O Texto II mostra um diálogo entre o Diabo e a segunda personagem, o Onzeneiro, quando chega à Barca do Inferno.
Leia-o para responder à questão proposta.
Texto II
ONZENEIRO: Para onde caminhais?
DIABO: Oh! Que má-hora venhais,
onzeneiro meu parente!
[...]
DIABO: Ora mui muito me espanto
não vos livrar o dinheiro.
ONZENEIRO: Nem tão só para o barqueiro
não me deixaram nem tanto.
[...]
E para onde é a viagem?
DIABO: Para onde tu hás-de ir;
estamos para partir,
não cures de mais linguagem.
[...]
VICENTE, Gil. Auto da Barca do Inferno. São Paulo: FTD, 1997.
O Diabo ouve o pretexto do Onzeneiro, mas não se deixa levar pelos artifícios da eloquência do passageiro.
Essa atitude do Diabo pode ser comprovada no verso
O Auto da Barca do Inferno é uma das três peças que compõem a Trilogia das Barcas do teatro vicentino. Gil Vicente é autor do período literário português, conhecido como Humanismo.
Texto I
ANJO: Que mandais?
FIDALGO: Que me digais,
pois parti tão sem aviso,
se a barca do paraíso
é esta em que navegais.
ANJO: Esta é; que lhe buscais?
FIDALGO: Que me deixeis embarcar;
sou fidalgo de solar,
é bem que me recolhais.
[...]
ANJO: Pra vossa fantasia
mui pequena é esta barca.
FIDALGO: Pra senhor de tal marca
não há aqui mais cortesia?
VICENTE, Gil. Auto da Barca do Inferno. São Paulo: FTD, 1997.
Os diálogos entre o anjo e o fidalgo põem em discussão não só os valores de um mundo medieval, mas também do mundo contemporâneo. A atualidade dessa discussão decorre de que o homem de hoje, ainda, assume falsos posicionamentos semelhantes ao de uma das personagens da cena.
Essa atualidade é apresentada, por meio de
Vidas Secas, de Graciliano Ramos, obra da segunda fase do Modernismo brasileiro, conta a saga de uma família de retirantes, marcada por uma ostensiva exclusão social.
Texto III
[...]
Olhou em torno, com receio de que, fora os meninos, alguém tivesse percebido a frase imprudente. Corrigiu-a, murmurando:
- Você é um bicho, Fabiano. Isto para ele era motivo de orgulho. Sim senhor, um bicho capaz de vencer dificuldades.
Chegara naquela situação medonha – e ali estava, forte, até gordo, fumando o seu cigarro de palha.
- Um bicho, Fabiano.
[...]
Era. Apossara-se da casa porque não tinha onde cair morto, passara uns dias mastigando raiz de imbu e sementes de mucunã. Viera a trovoada. E, com ela, o fazendeiro, que o expulsara. Fabiano fizera-se desentendido e oferecera seus préstimos, resmungando, coçando os cotovelos, sorrindo aflito. O jeito que tinha era ficar. E o patrão aceitara-o, entregara-lhe as marcas de ferro.
Agora Fabiano era vaqueiro, e ninguém o tiraria dali. Aparecera como um bicho, mas criara raízes, estava plantado. Olhou as quipás, os mandacarus e os xiquexiques. Era mais forte que tudo isso, era como as catingueiras e as baraúnas. Ele, a sinhá Vitória, os dois filhos e a cachorra Baleia estavam agarrados à terra.
[...]
Entristeceu. Considerar-se plantado em terra alheia!
[...]
RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. 127 ed. Rio de Janeiro: Record, 2015.
Com marcas temporais adequadas, o narrador usa o recurso do flashback para
Texto IV
Cadeia
Estava tão cansado, tão machucado, que ia quase adormecendo no meio daquela desgraça. Havia ali um bêbedo tresvariando em voz alta [...] Discutiam, queixava-se da lenha molhada. Fabiano cochilava, a cabeça pesada inclinava-se para o peito e levantava-se. [...] Acordou sobressaltado. Pois não estava misturando as pessoas, desatinando? Talvez fosse efeito da cachaça. Não era: tinha bebido um copo. [...]
Ouviu o falatório do bêbedo e caiu numa indecisão dolorosa. Ele também dizia palavras sem sentido, conversava à toa. Mas irou-se com a comparação, deu marradas na parede. Era bruto, sim senhor, nunca havia aprendido, não sabia explicar-se. Estava preso por isso? Como era? Então mete-se um homem na cadeia porque ele não sabe falar direito? Que mal fazia a brutalidade dele? Vivia trabalhando como um escravo.
[...]
RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. (Adaptado) 127 ed. Rio de Janeiro: Record, 2015.
Atentando para o emprego dos tempos verbais, quanto à produção de sentidos no texto literário, o presente do indicativo em “Então mete-se um homem na cadeia porque ele não sabe falar direito?” sugere que as ações expressas estão caracterizadas como
Texto V
Procura da Poesia
[...]
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
[...]
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
Como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?
Repara:
ermas de melodia e conceito,
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.
ANDRADE, Carlos Drummond de. A Rosa do Povo. 1 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
Texto VI
Profissão de fé
[...]
Invejo o ourives
Quando escrevo:
Imito o amor
Com que ele, em ouro, o alto-relevo
Faz de uma flor.
Imito-o. E, pois, nem de Carrara
A pedra firo:
O alvo cristal, a pedra rara,
O ônix prefiro.
Por isso, corre, por servir-me,
Sobre o papel
A pena, como em prata firme
Corre o cinzel.
[...]
Torce , aprimora, alteia, lima
A frase; e, enfim,
no verso de ouro engasta a rima
como um rubim.
Quero que a estrofe cristalina,
Dobrada ao jeito
Do ourives, saia da oficina
Sem um defeito.
[...]
Porque o escrever – tanta perícia,
Tanta requer,
Que oficio tal... nem há notícia
De outro qualquer.
BILAC, Olavo. Poesia. Rio de Janeiro: Agir, 2005.
Comparando os Textos V e VI sobre aspectos temáticos e organização enunciativa, observa-se que