USS (Univassouras) 2018/2
65 Questões
NO FRAGMENTO DE TEXTO A SEGUIR, PARTE INICIAL DE UM CONTO DA ESCRITORA CLARICE LISPECTOR, O NARRADOR OBSERVA UMA CRIANÇA.
TEXTO
MENINO A BICO DE PENA
Como conhecer jamais o menino? Para conhecê-lo tenho que esperar que ele se deteriore, e só então
ele estará ao meu alcance. Lá está ele, um ponto no infinito. Ninguém conhecerá o hoje dele. Nem ele
próprio. Quanto a mim, olho, e é inútil: não consigo entender coisa apenas atual, totalmente atual. O que
conheço dele é a sua situação: o menino é aquele em quem acabaram de nascer os primeiros dentes
[5] e é o mesmo que será médico ou carpinteiro. Enquanto isso – lá está ele sentado no chão, de um real
que tenho de chamar de vegetativo para poder entender. Trinta mil desses meninos sentados no chão,
teriam eles a chance de construir um mundo outro, um que levasse em conta a memória da atualidade
absoluta a que um dia já pertencemos? A união faria a força. Lá está ele sentado, iniciando tudo de novo
mas, para a própria proteção futura dele, sem nenhuma chance verdadeira de realmente iniciar.
[10] Não sei como desenhar o menino. Sei que é impossível desenhá-lo a carvão, pois até o bico de
pena mancha o papel para além da finíssima linha de extrema atualidade em que ele vive. Um dia o
domesticaremos em humano, e poderemos desenhá-lo. Pois assim fizemos conosco e com Deus. O
próprio menino ajudará sua domesticação: ele é esforçado e coopera. Coopera sem saber que essa
ajuda que lhe pedimos é para o seu autossacrifício. Ultimamente ele até tem treinado muito. E assim
[15] continuará progredindo até que, pouco a pouco – pela bondade necessária com que nos salvamos –, ele
passará do tempo atual ao tempo cotidiano, da meditação à expressão, da existência à vida. (...)
Da cozinha a mãe se certifica: você está quietinho aí? Chamado ao trabalho, o menino ergue-se com
dificuldade. Cambaleia sobre as pernas, com a atenção inteira para dentro: todo o seu equilíbrio é interno.
Conseguido isso, agora a inteira atenção para fora: ele observa o que o ato de se erguer provocou.
[20] Pois levantar-se teve consequências e consequências: o chão move-se incerto, uma cadeira o supera, a
parede o delimita. E na parede tem o retrato de O menino. É difícil olhar para o retrato alto sem apoiar-se
num móvel, isso ele ainda não treinou. Mas eis que sua própria dificuldade lhe serve de apoio: o que o
mantém de pé é exatamente prender a atenção ao retrato alto, olhar para cima lhe serve de guindaste.
Mas ele comete um erro: pestaneja. Ter pestanejado desliga-o por uma fração de segundo do retrato
[25] que o sustentava. O equilíbrio se desfaz – num único gesto total, ele cai sentado. (...)
CLARICE LISPECTOR Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
Bico de pena é um tipo de caneta, utilizada na realização de desenhos, que permite a alternância de traçado entre linhas finas e grossas.
O uso dessa expressão no texto enfatiza certa condição do narrador ao descrever o menino. Essa condição pode ser enunciada como:
NO FRAGMENTO DE TEXTO A SEGUIR, PARTE INICIAL DE UM CONTO DA ESCRITORA CLARICE LISPECTOR, O NARRADOR OBSERVA UMA CRIANÇA.
TEXTO
MENINO A BICO DE PENA
Como conhecer jamais o menino? Para conhecê-lo tenho que esperar que ele se deteriore, e só então
ele estará ao meu alcance. Lá está ele, um ponto no infinito. Ninguém conhecerá o hoje dele. Nem ele
próprio. Quanto a mim, olho, e é inútil: não consigo entender coisa apenas atual, totalmente atual. O que
conheço dele é a sua situação: o menino é aquele em quem acabaram de nascer os primeiros dentes
[5] e é o mesmo que será médico ou carpinteiro. Enquanto isso – lá está ele sentado no chão, de um real
que tenho de chamar de vegetativo para poder entender. Trinta mil desses meninos sentados no chão,
teriam eles a chance de construir um mundo outro, um que levasse em conta a memória da atualidade
absoluta a que um dia já pertencemos? A união faria a força. Lá está ele sentado, iniciando tudo de novo
mas, para a própria proteção futura dele, sem nenhuma chance verdadeira de realmente iniciar.
