Psicologia de um vencido
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-se à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.
Já o verme – este operário das ruínas –
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
ANJOS, Augusto. Eu e Outras Poesias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.
A propósito do texto, seguem as afirmativas:
I. O emprego de termos científicos representa uma característica desse autor, representante do Realismo.
II. A angústia diante da vida está presente em todo o poema, destacando-se no título e no verso “Sofro, desde a epigênese da infância.”
III. A imagem da decomposição da carne nas duas últimas estrofes revela a influência naturalista no texto.
IV. O poema apresenta uma característica literária que antecipa o modernismo: a desvinculação da palavra poética de seu compromisso com o belo.
Está correto o que se afirma apenas em:
Mãos dadas –
Carlos Drummond de Andrade
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos, mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, do tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.
A propósito do texto, seguem duas afirmativas ligadas pela palavra PORQUE:
I. O poema revela o desejo do eu-lírico em solidarizar-se com o outro e voltar-se para o presente.
PORQUE
II. Os versos, em 1a pessoa, convidam à reflexão sobre a vastidão do presente e a necessidade de união entre os homens.
Conclui-se que:
Questão de Pontuação
Todo mundo aceita que ao homem
cabe pontuar a própria vida:
que viva em ponto de exclamação
(dizem: tem alma dionisíaca)
viva em ponto de interrogação
(foi filosofia, ora é poesia);
viva equilibrando-se entre vírgulas
e sem pontuação (na política)
o homem só não aceita do homem
que use a só pontuação fatal:
que use, na frase que ele vive
o inevitável ponto final.
João Cabral de Melo Neto. Obra completa: Volume único. Org. Marly de Oliveira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
O poema explora uma alegoria entre um aspecto gramatical e:
Reconheceu logo o filho mais velho do seu primitivo senhor, e um calafrio percorreu-lhe o corpo. Num relance de grande perigo compreendeu a situação: adivinhou tudo com a lucidez de quem se vê perdido para sempre. Adivinhou que tinha sido enganada; que a sua carta de alforria era uma mentira, e que o seu amante, não tendo coragem para matá-la, restituía-a ao cativeiro.
Seu primeiro impulso foi de fugir. Mal, porém, circunvagou os olhos em torno de si, procurando escapula, o senhor adiantou-se dela e segurou-lhe o ombro.
- É esta! Disse aos soldados que, com um gesto, intimaram a desgraçada a segui-los.
- Prendam-na! É escrava minha!
A negra, imóvel, cercada de escamas e tripas de peixe, com uma das mãos espalmada no chão e com a outra segurando a faca de cozinha, olhou aterrada para eles, sem pestanejar.
Os policiais, vendo que ela se não despachava, desembainharam os sabres. Bertoleza, então, erguendo-se com ímpeto de anta bravia, recuou de um salto e, antes que alguém conseguisse alcançá-la, já de um só golpe certeiro e fundo, rasgara o ventre de lado a lado.
E depois emborcou para a frente, rugindo e esfocinhando moribunda numa lameira de sangue.
João Romão fugira até o canto mais escuro do armazém, tapando o rosto com as mãos.
(AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço. Cap.XXXIII, pp.164-5. Rio de Janeiro: Ediouro s.d.)
O fragmento que representa a zoomorfização, característica da narrativa realista, é: