TEXTO
A morte e a morte de Quincas Berro Dágua
Até hoje permanece certa confusão em torno da morte de Quincas Berro Dágua. Dúvidas por
explicar, detalhes absurdos, contradições no depoimento das testemunhas, lacunas diversas.
Não há clareza sobre hora, local e frase derradeira. A família, apoiada por vizinhos e conhecidos,
mantém-se intransigente na versão da tranquila morte matinal, sem testemunhas, sem aparato,
[5] sem frase, acontecida quase vinte horas antes daquela outra propalada e comentada morte na
agonia da noite, quando a lua se desfez sobre o mar e aconteceram mistérios na orla do cais da
Bahia. Presenciada, no entanto, por testemunhas idôneas, largamente falada nas ladeiras e becos
escusos, a frase final repetida de boca em boca representou, na opinião daquela gente, mais que
uma simples despedida do mundo, um testemunho profético, mensagem de profundo conteúdo
[10] (como escreveria um jovem autor de nosso tempo).
(...)
A família do morto – sua respeitável filha e seu formalizado genro, funcionário público de promissora
carreira; tia Marocas e seu irmão mais moço, comerciante com modesto crédito num banco – afirma
não passar toda a história de grossa intrujice, invenção de bêbados inveterados, patifes à margem
da lei e da sociedade, velhacos cuja paisagem deveria ser as grades da cadeia e não a liberdade
[15] das ruas, o porto da Bahia, as praias de areia branca, a noite imensa. Cometendo uma injustiça,
atribuem a esses amigos de Quincas toda a responsabilidade da malfadada existência por ele vivida
nos últimos anos, quando se tornara desgosto e vergonha para a família. A ponto de seu nome não
ser pronunciado e seus feitos não serem comentados na presença inocente das crianças, para as
quais o avô Joaquim, de saudosa memória, morrera há muito tempo, decentemente, cercado da
[20] estima e do respeito de todos. O que nos leva a constatar ter havido uma primeira morte, se não
física pelo menos moral, datada de anos antes, somando um total de três, fazendo de Quincas um
recordista da morte, um campeão do falecimento, dando-nos o direito de pensar terem sido os
acontecimentos posteriores – a partir do atestado de óbito até seu mergulho no mar – uma farsa
montada por ele com o intuito de mais uma vez atazanar a vida dos parentes, desgostar-lhes a
[25] existência, mergulhando-os na vergonha e nas murmurações da rua. (...)
Não sei se esse mistério da morte (ou das sucessivas mortes) de Quincas Berro Dágua pode ser
completamente decifrado. Mas eu o tentarei, como ele próprio aconselhava, pois o importante é
tentar, mesmo o impossível.
JORGE AMADO São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
O relato de opiniões é um dos recursos utilizados na apresentação de versões acerca de um mesmo acontecimento.
Um relato de opinião relacionado à morte de Quincas Berro Dágua é apresentado pelo narrador em:
TEXTO
A morte e a morte de Quincas Berro Dágua
Até hoje permanece certa confusão em torno da morte de Quincas Berro Dágua. Dúvidas por
explicar, detalhes absurdos, contradições no depoimento das testemunhas, lacunas diversas.
Não há clareza sobre hora, local e frase derradeira. A família, apoiada por vizinhos e conhecidos,
mantém-se intransigente na versão da tranquila morte matinal, sem testemunhas, sem aparato,
[5] sem frase, acontecida quase vinte horas antes daquela outra propalada e comentada morte na
agonia da noite, quando a lua se desfez sobre o mar e aconteceram mistérios na orla do cais da
Bahia. Presenciada, no entanto, por testemunhas idôneas, largamente falada nas ladeiras e becos
escusos, a frase final repetida de boca em boca representou, na opinião daquela gente, mais que
uma simples despedida do mundo, um testemunho profético, mensagem de profundo conteúdo
[10] (como escreveria um jovem autor de nosso tempo).
(...)