[10] Não sei como desenhar o menino. Sei que é impossível desenhá-lo a carvão, pois até o bico de
pena mancha o papel para além da finíssima linha de extrema atualidade em que ele vive. Um dia o
domesticaremos em humano, e poderemos desenhá-lo. Pois assim fizemos conosco e com Deus. O
próprio menino ajudará sua domesticação: ele é esforçado e coopera. Coopera sem saber que essa
ajuda que lhe pedimos é para o seu autossacrifício. Ultimamente ele até tem treinado muito. E assim
[15] continuará progredindo até que, pouco a pouco – pela bondade necessária com que nos salvamos –, ele
passará do tempo atual ao tempo cotidiano, da meditação à expressão, da existência à vida. (...)
Da cozinha a mãe se certifica: você está quietinho aí? Chamado ao trabalho, o menino ergue-se com
dificuldade. Cambaleia sobre as pernas, com a atenção inteira para dentro: todo o seu equilíbrio é interno.
Conseguido isso, agora a inteira atenção para fora: ele observa o que o ato de se erguer provocou.
[20] Pois levantar-se teve consequências e consequências: o chão move-se incerto, uma cadeira o supera, a
parede o delimita. E na parede tem o retrato de O menino. É difícil olhar para o retrato alto sem apoiar-se
num móvel, isso ele ainda não treinou. Mas eis que sua própria dificuldade lhe serve de apoio: o que o
mantém de pé é exatamente prender a atenção ao retrato alto, olhar para cima lhe serve de guindaste.
Mas ele comete um erro: pestaneja. Ter pestanejado desliga-o por uma fração de segundo do retrato
[25] que o sustentava. O equilíbrio se desfaz – num único gesto total, ele cai sentado. (...)
CLARICE LISPECTOR Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
Como conhecer jamais o menino? Para conhecê-lo tenho que esperar que ele se deteriore, e só então ele estará ao meu alcance. (l. 1-2)
Na citação, entre a pergunta inicial do narrador e a declaração que a segue, identifica-se a seguinte relação de sentido:
NO FRAGMENTO DE TEXTO A SEGUIR, PARTE INICIAL DE UM CONTO DA ESCRITORA CLARICE LISPECTOR, O NARRADOR OBSERVA UMA CRIANÇA.
TEXTO
MENINO A BICO DE PENA
Como conhecer jamais o menino? Para conhecê-lo tenho que esperar que ele se deteriore, e só então
ele estará ao meu alcance. Lá está ele, um ponto no infinito. Ninguém conhecerá o hoje dele. Nem ele
próprio. Quanto a mim, olho, e é inútil: não consigo entender coisa apenas atual, totalmente atual. O que
conheço dele é a sua situação: o menino é aquele em quem acabaram de nascer os primeiros dentes
[5] e é o mesmo que será médico ou carpinteiro. Enquanto isso – lá está ele sentado no chão, de um real
que tenho de chamar de vegetativo para poder entender. Trinta mil desses meninos sentados no chão,
teriam eles a chance de construir um mundo outro, um que levasse em conta a memória da atualidade
absoluta a que um dia já pertencemos? A união faria a força. Lá está ele sentado, iniciando tudo de novo
mas, para a própria proteção futura dele, sem nenhuma chance verdadeira de realmente iniciar.
[10] Não sei como desenhar o menino. Sei que é impossível desenhá-lo a carvão, pois até o bico de
pena mancha o papel para além da finíssima linha de extrema atualidade em que ele vive. Um dia o
domesticaremos em humano, e poderemos desenhá-lo. Pois assim fizemos conosco e com Deus. O
próprio menino ajudará sua domesticação: ele é esforçado e coopera. Coopera sem saber que essa
ajuda que lhe pedimos é para o seu autossacrifício. Ultimamente ele até tem treinado muito. E assim
[15] continuará progredindo até que, pouco a pouco – pela bondade necessária com que nos salvamos –, ele
passará do tempo atual ao tempo cotidiano, da meditação à expressão, da existência à vida. (...)
Da cozinha a mãe se certifica: você está quietinho aí? Chamado ao trabalho, o menino ergue-se com
dificuldade. Cambaleia sobre as pernas, com a atenção inteira para dentro: todo o seu equilíbrio é interno.
Conseguido isso, agora a inteira atenção para fora: ele observa o que o ato de se erguer provocou.
[20] Pois levantar-se teve consequências e consequências: o chão move-se incerto, uma cadeira o supera, a
parede o delimita. E na parede tem o retrato de O menino. É difícil olhar para o retrato alto sem apoiar-se
num móvel, isso ele ainda não treinou. Mas eis que sua própria dificuldade lhe serve de apoio: o que o
mantém de pé é exatamente prender a atenção ao retrato alto, olhar para cima lhe serve de guindaste.
Mas ele comete um erro: pestaneja. Ter pestanejado desliga-o por uma fração de segundo do retrato
[25] que o sustentava. O equilíbrio se desfaz – num único gesto total, ele cai sentado. (...)
CLARICE LISPECTOR Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
No texto, uma palavra que possui a função de nomear está sublinhada em:
NO FRAGMENTO DE TEXTO A SEGUIR, PARTE INICIAL DE UM CONTO DA ESCRITORA CLARICE LISPECTOR, O NARRADOR OBSERVA UMA CRIANÇA.
TEXTO
MENINO A BICO DE PENA
Como conhecer jamais o menino? Para conhecê-lo tenho que esperar que ele se deteriore, e só então
ele estará ao meu alcance. Lá está ele, um ponto no infinito. Ninguém conhecerá o hoje dele. Nem ele
próprio. Quanto a mim, olho, e é inútil: não consigo entender coisa apenas atual, totalmente atual. O que
conheço dele é a sua situação: o menino é aquele em quem acabaram de nascer os primeiros dentes
[5] e é o mesmo que será médico ou carpinteiro. Enquanto isso – lá está ele sentado no chão, de um real
que tenho de chamar de vegetativo para poder entender. Trinta mil desses meninos sentados no chão,
teriam eles a chance de construir um mundo outro, um que levasse em conta a memória da atualidade
absoluta a que um dia já pertencemos? A união faria a força. Lá está ele sentado, iniciando tudo de novo
mas, para a própria proteção futura dele, sem nenhuma chance verdadeira de realmente iniciar.
[10] Não sei como desenhar o menino. Sei que é impossível desenhá-lo a carvão, pois até o bico de
pena mancha o papel para além da finíssima linha de extrema atualidade em que ele vive. Um dia o
domesticaremos em humano, e poderemos desenhá-lo. Pois assim fizemos conosco e com Deus. O
próprio menino ajudará sua domesticação: ele é esforçado e coopera. Coopera sem saber que essa
ajuda que lhe pedimos é para o seu autossacrifício. Ultimamente ele até tem treinado muito. E assim
[15] continuará progredindo até que, pouco a pouco – pela bondade necessária com que nos salvamos –, ele
passará do tempo atual ao tempo cotidiano, da meditação à expressão, da existência à vida. (...)
Da cozinha a mãe se certifica: você está quietinho aí? Chamado ao trabalho, o menino ergue-se com
dificuldade. Cambaleia sobre as pernas, com a atenção inteira para dentro: todo o seu equilíbrio é interno.
Conseguido isso, agora a inteira atenção para fora: ele observa o que o ato de se erguer provocou.
[20] Pois levantar-se teve consequências e consequências: o chão move-se incerto, uma cadeira o supera, a
parede o delimita. E na parede tem o retrato de O menino. É difícil olhar para o retrato alto sem apoiar-se
num móvel, isso ele ainda não treinou. Mas eis que sua própria dificuldade lhe serve de apoio: o que o
mantém de pé é exatamente prender a atenção ao retrato alto, olhar para cima lhe serve de guindaste.
Mas ele comete um erro: pestaneja. Ter pestanejado desliga-o por uma fração de segundo do retrato
[25] que o sustentava. O equilíbrio se desfaz – num único gesto total, ele cai sentado. (...)
CLARICE LISPECTOR Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
O uso dos dois-pontos introduz uma reformulação do que foi expresso anteriormente em:
NO FRAGMENTO DE TEXTO A SEGUIR, PARTE INICIAL DE UM CONTO DA ESCRITORA CLARICE LISPECTOR, O NARRADOR OBSERVA UMA CRIANÇA.
TEXTO
MENINO A BICO DE PENA
Como conhecer jamais o menino? Para conhecê-lo tenho que esperar que ele se deteriore, e só então
ele estará ao meu alcance. Lá está ele, um ponto no infinito. Ninguém conhecerá o hoje dele. Nem ele
próprio. Quanto a mim, olho, e é inútil: não consigo entender coisa apenas atual, totalmente atual. O que
conheço dele é a sua situação: o menino é aquele em quem acabaram de nascer os primeiros dentes
[5] e é o mesmo que será médico ou carpinteiro. Enquanto isso – lá está ele sentado no chão, de um real
que tenho de chamar de vegetativo para poder entender. Trinta mil desses meninos sentados no chão,
teriam eles a chance de construir um mundo outro, um que levasse em conta a memória da atualidade
absoluta a que um dia já pertencemos? A união faria a força. Lá está ele sentado, iniciando tudo de novo
mas, para a própria proteção futura dele, sem nenhuma chance verdadeira de realmente iniciar.
