Redação #936681
Na obra cinematográfica "3%", é retratada uma sociedade utópica dividida entre o "maralto" e o "continente". Os moradores do "continente" não possuem acesso ao saneamento básico e tampouco às condições dignas de cidadania, enquanto o "maralto" representa a parcela de alto poder aquisitivo da população. Fora da ficção, percebe-se uma semelhança com a realidade brasileira, visto que a necessidade da universalização do saneamento básico ainda se constitui como um complexo obstáculo social. Dessa forma, nota-se a configuração de um grave problema de contornos específicos, em virtude não apenas da ineficiência do Estado, mas também da invisibilidade dessa temática perante o brasileiro.
Em primeira análise, evidencia-se que a ineficácia estatal está entre as principais causas na perpetuação desse empecilho na atualidade. Em consonância com o exposto, conforme o escritor Gilberto Dimenstein, na obra "Cidadão de papel", há uma discrepância entre os direitos sociais assegurados pela legislação e a sua aplicação no cotidiano nacional. Nessa perspectiva, o déficit de programas sociais que priorizem investimentos públicos nas regiões brasileiras com maiores índices de escassez do saneamento corrobora a construção de uma identidade nacional moldada pela expansão de enfermidades relacionadas à precariedade sanitária e pelo fortalecimento da exclusão social. Logo, a ineficácia governamental provoca um distanciamento entre determinadas parcelas populacionais e o desfruto da cidadania.
Outrossim, a contínua invisibilização dessa problemática faz-se como um outro fator impulsionador desse imbróglio. À luz dessa ideia, torna-se mister a menção da filósofa Hannah Arendt, a qual conceitua como "Banalidade do mal" os processos de massificação e alienação que impossibilitam o exercício do pensamento crítico pelo corpo social. Desse modo, a ausência de visibilidade no contorno dessa barreira resulta em sua gradual naturalização e intensifica a desigualdade socioeconômica. Por conseguinte, a fortificação da banalidade ao redor desse tema dificulta sua atenuação.
Destarte, não há contestações sobre a premência de intervenções com o intuito de amenizar esse impasse. Nesse sentido, urge que o Ministério da Cidadania, com o apoio do Ministério das Cidades, crie, por intermédio de verbas públicas, programas de incentivo fiscal que estimulem a vinda da iniciativa privada voltada para o saneamento básico. Além disso, cabe aos mesmos órgãos políticos, a formação de planos estratégicos que priorizem a universalização do saneamento em regiões com menores rendas per capita. Nessa lógica, o objetivo de tais providências é a democratização da entrada à cidadania e ao bem-estar social. A partir desses feitos, o cenário encenado em "3%" ficará restrito ao meio artístico.
Praia Grande - SP