A família do morto – sua respeitável filha e seu formalizado genro, funcionário público de promissora
carreira; tia Marocas e seu irmão mais moço, comerciante com modesto crédito num banco – afirma
não passar toda a história de grossa intrujice, invenção de bêbados inveterados, patifes à margem
da lei e da sociedade, velhacos cuja paisagem deveria ser as grades da cadeia e não a liberdade
[15] das ruas, o porto da Bahia, as praias de areia branca, a noite imensa. Cometendo uma injustiça,
atribuem a esses amigos de Quincas toda a responsabilidade da malfadada existência por ele vivida
nos últimos anos, quando se tornara desgosto e vergonha para a família. A ponto de seu nome não
ser pronunciado e seus feitos não serem comentados na presença inocente das crianças, para as
quais o avô Joaquim, de saudosa memória, morrera há muito tempo, decentemente, cercado da
[20] estima e do respeito de todos. O que nos leva a constatar ter havido uma primeira morte, se não
física pelo menos moral, datada de anos antes, somando um total de três, fazendo de Quincas um
recordista da morte, um campeão do falecimento, dando-nos o direito de pensar terem sido os
acontecimentos posteriores – a partir do atestado de óbito até seu mergulho no mar – uma farsa
montada por ele com o intuito de mais uma vez atazanar a vida dos parentes, desgostar-lhes a
[25] existência, mergulhando-os na vergonha e nas murmurações da rua. (...)
Não sei se esse mistério da morte (ou das sucessivas mortes) de Quincas Berro Dágua pode ser
completamente decifrado. Mas eu o tentarei, como ele próprio aconselhava, pois o importante é
tentar, mesmo o impossível.
JORGE AMADO São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
O narrador do texto faz referência a duas versões sobre as circunstâncias da morte de Quincas Berro Dágua – a versão da família e a dos amigos.
Com base nas informações presentes no texto, essas duas versões podem ser caracterizadas como:
TEXTO
A morte e a morte de Quincas Berro Dágua
Até hoje permanece certa confusão em torno da morte de Quincas Berro Dágua. Dúvidas por
explicar, detalhes absurdos, contradições no depoimento das testemunhas, lacunas diversas.
Não há clareza sobre hora, local e frase derradeira. A família, apoiada por vizinhos e conhecidos,
mantém-se intransigente na versão da tranquila morte matinal, sem testemunhas, sem aparato,
[5] sem frase, acontecida quase vinte horas antes daquela outra propalada e comentada morte na
agonia da noite, quando a lua se desfez sobre o mar e aconteceram mistérios na orla do cais da
Bahia. Presenciada, no entanto, por testemunhas idôneas, largamente falada nas ladeiras e becos
escusos, a frase final repetida de boca em boca representou, na opinião daquela gente, mais que
uma simples despedida do mundo, um testemunho profético, mensagem de profundo conteúdo
[10] (como escreveria um jovem autor de nosso tempo).
(...)
A família do morto – sua respeitável filha e seu formalizado genro, funcionário público de promissora
carreira; tia Marocas e seu irmão mais moço, comerciante com modesto crédito num banco – afirma
não passar toda a história de grossa intrujice, invenção de bêbados inveterados, patifes à margem
da lei e da sociedade, velhacos cuja paisagem deveria ser as grades da cadeia e não a liberdade
[15] das ruas, o porto da Bahia, as praias de areia branca, a noite imensa. Cometendo uma injustiça,
atribuem a esses amigos de Quincas toda a responsabilidade da malfadada existência por ele vivida
nos últimos anos, quando se tornara desgosto e vergonha para a família. A ponto de seu nome não
ser pronunciado e seus feitos não serem comentados na presença inocente das crianças, para as
quais o avô Joaquim, de saudosa memória, morrera há muito tempo, decentemente, cercado da
[20] estima e do respeito de todos. O que nos leva a constatar ter havido uma primeira morte, se não
física pelo menos moral, datada de anos antes, somando um total de três, fazendo de Quincas um
recordista da morte, um campeão do falecimento, dando-nos o direito de pensar terem sido os
acontecimentos posteriores – a partir do atestado de óbito até seu mergulho no mar – uma farsa
montada por ele com o intuito de mais uma vez atazanar a vida dos parentes, desgostar-lhes a
[25] existência, mergulhando-os na vergonha e nas murmurações da rua. (...)
Não sei se esse mistério da morte (ou das sucessivas mortes) de Quincas Berro Dágua pode ser
completamente decifrado. Mas eu o tentarei, como ele próprio aconselhava, pois o importante é
tentar, mesmo o impossível.
JORGE AMADO São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
Cometendo uma injustiça, atribuem a esses amigos de Quincas toda a responsabilidade da malfadada existência por ele vivida nos últimos anos, (l. 15-17)
Considerando o conteúdo deste enunciado, o fragmento sublinhado tem a função de:
TEXTO
A morte e a morte de Quincas Berro Dágua
Até hoje permanece certa confusão em torno da morte de Quincas Berro Dágua. Dúvidas por
explicar, detalhes absurdos, contradições no depoimento das testemunhas, lacunas diversas.
Não há clareza sobre hora, local e frase derradeira. A família, apoiada por vizinhos e conhecidos,
mantém-se intransigente na versão da tranquila morte matinal, sem testemunhas, sem aparato,
[5] sem frase, acontecida quase vinte horas antes daquela outra propalada e comentada morte na
agonia da noite, quando a lua se desfez sobre o mar e aconteceram mistérios na orla do cais da
Bahia. Presenciada, no entanto, por testemunhas idôneas, largamente falada nas ladeiras e becos
escusos, a frase final repetida de boca em boca representou, na opinião daquela gente, mais que
uma simples despedida do mundo, um testemunho profético, mensagem de profundo conteúdo
[10] (como escreveria um jovem autor de nosso tempo).
(...)
A família do morto – sua respeitável filha e seu formalizado genro, funcionário público de promissora
carreira; tia Marocas e seu irmão mais moço, comerciante com modesto crédito num banco – afirma
não passar toda a história de grossa intrujice, invenção de bêbados inveterados, patifes à margem
da lei e da sociedade, velhacos cuja paisagem deveria ser as grades da cadeia e não a liberdade
[15] das ruas, o porto da Bahia, as praias de areia branca, a noite imensa. Cometendo uma injustiça,
atribuem a esses amigos de Quincas toda a responsabilidade da malfadada existência por ele vivida
nos últimos anos, quando se tornara desgosto e vergonha para a família. A ponto de seu nome não
ser pronunciado e seus feitos não serem comentados na presença inocente das crianças, para as
quais o avô Joaquim, de saudosa memória, morrera há muito tempo, decentemente, cercado da
[20] estima e do respeito de todos. O que nos leva a constatar ter havido uma primeira morte, se não
física pelo menos moral, datada de anos antes, somando um total de três, fazendo de Quincas um
recordista da morte, um campeão do falecimento, dando-nos o direito de pensar terem sido os
acontecimentos posteriores – a partir do atestado de óbito até seu mergulho no mar – uma farsa
montada por ele com o intuito de mais uma vez atazanar a vida dos parentes, desgostar-lhes a
[25] existência, mergulhando-os na vergonha e nas murmurações da rua. (...)
Não sei se esse mistério da morte (ou das sucessivas mortes) de Quincas Berro Dágua pode ser
completamente decifrado. Mas eu o tentarei, como ele próprio aconselhava, pois o importante é
tentar, mesmo o impossível.
JORGE AMADO São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
A família do morto – sua respeitável filha e seu formalizado genro, funcionário público de promissora carreira; tia Marocas e seu irmão mais moço, comerciante com modesto crédito num banco – (l. 11-12)
Em relação à expressão “a família do morto”, o trecho entre travessões tem o objetivo principal de apresentar uma:
TEXTO
A morte e a morte de Quincas Berro Dágua
Até hoje permanece certa confusão em torno da morte de Quincas Berro Dágua. Dúvidas por
explicar, detalhes absurdos, contradições no depoimento das testemunhas, lacunas diversas.
Não há clareza sobre hora, local e frase derradeira. A família, apoiada por vizinhos e conhecidos,
mantém-se intransigente na versão da tranquila morte matinal, sem testemunhas, sem aparato,
[5] sem frase, acontecida quase vinte horas antes daquela outra propalada e comentada morte na
agonia da noite, quando a lua se desfez sobre o mar e aconteceram mistérios na orla do cais da
Bahia. Presenciada, no entanto, por testemunhas idôneas, largamente falada nas ladeiras e becos
escusos, a frase final repetida de boca em boca representou, na opinião daquela gente, mais que
uma simples despedida do mundo, um testemunho profético, mensagem de profundo conteúdo
[10] (como escreveria um jovem autor de nosso tempo).
(...)
A família do morto – sua respeitável filha e seu formalizado genro, funcionário público de promissora
carreira; tia Marocas e seu irmão mais moço, comerciante com modesto crédito num banco – afirma
não passar toda a história de grossa intrujice, invenção de bêbados inveterados, patifes à margem
da lei e da sociedade, velhacos cuja paisagem deveria ser as grades da cadeia e não a liberdade
[15] das ruas, o porto da Bahia, as praias de areia branca, a noite imensa. Cometendo uma injustiça,
atribuem a esses amigos de Quincas toda a responsabilidade da malfadada existência por ele vivida
nos últimos anos, quando se tornara desgosto e vergonha para a família. A ponto de seu nome não
ser pronunciado e seus feitos não serem comentados na presença inocente das crianças, para as
quais o avô Joaquim, de saudosa memória, morrera há muito tempo, decentemente, cercado da
[20] estima e do respeito de todos. O que nos leva a constatar ter havido uma primeira morte, se não
física pelo menos moral, datada de anos antes, somando um total de três, fazendo de Quincas um
recordista da morte, um campeão do falecimento, dando-nos o direito de pensar terem sido os
acontecimentos posteriores – a partir do atestado de óbito até seu mergulho no mar – uma farsa
montada por ele com o intuito de mais uma vez atazanar a vida dos parentes, desgostar-lhes a
[25] existência, mergulhando-os na vergonha e nas murmurações da rua. (...)
Não sei se esse mistério da morte (ou das sucessivas mortes) de Quincas Berro Dágua pode ser
completamente decifrado. Mas eu o tentarei, como ele próprio aconselhava, pois o importante é
tentar, mesmo o impossível.
JORGE AMADO São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
O que nos leva a constatar ter havido uma primeira morte, (l. 20)
Na sequência da narrativa, este trecho expressa a seguinte circunstância em relação aos fatos que o antecedem:
TEXTO
A morte e a morte de Quincas Berro Dágua
Até hoje permanece certa confusão em torno da morte de Quincas Berro Dágua. Dúvidas por
explicar, detalhes absurdos, contradições no depoimento das testemunhas, lacunas diversas.
Não há clareza sobre hora, local e frase derradeira. A família, apoiada por vizinhos e conhecidos,
mantém-se intransigente na versão da tranquila morte matinal, sem testemunhas, sem aparato,
[5] sem frase, acontecida quase vinte horas antes daquela outra propalada e comentada morte na
agonia da noite, quando a lua se desfez sobre o mar e aconteceram mistérios na orla do cais da
Bahia. Presenciada, no entanto, por testemunhas idôneas, largamente falada nas ladeiras e becos
escusos, a frase final repetida de boca em boca representou, na opinião daquela gente, mais que
uma simples despedida do mundo, um testemunho profético, mensagem de profundo conteúdo
[10] (como escreveria um jovem autor de nosso tempo).
(...)
A família do morto – sua respeitável filha e seu formalizado genro, funcionário público de promissora
carreira; tia Marocas e seu irmão mais moço, comerciante com modesto crédito num banco – afirma
não passar toda a história de grossa intrujice, invenção de bêbados inveterados, patifes à margem
da lei e da sociedade, velhacos cuja paisagem deveria ser as grades da cadeia e não a liberdade
[15] das ruas, o porto da Bahia, as praias de areia branca, a noite imensa. Cometendo uma injustiça,
atribuem a esses amigos de Quincas toda a responsabilidade da malfadada existência por ele vivida
nos últimos anos, quando se tornara desgosto e vergonha para a família. A ponto de seu nome não
ser pronunciado e seus feitos não serem comentados na presença inocente das crianças, para as
quais o avô Joaquim, de saudosa memória, morrera há muito tempo, decentemente, cercado da
[20] estima e do respeito de todos. O que nos leva a constatar ter havido uma primeira morte, se não
física pelo menos moral, datada de anos antes, somando um total de três, fazendo de Quincas um
recordista da morte, um campeão do falecimento, dando-nos o direito de pensar terem sido os
acontecimentos posteriores – a partir do atestado de óbito até seu mergulho no mar – uma farsa
montada por ele com o intuito de mais uma vez atazanar a vida dos parentes, desgostar-lhes a
[25] existência, mergulhando-os na vergonha e nas murmurações da rua. (...)
Não sei se esse mistério da morte (ou das sucessivas mortes) de Quincas Berro Dágua pode ser
completamente decifrado. Mas eu o tentarei, como ele próprio aconselhava, pois o importante é
tentar, mesmo o impossível.
JORGE AMADO São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
mergulhando-os na vergonha (l. 25)
No trecho acima, uma das palavras está em sentido figurado, ou seja, sua interpretação não se relaciona unicamente com seu significado literal.
Esse sentido é decorrente do emprego da seguinte figura de linguagem: