TEXTO
Reflexões sobre o tempo
(Marcelo Gleiser – professor de física)
Para alguns, os mais pragmáticos, o tempo não tem
nada de misterioso: ele passa, envelhecemos e um dia
morremos, ponto final. Já para outros, este colunista
incluído, o tempo é um paradoxo, nosso grande amigo e
[5] inimigo.
Amigo por nos ensinar a ser pacientes com a
impaciência dos outros, por nos fazer esquecer coisas que
devem ser esquecidas e lembrar aquelas que devem ser
lembradas. Inimigo por interromper vidas e relações,
[10] mudar coisas que não queremos que sejam mudadas, por
nos fazer esquecer coisas que devem ser lembradas. Em
termos psicológicos não temos dúvidas: como ninguém
consegue se lembrar do futuro, o tempo anda sempre
avante.
[15] Mas a situação não é assim tão simples. Em arte,
podemos inventar o futuro no presente, “visualizar” o que
vai ser e tentar dar vida a essa visão. O paradoxo, aqui, é
que toda criação depende apenas do passado: criamos o
futuro re-experimentando e reintegrando o passado. Isso
[20] não significa que tudo já existe; significa apenas que
existem infinitos modos de olhar para trás.
Em física, a direção do tempo não é obviamente para
a frente. Na verdade, as leis da mecânica não distinguem
entre ir avante ou para trás. Imagine, por exemplo, que
[25] alguém tenha filmado uma bola voando da direita para a
esquerda. Se o filme for passado de trás para a frente, a
bola voa da esquerda para direita: quem não esteve
presente durante a gravação, não saberia em qual das duas
situações o tempo vai do passado para o futuro. Dizemos
[30] que as leis da mecânica são reversíveis temporalmente.
Se a física dissesse que o tempo é reversível sempre,
estaria em séria contradição com a realidade que vemos à
nossa volta. (E em nós mesmos.) Basta observarmos o
mundo para saber que o tempo vai para a frente: os dias
[35]passam, coisas mudam, pessoas e animais envelhecem,
planetas giram em torno do Sol, o Sol envelhece, estrelas
nascem e morrem, o próprio Universo cresce cada vez
mais, definindo a direção cosmológica do tempo. Como
então reconciliar estas observações com as leis básicas da
[40] física? A resposta se encontra na complexidade do
sistema: uma bola é um sistema extremamente simples,
sua trajetória para a direita ou para a esquerda é
essencialmente a mesma. Mas um ovo virar omelete, por
exemplo, é um processo irreversível: não vemos um
[45] omelete virar ovo. A diferença é que um ovo pode ser
transformado em omelete através de inúmeros caminhos.
Mas existem poucos modos de se transformar omeletes
em ovos. (Assumindo que todos os ovos são
essencialmente iguais...).
[50] Como mostrou Ludwig Boltzmann, a questão
depende de probabilidades: a probabilidade que todas as
moléculas de um omelete se realinhem em um ovo é
extremamente pequena, tão pequena que o fenômeno é
altamente improvável, quase impossível. Quase mas não
[55] totalmente. Para tal, seriam necessárias incontáveis
interações entre as moléculas de clara e gema seguindo
instruções extremamente específicas: seria necessário um
princípio organizador que pudesse contrariar o fato que
desordem tende a aumentar, um princípio capaz de
[60] transformar desordem em ordem. Um destes princípios é
justamente a arte; outro é a ciência. Ambas dão expressão
à necessidade que temos de integrar nossa experiência do
mundo com quem somos.
GLEISER, M. Folha de S. Paulo, 20 de março de 2005.
Assinale o que for correto.
01) Os dois empregos de dois pontos, nas linhas 12 e 18, têm funções distintas: o primeiro introduz um dado importante a respeito da direção do tempo; o segundo anuncia uma síntese da relação entre o passado e o futuro.
02) Os dois empregos de parênteses (linhas 33, 48 e 49) têm a mesma função de acrescentar um comentário para a argumentação desenvolvida no texto.
04) O emprego de reticências na linha 49 produz o sentido de pensamento inconcluso, dando espaço para o leitor concluir a reflexão.
08) A interrogativa empregada pelo autor (linha 40) não apresenta uma resposta direta no próprio texto, indicando que ela se encontra como uma informação implícita.
16) Entre as sequências “os dias passam” (linhas 34 e 35) e “coisas mudam” (linha 35), a vírgula é obrigatória, pois demarca a separação de duas orações coordenadas assindéticas.
TEXTO
Reflexões sobre o tempo
(Marcelo Gleiser – professor de física)
Para alguns, os mais pragmáticos, o tempo não tem
nada de misterioso: ele passa, envelhecemos e um dia
morremos, ponto final. Já para outros, este colunista
incluído, o tempo é um paradoxo, nosso grande amigo e
[5] inimigo.
Amigo por nos ensinar a ser pacientes com a
impaciência dos outros, por nos fazer esquecer coisas que
devem ser esquecidas e lembrar aquelas que devem ser
lembradas. Inimigo por interromper vidas e relações,
[10] mudar coisas que não queremos que sejam mudadas, por
nos fazer esquecer coisas que devem ser lembradas. Em
termos psicológicos não temos dúvidas: como ninguém
consegue se lembrar do futuro, o tempo anda sempre
avante.
[15] Mas a situação não é assim tão simples. Em arte,
podemos inventar o futuro no presente, “visualizar” o que
vai ser e tentar dar vida a essa visão. O paradoxo, aqui, é
que toda criação depende apenas do passado: criamos o
futuro re-experimentando e reintegrando o passado. Isso
[20] não significa que tudo já existe; significa apenas que
existem infinitos modos de olhar para trás.
Em física, a direção do tempo não é obviamente para
a frente. Na verdade, as leis da mecânica não distinguem
entre ir avante ou para trás. Imagine, por exemplo, que
[25] alguém tenha filmado uma bola voando da direita para a
esquerda. Se o filme for passado de trás para a frente, a
bola voa da esquerda para direita: quem não esteve
presente durante a gravação, não saberia em qual das duas
situações o tempo vai do passado para o futuro. Dizemos
[30] que as leis da mecânica são reversíveis temporalmente.
Se a física dissesse que o tempo é reversível sempre,
estaria em séria contradição com a realidade que vemos à
nossa volta. (E em nós mesmos.) Basta observarmos o
mundo para saber que o tempo vai para a frente: os dias
[35]passam, coisas mudam, pessoas e animais envelhecem,
planetas giram em torno do Sol, o Sol envelhece, estrelas
nascem e morrem, o próprio Universo cresce cada vez
mais, definindo a direção cosmológica do tempo. Como
então reconciliar estas observações com as leis básicas da
[40] física? A resposta se encontra na complexidade do
sistema: uma bola é um sistema extremamente simples,
sua trajetória para a direita ou para a esquerda é
essencialmente a mesma. Mas um ovo virar omelete, por
exemplo, é um processo irreversível: não vemos um
[45] omelete virar ovo. A diferença é que um ovo pode ser
transformado em omelete através de inúmeros caminhos.
Mas existem poucos modos de se transformar omeletes
em ovos. (Assumindo que todos os ovos são
essencialmente iguais...).
[50] Como mostrou Ludwig Boltzmann, a questão
depende de probabilidades: a probabilidade que todas as
moléculas de um omelete se realinhem em um ovo é
extremamente pequena, tão pequena que o fenômeno é
altamente improvável, quase impossível. Quase mas não
[55] totalmente. Para tal, seriam necessárias incontáveis
interações entre as moléculas de clara e gema seguindo
instruções extremamente específicas: seria necessário um
princípio organizador que pudesse contrariar o fato que
desordem tende a aumentar, um princípio capaz de
[60] transformar desordem em ordem. Um destes princípios é
justamente a arte; outro é a ciência. Ambas dão expressão
à necessidade que temos de integrar nossa experiência do
mundo com quem somos.
GLEISER, M. Folha de S. Paulo, 20 de março de 2005.
A respeito do texto, assinale o que for correto.
01) De acordo com o quarto parágrafo, as leis da mecânica são reversíveis temporalmente porque, quando aplicadas a um determinado evento, essas leis não fazem distinção entre ir para frente ou para trás.
02) De acordo com o último parágrafo, a baixa probabilidade de um omelete vir a se tornar novamente um ovo é resultado de um princípio mais geral que postula a primazia da desordem sobre a ordem.
04) Para o autor do texto, justamente por ser um professor de física, não há nada de misterioso em relação ao tempo.
08) O fato de eventualmente nos esquecermos de coisas que aconteceram no passado é uma evidência, em termos psicológicos, de que o tempo avança para trás.
16) A arte e a ciência são diferentes porque apenas esta última é capaz de atuar como um princípio organizador que transforma desordem em ordem.
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Reflexões sobre o tempo
(Marcelo Gleiser – professor de física)
Para alguns, os mais pragmáticos, o tempo não tem
nada de misterioso: ele passa, envelhecemos e um dia
morremos, ponto final. Já para outros, este colunista
incluído, o tempo é um paradoxo, nosso grande amigo e
[5] inimigo.
Amigo por nos ensinar a ser pacientes com a
impaciência dos outros, por nos fazer esquecer coisas que
devem ser esquecidas e lembrar aquelas que devem ser
lembradas. Inimigo por interromper vidas e relações,
[10] mudar coisas que não queremos que sejam mudadas, por
nos fazer esquecer coisas que devem ser lembradas. Em
termos psicológicos não temos dúvidas: como ninguém
consegue se lembrar do futuro, o tempo anda sempre
avante.
[15] Mas a situação não é assim tão simples. Em arte,
podemos inventar o futuro no presente, “visualizar” o que
vai ser e tentar dar vida a essa visão. O paradoxo, aqui, é
que toda criação depende apenas do passado: criamos o
futuro re-experimentando e reintegrando o passado. Isso
[20] não significa que tudo já existe; significa apenas que
existem infinitos modos de olhar para trás.
Em física, a direção do tempo não é obviamente para
a frente. Na verdade, as leis da mecânica não distinguem
entre ir avante ou para trás. Imagine, por exemplo, que
[25] alguém tenha filmado uma bola voando da direita para a
esquerda. Se o filme for passado de trás para a frente, a
bola voa da esquerda para direita: quem não esteve
presente durante a gravação, não saberia em qual das duas
situações o tempo vai do passado para o futuro. Dizemos
[30] que as leis da mecânica são reversíveis temporalmente.
Se a física dissesse que o tempo é reversível sempre,
estaria em séria contradição com a realidade que vemos à
nossa volta. (E em nós mesmos.) Basta observarmos o
mundo para saber que o tempo vai para a frente: os dias
[35]passam, coisas mudam, pessoas e animais envelhecem,
planetas giram em torno do Sol, o Sol envelhece, estrelas
nascem e morrem, o próprio Universo cresce cada vez
mais, definindo a direção cosmológica do tempo. Como
então reconciliar estas observações com as leis básicas da
[40] física? A resposta se encontra na complexidade do
sistema: uma bola é um sistema extremamente simples,
sua trajetória para a direita ou para a esquerda é
essencialmente a mesma. Mas um ovo virar omelete, por
exemplo, é um processo irreversível: não vemos um
[45] omelete virar ovo. A diferença é que um ovo pode ser
transformado em omelete através de inúmeros caminhos.
Mas existem poucos modos de se transformar omeletes
em ovos. (Assumindo que todos os ovos são
essencialmente iguais...).
[50] Como mostrou Ludwig Boltzmann, a questão
depende de probabilidades: a probabilidade que todas as
moléculas de um omelete se realinhem em um ovo é
extremamente pequena, tão pequena que o fenômeno é
altamente improvável, quase impossível. Quase mas não
[55] totalmente. Para tal, seriam necessárias incontáveis
interações entre as moléculas de clara e gema seguindo
instruções extremamente específicas: seria necessário um
princípio organizador que pudesse contrariar o fato que
desordem tende a aumentar, um princípio capaz de
[60] transformar desordem em ordem. Um destes princípios é
justamente a arte; outro é a ciência. Ambas dão expressão
à necessidade que temos de integrar nossa experiência do
mundo com quem somos.
GLEISER, M. Folha de S. Paulo, 20 de março de 2005.
A respeito de elementos linguísticos no texto, assinale o que for correto.
01) A oração “que todas as moléculas de um omelete se realinhem em um ovo” (linhas 51 e 52) é uma subordinada substantiva que desempenha a função sintática de complemento nominal do termo “probabilidade” (linha 51).
02) Em “Imagine, por exemplo, que alguém tenha filmado uma bola” (linhas 24 e 25), a substituição da locução verbal “tenha filmado” por estivesse filmando não acarreta em mudança alguma de natureza semântico-discursiva.
04) Na linguagem coloquial, a expressão “sua trajetória” (linha 42) poderia ser expressa como a trajetória dela.
08) Em um registro mais informal, no fragmento “Amigo por nos ensinar a ser pacientes” (linha 6), a preposição “a” poderia ser substituída, sem prejuízo sintático, pela forma alternativa para.
16) O uso da próclise em “se realinhem” (linha 52), contrariamente ao que prevê a gramática normativa nesse contexto, é uma estratégia empregada pelo autor para conferir um tom mais informal.
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Reflexões sobre o tempo
(Marcelo Gleiser – professor de física)
Para alguns, os mais pragmáticos, o tempo não tem
nada de misterioso: ele passa, envelhecemos e um dia
morremos, ponto final. Já para outros, este colunista
incluído, o tempo é um paradoxo, nosso grande amigo e
[5] inimigo.
Amigo por nos ensinar a ser pacientes com a
impaciência dos outros, por nos fazer esquecer coisas que
devem ser esquecidas e lembrar aquelas que devem ser
lembradas. Inimigo por interromper vidas e relações,
[10] mudar coisas que não queremos que sejam mudadas, por
nos fazer esquecer coisas que devem ser lembradas. Em
termos psicológicos não temos dúvidas: como ninguém
consegue se lembrar do futuro, o tempo anda sempre
avante.
[15] Mas a situação não é assim tão simples. Em arte,
podemos inventar o futuro no presente, “visualizar” o que
vai ser e tentar dar vida a essa visão. O paradoxo, aqui, é
que toda criação depende apenas do passado: criamos o
futuro re-experimentando e reintegrando o passado. Isso
[20] não significa que tudo já existe; significa apenas que
existem infinitos modos de olhar para trás.
Em física, a direção do tempo não é obviamente para
a frente. Na verdade, as leis da mecânica não distinguem
entre ir avante ou para trás. Imagine, por exemplo, que
[25] alguém tenha filmado uma bola voando da direita para a
esquerda. Se o filme for passado de trás para a frente, a
bola voa da esquerda para direita: quem não esteve
presente durante a gravação, não saberia em qual das duas
situações o tempo vai do passado para o futuro. Dizemos
[30] que as leis da mecânica são reversíveis temporalmente.
Se a física dissesse que o tempo é reversível sempre,
estaria em séria contradição com a realidade que vemos à
nossa volta. (E em nós mesmos.) Basta observarmos o
mundo para saber que o tempo vai para a frente: os dias
[35]passam, coisas mudam, pessoas e animais envelhecem,
planetas giram em torno do Sol, o Sol envelhece, estrelas
nascem e morrem, o próprio Universo cresce cada vez
mais, definindo a direção cosmológica do tempo. Como
então reconciliar estas observações com as leis básicas da
[40] física? A resposta se encontra na complexidade do
sistema: uma bola é um sistema extremamente simples,
sua trajetória para a direita ou para a esquerda é
essencialmente a mesma. Mas um ovo virar omelete, por
exemplo, é um processo irreversível: não vemos um
[45] omelete virar ovo. A diferença é que um ovo pode ser
transformado em omelete através de inúmeros caminhos.
Mas existem poucos modos de se transformar omeletes
em ovos. (Assumindo que todos os ovos são
essencialmente iguais...).
[50] Como mostrou Ludwig Boltzmann, a questão
depende de probabilidades: a probabilidade que todas as
moléculas de um omelete se realinhem em um ovo é
extremamente pequena, tão pequena que o fenômeno é
altamente improvável, quase impossível. Quase mas não
[55] totalmente. Para tal, seriam necessárias incontáveis
interações entre as moléculas de clara e gema seguindo
instruções extremamente específicas: seria necessário um
princípio organizador que pudesse contrariar o fato que
desordem tende a aumentar, um princípio capaz de
[60] transformar desordem em ordem. Um destes princípios é
justamente a arte; outro é a ciência. Ambas dão expressão
à necessidade que temos de integrar nossa experiência do
mundo com quem somos.
GLEISER, M. Folha de S. Paulo, 20 de março de 2005.
Em relação a elementos linguísticos no texto, assinale o que for correto.
01) Os vocábulos “alguns” (linha 1) e “outros” (linha 3), embora de natureza semântica indefinida, são especificados, respectivamente, pelos apostos “os mais pragmáticos” (linha 1) e “este colunista incluído” (linhas 3 e 4).
02) Tanto em “impaciência” (linha 7) quanto em “interromper” (linha 9) observa-se a presença de um prefixo com valor semântico de ausência.
04) Tanto em “re-experimentando” (linha 19) quanto em “reintegrando” (linha 19) observa-se a presença de um prefixo com valor semântico de repetição.
08) Nas linhas 15 e 41, o adjetivo “simples” tem seu valor semântico intensificado mediante a presença dos advérbios “tão” (linha 15) e “extremamente” (linha 41).
16) O vocábulo “como” (linha 12) é um elemento de valor semântico conformativo que reforça a ideia de que o tempo anda sempre avante.
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Reflexões sobre o tempo
(Marcelo Gleiser – professor de física)
Para alguns, os mais pragmáticos, o tempo não tem
nada de misterioso: ele passa, envelhecemos e um dia
morremos, ponto final. Já para outros, este colunista
incluído, o tempo é um paradoxo, nosso grande amigo e
[5] inimigo.
Amigo por nos ensinar a ser pacientes com a
impaciência dos outros, por nos fazer esquecer coisas que
devem ser esquecidas e lembrar aquelas que devem ser
lembradas. Inimigo por interromper vidas e relações,
[10] mudar coisas que não queremos que sejam mudadas, por
nos fazer esquecer coisas que devem ser lembradas. Em
termos psicológicos não temos dúvidas: como ninguém
consegue se lembrar do futuro, o tempo anda sempre
avante.
[15] Mas a situação não é assim tão simples. Em arte,
podemos inventar o futuro no presente, “visualizar” o que
vai ser e tentar dar vida a essa visão. O paradoxo, aqui, é
que toda criação depende apenas do passado: criamos o
futuro re-experimentando e reintegrando o passado. Isso
[20] não significa que tudo já existe; significa apenas que
existem infinitos modos de olhar para trás.
Em física, a direção do tempo não é obviamente para
a frente. Na verdade, as leis da mecânica não distinguem
entre ir avante ou para trás. Imagine, por exemplo, que
[25] alguém tenha filmado uma bola voando da direita para a
esquerda. Se o filme for passado de trás para a frente, a
bola voa da esquerda para direita: quem não esteve
presente durante a gravação, não saberia em qual das duas
situações o tempo vai do passado para o futuro. Dizemos
[30] que as leis da mecânica são reversíveis temporalmente.
Se a física dissesse que o tempo é reversível sempre,
estaria em séria contradição com a realidade que vemos à
nossa volta. (E em nós mesmos.) Basta observarmos o
mundo para saber que o tempo vai para a frente: os dias
[35]passam, coisas mudam, pessoas e animais envelhecem,
planetas giram em torno do Sol, o Sol envelhece, estrelas
nascem e morrem, o próprio Universo cresce cada vez
mais, definindo a direção cosmológica do tempo. Como
então reconciliar estas observações com as leis básicas da
[40] física? A resposta se encontra na complexidade do
sistema: uma bola é um sistema extremamente simples,
sua trajetória para a direita ou para a esquerda é
essencialmente a mesma. Mas um ovo virar omelete, por
exemplo, é um processo irreversível: não vemos um
[45] omelete virar ovo. A diferença é que um ovo pode ser
transformado em omelete através de inúmeros caminhos.
Mas existem poucos modos de se transformar omeletes
em ovos. (Assumindo que todos os ovos são
essencialmente iguais...).
[50] Como mostrou Ludwig Boltzmann, a questão
depende de probabilidades: a probabilidade que todas as
moléculas de um omelete se realinhem em um ovo é
extremamente pequena, tão pequena que o fenômeno é
altamente improvável, quase impossível. Quase mas não
[55] totalmente. Para tal, seriam necessárias incontáveis
interações entre as moléculas de clara e gema seguindo
instruções extremamente específicas: seria necessário um
princípio organizador que pudesse contrariar o fato que
desordem tende a aumentar, um princípio capaz de
[60] transformar desordem em ordem. Um destes princípios é
justamente a arte; outro é a ciência. Ambas dão expressão
à necessidade que temos de integrar nossa experiência do
mundo com quem somos.
GLEISER, M. Folha de S. Paulo, 20 de março de 2005.
Assinale o que for correto.
01) Em “devem ser esquecidas” (linha 8) e “devem ser lembradas” (linhas 8 e 9), as formas verbais na terceira pessoa do plural caracterizam orações com sujeito gramatical indeterminado.
02) Em termos morfossintáticos, a sequência “infinitos modos de olhar para trás.” (linha 21) é o objeto direto do verbo “existem” (linha 21), como comprova a sua ordem linear pós-verbal.
04) Em “um ovo pode ser transformado em omelete através de inúmeros caminhos.” (linhas 45 e 46), a expressão “um ovo” funciona como sujeito paciente da ação verbal.
08) Em “que o fenômeno é altamente improvável” (linhas 53 e 54), a conjunção “que” introduz uma oração que expressa a noção semântica de consequência.
16) O pronome indefinido “Ambas” (linha 61), embora na forma plural feminina, tem como antecedente sintático as expressões no gênero gramatical masculino “Um destes princípios” (linha 60) e “outro” (linha 61).
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(Marcelo Gleiser – professor de física)
Para alguns, os mais pragmáticos, o tempo não tem
nada de misterioso: ele passa, envelhecemos e um dia
morremos, ponto final. Já para outros, este colunista
incluído, o tempo é um paradoxo, nosso grande amigo e
[5] inimigo.
Amigo por nos ensinar a ser pacientes com a
impaciência dos outros, por nos fazer esquecer coisas que
devem ser esquecidas e lembrar aquelas que devem ser
lembradas. Inimigo por interromper vidas e relações,
[10] mudar coisas que não queremos que sejam mudadas, por
nos fazer esquecer coisas que devem ser lembradas. Em
termos psicológicos não temos dúvidas: como ninguém
consegue se lembrar do futuro, o tempo anda sempre
avante.
[15] Mas a situação não é assim tão simples. Em arte,
podemos inventar o futuro no presente, “visualizar” o que
vai ser e tentar dar vida a essa visão. O paradoxo, aqui, é
que toda criação depende apenas do passado: criamos o
futuro re-experimentando e reintegrando o passado. Isso
[20] não significa que tudo já existe; significa apenas que
existem infinitos modos de olhar para trás.
Em física, a direção do tempo não é obviamente para
a frente. Na verdade, as leis da mecânica não distinguem
entre ir avante ou para trás. Imagine, por exemplo, que
[25] alguém tenha filmado uma bola voando da direita para a
esquerda. Se o filme for passado de trás para a frente, a
bola voa da esquerda para direita: quem não esteve
presente durante a gravação, não saberia em qual das duas
situações o tempo vai do passado para o futuro. Dizemos
[30] que as leis da mecânica são reversíveis temporalmente.
Se a física dissesse que o tempo é reversível sempre,
estaria em séria contradição com a realidade que vemos à
nossa volta. (E em nós mesmos.) Basta observarmos o
mundo para saber que o tempo vai para a frente: os dias
[35]passam, coisas mudam, pessoas e animais envelhecem,
planetas giram em torno do Sol, o Sol envelhece, estrelas
nascem e morrem, o próprio Universo cresce cada vez
mais, definindo a direção cosmológica do tempo. Como
então reconciliar estas observações com as leis básicas da
[40] física? A resposta se encontra na complexidade do
sistema: uma bola é um sistema extremamente simples,
sua trajetória para a direita ou para a esquerda é
essencialmente a mesma. Mas um ovo virar omelete, por
exemplo, é um processo irreversível: não vemos um
[45] omelete virar ovo. A diferença é que um ovo pode ser
transformado em omelete através de inúmeros caminhos.
Mas existem poucos modos de se transformar omeletes
em ovos. (Assumindo que todos os ovos são
essencialmente iguais...).
[50] Como mostrou Ludwig Boltzmann, a questão
depende de probabilidades: a probabilidade que todas as
moléculas de um omelete se realinhem em um ovo é
extremamente pequena, tão pequena que o fenômeno é
altamente improvável, quase impossível. Quase mas não
[55] totalmente. Para tal, seriam necessárias incontáveis
interações entre as moléculas de clara e gema seguindo
instruções extremamente específicas: seria necessário um
princípio organizador que pudesse contrariar o fato que
desordem tende a aumentar, um princípio capaz de
[60] transformar desordem em ordem. Um destes princípios é
justamente a arte; outro é a ciência. Ambas dão expressão
à necessidade que temos de integrar nossa experiência do
mundo com quem somos.
GLEISER, M. Folha de S. Paulo, 20 de março de 2005.
Assinale o que for correto.
01) Na linha 17, o verbo “vai” indica movimento e, segundo a análise sintática tradicional, é considerado o verbo principal da locução “vai ser”.
02) O uso de “distinguem” (linha 23), empregado no presente do indicativo, é adequado, pois essa forma verbal indica uma propriedade imutável das leis da mecânica.
04) Em “Se a física dissesse que o tempo é reversível sempre” (linha 31), a forma verbal “dissesse” comunica uma informação que não é considerada pela física.
08) O vocábulo “Basta” (linha 33) está empregado no modo imperativo, o que, em termos discursivos, representa uma ordem expressa ao interlocutor do texto.
16) Na linha 48, a forma verbal no gerúndio “Assumindo” poderia ser desdobrada na expressão condicional Se assumirmos.