Texto para a questão
Ele se aproximou e com voz cantante de nordestino
que a emocionou, perguntou-lhe:
⎯ E se me desculpe, senhorinha, posso convidar a
passear?
⎯ Sim, respondeu atabalhoadamente com pressa
antes que ele mudasse de idéia.
⎯ E, se me permite, qual é mesmo a sua graça?
⎯ Macabéa.
⎯ Maca ⎯ o quê?
⎯ Bea, foi ela obrigada a completar.
⎯ Me desculpe mas até parece doença, doença de pele.
⎯ Eu também acho esquisito mas minha mãe botou
ele por promessa a Nossa Senhora da Boa Morte se eu
vingasse, até um ano de idade eu não era chamada
porque não tinha nome, eu preferia continuar a nunca ser
chamada em vez de ter um nome que ninguém tem mas
parece que deu certo ⎯ parou um instante retomando o
fôlego perdido e acrescentou desanimada e com pudor ⎯
pois como o senhor vê eu vinguei... pois é...
⎯ Também no sertão da Paraíba promessa é
questão de grande dívida de honra.
Eles não sabiam como se passeia. Andaram sob a
chuva grossa e pararam diante da vitrine de uma loja de
ferragem onde estavam expostos atrás do vidro canos,
latas, parafusos grandes e pregos. E Macabéa, com
medo de que o silêncio já significasse uma ruptura, disse
ao recém-namorado:
⎯ Eu gosto tanto de parafuso e prego, e o senhor?
Da segunda vez em que se encontraram caía uma
chuva fininha que ensopava os ossos. Sem nem ao
menos se darem as mãos caminhavam na chuva que na
cara de Macabéa parecia lágrimas escorrendo.
Clarice Lispector, A hora da estrela.
Ao dizer: “(...) promessa é questão de grande dívida de honra”, Olímpico junta, em uma só afirmação, a obrigação religiosa e o dever de honra.
A personagem de Sagarana que, em suas ações finais, opera uma junção semelhante é
Texto para a questão
Ele se aproximou e com voz cantante de nordestino
que a emocionou, perguntou-lhe:
⎯ E se me desculpe, senhorinha, posso convidar a
passear?
⎯ Sim, respondeu atabalhoadamente com pressa
antes que ele mudasse de idéia.
⎯ E, se me permite, qual é mesmo a sua graça?
⎯ Macabéa.
⎯ Maca ⎯ o quê?
⎯ Bea, foi ela obrigada a completar.
⎯ Me desculpe mas até parece doença, doença de pele.
⎯ Eu também acho esquisito mas minha mãe botou
ele por promessa a Nossa Senhora da Boa Morte se eu
vingasse, até um ano de idade eu não era chamada
porque não tinha nome, eu preferia continuar a nunca ser
chamada em vez de ter um nome que ninguém tem mas
parece que deu certo ⎯ parou um instante retomando o
fôlego perdido e acrescentou desanimada e com pudor ⎯
pois como o senhor vê eu vinguei... pois é...
⎯ Também no sertão da Paraíba promessa é
questão de grande dívida de honra.
Eles não sabiam como se passeia. Andaram sob a
chuva grossa e pararam diante da vitrine de uma loja de
ferragem onde estavam expostos atrás do vidro canos,
latas, parafusos grandes e pregos. E Macabéa, com
medo de que o silêncio já significasse uma ruptura, disse
ao recém-namorado:
⎯ Eu gosto tanto de parafuso e prego, e o senhor?
Da segunda vez em que se encontraram caía uma
chuva fininha que ensopava os ossos. Sem nem ao
menos se darem as mãos caminhavam na chuva que na
cara de Macabéa parecia lágrimas escorrendo.
Clarice Lispector, A hora da estrela.
Considere as seguintes comparações entre a cena do primeiro encontro de Macabéa e Olímpico, figurada no excerto, e a célebre cena do primeiro encontro de Leonardo e Maria da Hortaliça (Memórias de um sargento de milícias), a bordo do navio:
I – Na primeira cena, utiliza-se o diálogo verbal como meio privilegiado de representação, ao passo que, na segunda, a ausência notória desse diálogo responde, em grande parte, pelo efeito expressivo do texto.
II – Em ambas as cenas, a representação da pobreza vem acompanhada de forte sentimento de culpa que perturba o narrador e o leva a questionar a validade da própria literatura.
III – Ambas as cenas são construídas como paródias de modelos literários consagrados: na primeira, parodiam-se as cenas amorosas do Romantismo; na segunda, são parodiadas as cenas idílicas dos romances do Realismo.
Está correto apenas o que se afirma em
Texto para a questão
Noite de S. João para além do muro do meu quintal.
Do lado de cá, eu sem noite de S. João.
Porque há S. João onde o festejam.
Para mim há uma sombra de luz de fogueiras na noite,
Um ruído de gargalhadas, os baques dos saltos.
E um grito casual de quem não sabe que eu existo.
Alberto Caeiro, Poesia.
Considerando-se este poema no contexto das tendências dominantes da poesia de Caeiro, pode-se afirmar que, neste texto, o afastamento da festa de São João é vivido pelo eu-lírico como
Texto para a questão
PROFUNDAMENTE
Quando ontem adormeci
Na noite de São João
Havia alegria e rumor
Estrondos de bombas luzes de Bengala
Vozes cantigas e risos
Ao pé das fogueiras acesas.
No meio da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem risos
(...)
Onde estavam os que há pouco
Dançavam
Cantavam
E riam
Ao pé das fogueiras acesas?
⎯ Estavam todos dormindo
Estavam todos deitados
Dormindo
Profundamente
Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci
Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?
⎯ Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente.
Manuel Bandeira, Libertinagem.
No conhecido poema de Bandeira, aqui parcialmente reproduzido, a experiência do afastamento da festa de São João
Costuma-se reconhecer que tanto O primo Basílio quanto as Memórias póstumas de Brás Cubas possuem notável conteúdo de crítica social.
Apesar das muitas diferenças que separam os dois romances, em ambos essa crítica
Texto para a questão
É impossível colocar em série exata os fatos da infância porque há aqueles que já acontecem permanentes, que vêm para ficar e doer, que nunca mais são esquecidos, que são sempre trazidos tempo afora, como se fossem dagora. É a carga. Há os outros, miúdos fatos, incolores e quase sem som − que mal se deram, a memória os atira nos abismos do esquecimento. Mesmo próximos eles viram logo passado remoto. Surgem às vezes, na lembrança, como se fossem uma incongruência. Só aparentemente sem razão, porque não há associação de idéias que seja ilógica. O que assim parece, em verdade, liga-se e harmoniza-se no subconsciente pelas raízes subterrâneas − raízes lógicas! − de que emer em os pequenos caules isolados − aparentemente ilógicos! só aparentemente! − às vezes chegados à memória vindos do esquecimento, que é outra função ativa dessa mesma memória.
Pedro Nava, Baú de ossos.
Ao analisar os processos da memória, o autor manifesta a convicção de que