Redação #1259073
Previsão: 23/11/2022
Em um dos episódios do seriado americano "Black Mirror", todas as memórias podem ser guardadas e revistas devido a um chip instalado na cabeça mas, a gravação de todos esses momentos causa sérios problemas para um casal na busca de respostas para um incidente antigo. Fora da ficção, percebe-se que o programa dialoga com uma parcela da população ao verificar o crescente número de crianças e adolescentes expostos ao extremo na internet. A partir desse contexto, é imprescindível entender a origem da intensa necessidade parental de compartilhar todos os aspectos da vida dos filhos e a repercussão dessa situação no desenvolvimento infantil.
Nesse sentido, é fundamental entender que o desejo constante dos pais de expor cada detalhe da criação dos seus filhos online é tão frequente que o termo "sharenting" foi criado para englobar esse conceito. Realmente, não há como hesitar, o espírito humano precisa prevalecer sobre a tecnologia. Esse tema foi estudado pelo físico alemão Albert Einstein e, hodiernamente, critica a redução da conexão e da socialização humana em virtude da constante exposição de dados online. Nessa perspectiva, as pessoas precisam cuidar das suas crianças antes de oferecerem livremente as intimidades dessas à uma infinidade de estranhos que estão livres para fazerem o que quiserem com esse conhecimento, afetando os menores por muito mais tempo que a duração de um "story". Assim, apesar do Brasil se encaixar na segunda maior comunidade de usuários do Instagram, os pais devem considerar constantemente se a gratificação momentânea de receber algumas curtidas em uma foto engraçada dos seus filhos vale o risco dessa fotografia prejudicar esses no futuro, como ocorreu com os personagens do seriado da Netflix.
Consequentemente, percebe-se também o quanto a exposição desde a infância dificulta a possibilidade de um desenvolvimento emocional saudável em jovens. De fato, " o crescimento das doenças psiquiátricas possui forte ligação com a função das redes sociais e o tempo dedicada a elas na contemporaneidade" (teoria estudada, inclusive, pelo filósofo sul-coreano Byung Chul Han, no livro "Sociedade do Cansaço"). Nesse viés, o pensador acusa a estrutura parental de favorecer os interesses pessoais acima da autonomia, da segurança e da saúde daqueles que necessitam da sua proteção. A partir disso, é difícil pensar em sair de um estado de constante vigilância sem a regulamentação dos direitos dos que não podem decidir por si mesmos.
Portanto, é inegável que o aumento da exposição infantil na internet é uma consequência da gestão familiar, a qual reverbera no desenvolvimento funcional dos jovens. Dessa forma, é fundamental que os responsáveis considerem a privacidade dos menores antes de publicarem fotos online. Ademais, é urgente que o Ministério Público, por meio Estatuto da Criança e do Adolescentes, expanda a Lei Geral de Proteção de Dados, firmando parcerias com as plataformas sociais para evitar o registro de contas para crianças e para garantir que os pais coloquem restrições no perfil caso decidam compartilhar fotos dos filhos, com o intuito de garantir a segurança e a privacidade dos que não possuem idade suficiente para decidirem até que extensão desejam ter suas vidas expostas. Afinal, os direitos das crianças são tão válidos quanto os desejos dos adultos.
Recife - PE