Leia o trecho de Iracema, de José de Alencar.
Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista perturba-se.
Diante dela e todo a contemplá-la, está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo.
Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha embebida no arco partiu. Gotas de sangue borbulham na face do desconhecido.
De primeiro ímpeto, a mão lesta caiu sobre a cruz da espada; mas logo sorriu. O moço guerreiro aprendeu na religião de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor. Sofreu mais d’alma que da ferida.
O sentimento que ele pôs nos olhos e no rosto, não o sei eu. Porém a virgem lançou de si o arco e a uiraçaba, e correu para o guerreiro, sentida da mágoa que causara.
(www.objdigital.bn.br)
O romance trata das consequências do encontro entre Iracema e Martim. Com o romance, José de Alencar tem a intenção de
Leia o trecho do romance Quincas Borba, de Machado de Assis.
Queres o avesso disso, leitor curioso? Vê este outro convidado para o almoço, Carlos Maria. Se aquele tem os modos “expansivos e francos” – no bom sentido laudatório –, claro é que ele os tem contrários. Assim, não te custará nada vê-lo entrar na sala, lento, frio e superior, ser apresentado ao Freitas, olhando para outra parte. Freitas que já o mandou cordialmente ao diabo por causa da demora (é perto do meio-dia), corteja-o agora rasgadamente, com grandes aleluias íntimas.
Também podes ver por ti mesmo que o nosso Rubião, se gosta mais do Freitas, tem o outro em maior consideração; esperou-o até agora, e esperá-lo-ia até amanhã. Carlos Maria é que não tem consideração a nenhum deles. Examinai-o bem; é um galhardo rapaz de olhos grandes e plácidos, muito senhor de si, ainda mais senhor dos outros. Olha de cima; não tem o riso jovial, mas escarninho1 . Agora, ao sentar-se à mesa, ao pegar no talher, ao abrir o guardanapo, em tudo se vê que ele está fazendo um insigne2 favor ao dono da casa – talvez dois –, o de lhe comer o almoço, e o de lhe não chamar pascácio3 .
E, malgrado essa disparidade de caracteres, o almoço foi alegre.
(Quincas Borba, 2008.)
1 escarninho: que zomba de algo.
2 insigne: notável, significativo.
3 pascácio: tolo, simplório.
No trecho, é evidente uma característica presente em algumas narrativas de Machado de Assis:
Leia o trecho do romance O Cortiço, de Aluísio Azevedo.
De cada casulo espipavam homens armados de pau, achas de lenha, varais de ferro. Um empenho coletivo os agitava agora, a todos, numa solidariedade briosa, como se ficassem desonrados para sempre se a polícia entrasse ali pela primeira vez. Enquanto se tratava de uma simples luta entre dois rivais, estava direito! “Jogassem lá as cristas, que o mais homem ficaria com a mulher!” mas agora tratava-se de defender a estalagem, a comuna, onde cada um tinha a zelar por alguém ou alguma coisa querida.
− Não entra! Não entra!
[...]
A polícia era o grande terror daquela gente, porque, sempre que penetrava em qualquer estalagem, havia grande estropício; à capa de1 evitar e punir o jogo e a bebedeira, os urbanos invadiam os quartos, quebravam o que lá estava, punham tudo em polvorosa. Era uma questão de ódio velho.
[...]
– Fogo!
A esse grito um pânico geral apoderou-se dos moradores do cortiço. Um incêndio lamberia aquelas cem casinhas enquanto o diabo esfrega um olho!
Fez-se logo medonha confusão. Cada qual pensou em salvar o que era seu. E os polícias aproveitando o terror dos adversários, avançaram com ímpeto, levando na frente o que encontraram e penetrando enfim no infernal reduto, a dar espadeiradas para a direita e para a esquerda, como quem destroça uma boiada. A multidão atropelava-se, desembestando num alarido. Uns fugiam à prisão; outros cuidavam em defender a casa. Mas as praças2 , loucas de cólera, metiam dentro as portas e iam invadindo e quebrando tudo, sequiosas de vingança.
(O cortiço, 2008.)
1 à capa de: com o pretexto de.
2 praça: policial.
O trecho exemplifica uma característica do Naturalismo:
Considere o trecho do poema “Profissão de fé”, de Olavo Bilac.
Invejo o ourives quando escrevo:
Imito o amor
Com que ele, em ouro, o alto-relevo
Faz de uma flor.
[…]
Corre; desenha, enfeita a imagem,
A ideia veste:
Cinge-lhe ao corpo a ampla roupagem
Azul-celeste.
Torce, aprimora, alteia, lima
A frase; e, enfim,
No verso de ouro engasta a rima,
Como um rubim.
Quero que a estrofe cristalina,
Dobrada ao jeito
Do ourives, saia da oficina
Sem um defeito:
[…]
Assim procedo. Minha pena
Segue esta norma,
Por te servir, Deusa serena,
Serena Forma!
(Alceu Amoroso Lima (org.). Olavo Bilac: poesia, 1977.)
Segundo os versos de Bilac, o poeta parnasiano deve