[10] Não sei como desenhar o menino. Sei que é impossível desenhá-lo a carvão, pois até o bico de
pena mancha o papel para além da finíssima linha de extrema atualidade em que ele vive. Um dia o
domesticaremos em humano, e poderemos desenhá-lo. Pois assim fizemos conosco e com Deus. O
próprio menino ajudará sua domesticação: ele é esforçado e coopera. Coopera sem saber que essa
ajuda que lhe pedimos é para o seu autossacrifício. Ultimamente ele até tem treinado muito. E assim
[15] continuará progredindo até que, pouco a pouco – pela bondade necessária com que nos salvamos –, ele
passará do tempo atual ao tempo cotidiano, da meditação à expressão, da existência à vida. (...)
Da cozinha a mãe se certifica: você está quietinho aí? Chamado ao trabalho, o menino ergue-se com
dificuldade. Cambaleia sobre as pernas, com a atenção inteira para dentro: todo o seu equilíbrio é interno.
Conseguido isso, agora a inteira atenção para fora: ele observa o que o ato de se erguer provocou.
[20] Pois levantar-se teve consequências e consequências: o chão move-se incerto, uma cadeira o supera, a
parede o delimita. E na parede tem o retrato de O menino. É difícil olhar para o retrato alto sem apoiar-se
num móvel, isso ele ainda não treinou. Mas eis que sua própria dificuldade lhe serve de apoio: o que o
mantém de pé é exatamente prender a atenção ao retrato alto, olhar para cima lhe serve de guindaste.
Mas ele comete um erro: pestaneja. Ter pestanejado desliga-o por uma fração de segundo do retrato
[25] que o sustentava. O equilíbrio se desfaz – num único gesto total, ele cai sentado. (...)
CLARICE LISPECTOR Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
Lá está ele sentado, iniciando tudo de novo mas, para a própria proteção futura dele, sem nenhuma chance verdadeira de realmente iniciar. (l. 8-9)
A frase citada sintetiza ideias, expostas no primeiro parágrafo, que aludem a certa dimensão da vida humana. Essa dimensão pode ser definida como:
TEXTO
PEQUENAS E GRANDES ESCOLHAS
Certa vez, Freud declarou que haveria menos chance de erro nas grandes escolhas feitas por impulso.
A sugestão parece imprudente, mas ele sabia que as razões que mais pesam nas grandes escolhas
da vida são inconscientes, e o impulso obedece a essas razões. No caso das escolhas profissionais, as
motivações inconscientes são decisivas. Elas determinam não só a escolha mais “acertada”, do ponto de
[5] vista da compatibilidade com a profissão, como são também responsáveis, pelo menos em parte, por
aquilo que chamamos de talento.
Tudo isso se decide na infância, por mecanismos que chamamos de identificações. Toda criança que
começa a desgrudar da primeira relação intensa com seus pais leva na bagagem de sua pequena
independência alguns traços da personalidade deles. A identificação é esse “resto de saudades”
[10] que acompanha cada separação amorosa: “já que não posso ter essa pessoa por inteiro, carrego um
pouquinho dela dentro de mim”. Apesar de parecer um processo de imitação, não é: os caminhos das
identificações acompanham muito mais os desejos não realizados dos pais do que aqueles que eles
seguiram na vida. Assim acontece que uma criança possa revelar grande interesse por uma profissão
com que o avô sonhou, mas nunca exerceu. Ou um talento que a mãe não levou adiante ressurge com
[15] toda a força em um dos filhos. Não são os genes que transmitem essas vocações – pelo menos, não só.
É o “faro” da criança para detectar os objetos, explícitos ou recalcados, do desejo dos pais.
Junto com as identificações formam-se os ideais. A escolha profissional tem muito a ver com o campo
de ideais que a pessoa valoriza. Dificilmente alguém consegue se entregar profissionalmente a uma
prática que não represente, ao menos indiretamente, os valores em que ela acredita. Tudo isso tem
[20] a ver, é claro, com a almejada satisfação na vida profissional. Mas não vamos nos iludir. Satisfação no
trabalho não significa necessariamente prazer em trabalhar. O trabalho não é fonte de prazer: é fonte de
sentido. Ele nos ajuda a dar sentido à vida. Só que o sentido da vida profissional não vem prêt-à-porter1.
Ele é o efeito, e não a premissa, dos anos de prática de uma profissão.
Em uma conjuntura em que se acredita em prazeres instantâneos, resultados imediatos e felicidade
[25] delivery2, é bom lembrar que a construção de sentido requer tempo e persistência.
MARIA RITA KELH Adaptado de http://rae.fgv.br/sites/rae.fgv.br/files/artigos/5108.pdf, 11/04/2018.
1 pronta para vestir
2 entregue em domicílio
Elas determinam não só a escolha mais “acertada”, (l. 4)
Nesse trecho, por meio das aspas, a autora expressa o seguinte valor em relação à escolha da palavra sublinhada: