anterior. Eusébio abandonou a mulher, foi para a guerra do Paraguai, veio ao Rio de Janeiro, nos fins de 1866, doente, com licença. Volta para a campanha. Não odeia a mulher, tanto que lhe manda lembranças e presentes. O que se não pode deduzir tão claramente é que Eusébio é capitão de voluntários; é capitão, tendo ido tenente; portanto, subiu de posto, e, na conversa com o tio, prometeu voltar coronel.
(Contos: uma antologia, 1998.)
Depreende-se do trecho a seguinte característica de Eusébio:
Leia o soneto de Luís de Camões para responder à questão.
Qual tem a borboleta por costume,
que, enlevada1
na luz da acesa vela,
dando vai voltas mil, até que nela
se queima agora, agora se consome,
tal eu correndo vou ao vivo lume
desses olhos gentis, Aónia bela;
e abraso-me, por mais que com cautela
livrar-me a parte racional presume.
Conheço o muito a que se atreve a vista,
o quanto se levanta o pensamento,
o como vou morrendo claramente;
porém, não quer Amor que lhe resista,
nem a minha alma o quer; que em tal tormento,
qual em glória maior, está contente.
(Luís de Camões. Sonetos, 1942.)
1enlevada: atraída, fascinada.
No soneto, o eu lírico