Leia o poema Psicologia de um vencido, de Augusto dos Anjos.
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.
Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
(Augusto dos Anjos. Toda poesia, 2011.)
Esse poema evidencia um aspecto constante na obra de Augusto dos Anjos:
Entre os poetas modernistas da Geração de 30, encontra-se Murilo Mendes. Leia um trecho de seu poema A Noiva e o compare ao poema Volúpia, da amazonense Violeta Branca.
E uma visagem
sem cheiro nem cor nem peso
planta-se em frente de Clotilde.
As meias caem das pernas da moça,
a combinação de rendas cai do seu corpo.
A visagem fala.
“Mulher eu vim te buscar
para as núpcias do fogo.
Haverias de ficar
toda a vida na janela
consumindo tua beleza?
O volume do teu seio
pede o ímã de outros dedos…
O cheiro do teu cabelo
não é feito pro travesseiro.
[...]
O sangue de tuas veias
noutro corpo há de ferver.
O teu hálito cheiroso
outro tem de o respirar.”
(Murilo Mendes apud Eucannã Ferraz. Veneno Antimonotonia, 2005.)
O beijo que deste no meu pulso
cobriu de angústia
a forma imaterial dos meus sentidos.
Não percebeste o latejar das veias
ao contato de teus lábios,
e nem adivinhaste
que foi o prazer que me fez silenciar…
Teu beijo teve a agudez
de um estilete inutilizando o meu pudor.
Não viste o sangue
que afluiu à minha boca?
Foi a volúpia falando
na eloquência da cor.
(Violeta Branca. http://razaoeinocencia.blogspot.com.br)
Pode-se identificar como semelhança entre os textos escolhidos:
É aqui [no trapiche*] também que mora o chefe dos Capitães da Areia: Pedro Bala. Desde cedo foi chamado assim, desde seus cinco anos. Hoje tem quinze anos. Há dez que vagabundeia as ruas da Bahia. Nunca soube de sua mãe, seu pai morrera de um balaço. Ele ficou sozinho e empregou anos em conhecer a cidade. Hoje sabe de todas as suas ruas e de todos os seus becos. [...]
Todos reconheceram os direitos de Pedro Bala à chefia, e foi desta época que a cidade começou a ouvir falar nos Capitães da Areia, crianças abandonadas que viviam do furto. Nunca ninguém soube o número exato de meninos que assim viviam. Eram bem uns cem e destes mais de quarenta dormiam nas ruínas do velho trapiche.
Vestidos de farrapos, sujos, semiesfomeados, agressivos, soltando palavrões e fumando pontas de cigarro, eram, em verdade, os donos da cidade, os que a conheciam totalmente, os que totalmente a amavam, os seus poetas.
(Jorge Amado. Capitães da Areia, 2010. Adaptado.)
*trapiche: armazém para depósito de mercadorias
Analisando este trecho do romance Capitães da Areia, conclui-se corretamente que essa obra pretende
Leia o poema Romance da piracema, em que o escritor Elson Farias, integrante do Clube da Madrugada, refere-se, como Tarsila do Amaral, à vida de pescadores.
Espumas de ardente brilho
era o verão que se abria.
Não há maior maravilha.
Ver o rio bem é ver
o rio vibrar de peixes.
De um lado ao outro as canoas
cruzam no centro os cardumes,
as tarrafas se desprendem
dos braços dos pescadores,
se desprendem como círculos
e voltam cheias de peixe.
Ah, a fartura infindável
desses dias de novembro!
Ter um peixe dentre os dedos
é sentir a vida inteira,
é como o abrir da janela
para o sol, a manhã vinda,
é como o acordar das trevas
de uma noite que não finda.
Há pescadores de nome
que nesse tempo se alargam
na fama que as bocas levam
de casa em casa. Os paneiros
se abarrotam e as panelas
trescalam de cheiro-verde,
ardem de pimenta e sal
todo dia nesses meses.
O rio brilha de peixes
como um bloco de alumínio,
[...]
É tempo de muito peixe,
fartura de festa, a fome
deixa o corpo de quem come.
Não há casa que não tenha
o fogão cheio de lenha,
em qualquer casa que se entre
há na trempe peixe-sempre.
Vale viver dia a dia
esses dias de alegria.
(www.antoniomiranda.com.br)
No poema, o eu lírico expressa sua