Sobre o Arcadismo, é correto afirmar que:
Eu não sabia nada de mim, como vim ao mundo, de onde tinha vindo. A origem: as origens. Meu passado, de alguma forma palpitando na vida dos meus antepassados, nada disso eu sabia. Minha infância, sem nenhum sinal da origem. É como esquecer uma criança dentro de um barco num rio deserto, até que uma das margens a acolhe. Anos depois, desconfiei: um dos gêmeos era meu pai. Domingas disfarçava quando eu tocava no assunto; deixava-me cheio de dúvida, talvez pensando que um dia eu pudesse descobrir a verdade. Eu sofria com o silêncio dela; nos nossos passeios, quando me acompanhava até o aviário da Matriz ou a beira do rio, começava uma frase mas logo interrompia e me olhava, aflita, vencida por uma fraqueza que coíbe a sinceridade. Muitas vezes ela ensaiou, mas titubeava, hesitava e acabava não dizendo. Quando eu fazia a pergunta, seu olhar logo me silenciava, e eram olhos tristes.
(...)
A área que contorna o porto estava silenciosa. Na calçada da rua dos Barés dormiam famílias do interior. Vi a loja fechada e apontei o depósito, onde Halim, encostado à janelinha, contara trechos de sua vida. Minha mãe quis sentar na mureta que dá para o rio escuro. Ficou calada por uns minutos, até a claridade sumir de vez. "Quando tu nasceste", ela disse, "seu Halim me ajudou, não quis me tirar da casa... Me prometeu que ias estudar. Tu eras neto dele, não ia te deixar na rua. Ele foi ao teu batismo, só ele me acompanhou. E ainda me pediu para escolher teu nome. Nael, ele me disse, o nome do pai dele. Eu achava um nome estranho, mas ele queria muito, eu deixei... Seu Halim. Parece que a vida se entortou também para ele... Eu sentia que o velho gostava muito de ti. Acho que gostava até dos filhos. Mas reclamava do Omar, dizia que o filho tinha sufocado a Zana." Senti suas mãos no meu braço; estavam suadas, frias. Ela me enlaçou, beijou meu rosto e abaixou a cabeça. Murmurou que gostava tanto de Yaqub... Desde o tempo em que brincavam, passeavam. Omar ficava enciumado quando via os dois juntos, no quarto, logo que o irmão voltou do Líbano." Com o Omar eu não queria... Uma noite ele entrou no meu quarto, fazendo aquela algazarra, bêbado, abrutalhado... Ele me agarrou com força de homem. Nunca me pediu perdão".
HATOUM, Milton. Dois Irmãos. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. p. 54, 183-184.
Observando-se o TEXTO I no contexto do romance de Hatoum, pode-se afirmar que:
Texto
Um dia, muitos anos antes, quando a floresta cobria muito mais terra, quando se estendia em todas as direções, quando os homens ainda não pensavam em derrubar as árvores para plantar a árvore do cacau que todavia não chegara da Amazônia, Jeremias se acoitou naquela mata. Era um negro jovem, fugido da escravidão. Os capitães do mato o perseguiam e ele entrou pela floresta onde moravam os índios e não saiu mais dela. Vinha de um engenho de açúcar onde o senhor mandara chicotear as suas costas escravas. Durante muitos anos tivera tatuada nas espáduas a marca do chicote. Mas mesmo quando ela desapareceu, mesmo quando alguém lhe disse que a abolição dos escravos havia sido decretada, ele não quis sair da mata. Fazia muitos anos que chegara, Jeremias havia perdido a conta do tempo, já tinha perdido também a memória desses acontecimentos. Só não havia perdido a lembrança dos deuses negros que seus antepassados haviam trazido da África e que ele não quisera substituir pelos deuses católicos dos senhores de engenho. Dentro da mata vivia em companhia de Ogum, de Omolu, de Oxossi e de Oxolufã, com os índios havia aprendido o segredo das ervas medicinais. Misturou aos seus deuses negros alguns dos deuses indígenas e invocava a uns e a outros nos dias em que alguém ia lhe pedir conselho ou remédio no coração da mata. Vinha muita gente, vinha mesmo gente da cidade, e aos poucos foram abrindo um caminho até a sua cabana, estrada feita pelos passos dos doentes e dos angustiados.
Viu os homens brancos chegarem para perto da mata, assistiu a outras matas serem derrubadas, viu os índios fugirem para mais longe, assistiu ao nascimento dos primeiros pés de cacau, viu como se formavam as primeiras fazendas. Foi se retirando cada vez mais para o fundo da mata e um temor foi se apossando dele: o de que os homens chegassem um dia para derrubar a mata de Sequeiro Grande. Profetizara desgraças sem conta para esse dia. Todos que o vinham ver ele dizia que essa mata era moradia dos deuses, cada árvore era sagrada, e que, se os homens pusessem a mão nela, os deuses se vingariam sem piedade.
AMADO, Jorge. Terras do Sem Fim. 11ª ed. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1961. p. 216-217.
Leia os itens retirados do texto e assinale a alternativa FALSA.
I. Os capitães-do-mato o perseguiam.
II. Mesmo quando alguém lhe disse que a abolição dos escravos havia sido decretada, ele não quis sair da mata.
III. Misturou aos seus deuses negros alguns dos deuses indígenas e invocava a uns e a outros nos dias em que alguém ia lhe pedir conselho ou remédio no coração da mata.