TEXTO
Queimada
À fúria da rubra língua
do fogo
na queimada
envolve e lambe
o campinzal
estiolado em focos
fenos
sinal.
É um correr desesperado
de animais silvestres
o que vai, ali, pelo mundo
incendiado e fundo,
talvez,
como o canto da araponga
nos vãos da brisa!
Tambores na tempestade
[...]
E os tambores
e os tambores
e os tambores
soando na tempestade,
ao efêmero de sua eterna idade.
[...]
Onde?
Eu vos contemplo
à inércia do que me leva
ao movimento
de naufragar-me
eternamente
na secura de suas águas
mais à frente!
Ó tambores
ruflai
sacudi suas dores!
Eu
que não me sei
não me venho
por ser
busco apenas ser somenos
no viver,
nada mais que isso!
(VIEIRA, Delermando. Os tambores da tempestade. Goiânia: Poligráfica, 2010. p. 164, 544, 552.)
Os versos do Texto tratam da destruição da fauna e da flora em uma queimada e de tambores. Esse cenário nos lembra a situação da América antes da conquista dos europeus. O continente era habitado por cerca de 50 milhões de pessoas, que possuíam diversos níveis culturais.
Assinale a alternativa que indica corretamente tal diversidade entre os povos ameríndios e suas respectivas regiões:
TEXTO
VI
Para entenderes bem o que é a morte e a vida, basta contar-te como morreu minha avó.
— Como foi?
— Senta-te.
Rubião obedeceu, dando ao rosto o maior interesse possível, enquanto Quincas Borba continuava a andar.
— Foi no Rio de Janeiro, começou ele, defronte da Capela Imperial, que era então Real, em dia de grande festa; minha avó saiu, atravessou o adro, para ir ter à cadeirinha, que a esperava no Largo do Paço. Gente como formiga. O povo queria ver entrar as grandes senhoras nas suas ricas traquitanas. No momento em que minha avó saía do adro para ir à cadeirinha, um pouco distante, aconteceu espantar- -se uma das bestas de uma sege; a besta disparou, a outra imitou-a, confusão, tumulto, minha avó caiu, e tanto as mulas como a sege passaram-lhe por cima. Foi levada em braços para uma botica da Rua Direita, veio um sangrador, mas era tarde; tinha a cabeça rachada, uma perna e o ombro partidos, era toda sangue; expirou minutos depois.
— Foi realmente uma desgraça, disse Rubião.
— Não.
— Não?
— Ouve o resto. Aqui está como se tinha passado o caso. O dono da sege estava no adro, e tinha fome, muita fome, porque era tarde, e almoçara cedo e pouco. Dali pôde fazer sinal ao cocheiro; este fustigou as mulas para ir buscar o patrão. A sege no meio do caminho achou um obstáculo e derribou-o; esse obstáculo era minha avó. O primeiro ato dessa série de atos foi um movimento de conservação: Humanitas tinha fome. Se em vez de minha avó, fosse um rato ou um cão, é certo que minha avó não morreria, mas o fato era o mesmo; Humanitas precisa comer. Se em vez de um rato ou de um cão, fosse um poeta, Byron ou Gonçalves Dias diferia o caso no sentido de dar matéria a muitos necrológios; mas o fundo subsistia. O universo ainda não parou por lhe faltarem alguns poemas mortos em flor na cabeça de um varão ilustre ou obscuro; mas Humanitas (e isto importa, antes de tudo) Humanitas precisa comer.
Rubião escutava, com a alma nos olhos, sinceramente desejoso de entender; mas não dava pela necessidade a que o amigo atribuía a morte da avó. Seguramente o dono da sege, por muito tarde que chegasse à casa, não morria de fome, ao passo que a boa senhora morreu de verdade, e para sempre. Explicou-lhe, como pôde, essas dúvidas, e acabou perguntando-lhe:
— E que Humanitas é esse?
— Humanitas é o princípio. Mas não, não digo nada, tu não és capaz de entender isto, meu caro Rubião; falemos de outra coisa.
— Diga sempre.
Quincas Borba, que não deixara de andar, parou alguns instantes.
— Queres ser meu discípulo?
— Quero.
— Bem, irás entendendo aos poucos a minha filosofia; no dia em que a houveres penetrado inteiramente, ah! nesse dia terás o maior prazer da vida, porque não há vinho que embriague como a verdade. Crê-me, o Humanitismo é o remate das coisas; e eu, que o formulei, sou o maior homem do mundo. Olha, vês como o meu bom Quincas Borba está olhando para mim? Não é ele, é Humanitas...
— Mas que Humanitas é esse?
— Humanitas é o principio. Há nas coisas todas certa substância recôndita e idêntica, um princípio único, universal, eterno, comum, indivisível e indestrutível, — ou, para usar a linguagem do grande Camões:
Uma verdade que nas coisas anda,
Que mora no visíbil e invisíbil.
Pois essa sustância ou verdade, esse princípio indestrutível é que é Humanitas. Assim lhe chamo, porque resume o universo, e o universo é o homem. Vais entendendo?
— Pouco; mas, ainda assim, como é que a morte de sua avó...
— Não há morte. O encontro de duas expansões, ou a expansão de duas formas, pode determinar a supressão de uma delas; mas, rigorosamente, não há morte, há vida, porque a supressão de uma é a condição da sobrevivência da outra, e a destruição não atinge o princípio universal e comum. Daí o carácter conservador e benéfico da guerra. Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos, que assim adquire forças para transpor a montanha e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz, nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos os demais efeitos das ações bélicas. Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar- -se, pelo motivo real de que o homem só comemora e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.
— Mas a opinião do exterminado?
— Não há exterminado. Desaparece o fenômeno; a substância é a mesma. Nunca viste ferver água? Hás de lembrar-te que as bolhas fazem-se e desfazem-se de contínuo, e tudo fica na mesma água. Os indivíduos são essas bolhas transitórias.
— Bem; a opinião da bolha...
— Bolha não tem opinião. Aparentemente, há nada mais contristador que uma dessas terríveis pestes que devastam um ponto do globo? E, todavia, esse suposto mal é um benefício, não só porque elimina os organismos fracos, incapazes de resistência, como porque dá lugar à observação, à descoberta da droga curativa. A higiene é filha de podridões seculares; devemo-la a milhões de corrompidos e infectos. Nada se perde, tudo é ganho. Repito, as bolhas ficam na água. Vês este livro? É Dom Quixote. Se eu destruir o meu exemplar, não elimino a obra, que continua eterna nos exemplares subsistentes e nas edições posteriores. Eterna e bela, belamente eterna, como este mundo divino e supradivino.
(ASSIS, Machado de. Quincas Borba. 18. ed. São Paulo: Ática, 2011. p. 26-28.)
No Texto o narrador nos remete a uma cena cotidiana da vida urbana na capital do Império, Rio de Janeiro, subverte o tempo e o espaço e nos descortina as relações de poder que eram vivenciadas pela sociedade naquela cidade. Com relação a esse tema, analise as afirmativas a seguir:
I-A vinda da Corte portuguesa para o Brasil em 1808 promoveu mudanças sociais. Dentre essas, o surgimento de um grupo de proprietários de terra que se notabilizou por abastecer com produtos agrários o mercado carioca e, com isso, conseguir ascensão política local e provincial. Porém, esse grupo não era aceito na Corte por estar ligado ao comércio.
II-O surto cafeeiro, por ter se desenvolvido com recursos nacionais, possibilitou a autonomia e independência das elites cariocas com relação ao capital estrangeiro para implementar suas atividades comerciais e financeiras.
III-Era comum encontrar na cidade escravos exercendo todas as formas de trabalho, dentro e fora das casas, no comércio, nas ruas, nas artes e em outros ofícios. Esses escravos, diferentemente dos escravos das fazendas, não sofriam castigos e gozavam de liberdade e autonomia.
IV-A proibição do tráfico de escravos liberou capitais para aplicações bancárias e ampliação de serviços. Com isso, criaram-se condições favoráveis à diminuição das desigualdades sociais, pois os ex-escravos foram incorporados no mercado e se transformaram em prestadores de serviços assalariados.
Em relação às proposições analisadas, assinale a única alternativa cujos itens estão todos corretos:
TEXTO
VI
Para entenderes bem o que é a morte e a vida, basta contar-te como morreu minha avó.
— Como foi?
— Senta-te.
Rubião obedeceu, dando ao rosto o maior interesse possível, enquanto Quincas Borba continuava a andar.
— Foi no Rio de Janeiro, começou ele, defronte da Capela Imperial, que era então Real, em dia de grande festa; minha avó saiu, atravessou o adro, para ir ter à cadeirinha, que a esperava no Largo do Paço. Gente como formiga. O povo queria ver entrar as grandes senhoras nas suas ricas traquitanas. No momento em que minha avó saía do adro para ir à cadeirinha, um pouco distante, aconteceu espantar- -se uma das bestas de uma sege; a besta disparou, a outra imitou-a, confusão, tumulto, minha avó caiu, e tanto as mulas como a sege passaram-lhe por cima. Foi levada em braços para uma botica da Rua Direita, veio um sangrador, mas era tarde; tinha a cabeça rachada, uma perna e o ombro partidos, era toda sangue; expirou minutos depois.
— Foi realmente uma desgraça, disse Rubião.
— Não.
— Não?
— Ouve o resto. Aqui está como se tinha passado o caso. O dono da sege estava no adro, e tinha fome, muita fome, porque era tarde, e almoçara cedo e pouco. Dali pôde fazer sinal ao cocheiro; este fustigou as mulas para ir buscar o patrão. A sege no meio do caminho achou um obstáculo e derribou-o; esse obstáculo era minha avó. O primeiro ato dessa série de atos foi um movimento de conservação: Humanitas tinha fome. Se em vez de minha avó, fosse um rato ou um cão, é certo que minha avó não morreria, mas o fato era o mesmo; Humanitas precisa comer. Se em vez de um rato ou de um cão, fosse um poeta, Byron ou Gonçalves Dias diferia o caso no sentido de dar matéria a muitos necrológios; mas o fundo subsistia. O universo ainda não parou por lhe faltarem alguns poemas mortos em flor na cabeça de um varão ilustre ou obscuro; mas Humanitas (e isto importa, antes de tudo) Humanitas precisa comer.
Rubião escutava, com a alma nos olhos, sinceramente desejoso de entender; mas não dava pela necessidade a que o amigo atribuía a morte da avó. Seguramente o dono da sege, por muito tarde que chegasse à casa, não morria de fome, ao passo que a boa senhora morreu de verdade, e para sempre. Explicou-lhe, como pôde, essas dúvidas, e acabou perguntando-lhe:
— E que Humanitas é esse?
— Humanitas é o princípio. Mas não, não digo nada, tu não és capaz de entender isto, meu caro Rubião; falemos de outra coisa.
— Diga sempre.
Quincas Borba, que não deixara de andar, parou alguns instantes.
— Queres ser meu discípulo?
— Quero.
— Bem, irás entendendo aos poucos a minha filosofia; no dia em que a houveres penetrado inteiramente, ah! nesse dia terás o maior prazer da vida, porque não há vinho que embriague como a verdade. Crê-me, o Humanitismo é o remate das coisas; e eu, que o formulei, sou o maior homem do mundo. Olha, vês como o meu bom Quincas Borba está olhando para mim? Não é ele, é Humanitas...
— Mas que Humanitas é esse?
— Humanitas é o principio. Há nas coisas todas certa substância recôndita e idêntica, um princípio único, universal, eterno, comum, indivisível e indestrutível, — ou, para usar a linguagem do grande Camões:
Uma verdade que nas coisas anda,
Que mora no visíbil e invisíbil.
Pois essa sustância ou verdade, esse princípio indestrutível é que é Humanitas. Assim lhe chamo, porque resume o universo, e o universo é o homem. Vais entendendo?
— Pouco; mas, ainda assim, como é que a morte de sua avó...
— Não há morte. O encontro de duas expansões, ou a expansão de duas formas, pode determinar a supressão de uma delas; mas, rigorosamente, não há morte, há vida, porque a supressão de uma é a condição da sobrevivência da outra, e a destruição não atinge o princípio universal e comum. Daí o carácter conservador e benéfico da guerra. Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos, que assim adquire forças para transpor a montanha e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz, nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos os demais efeitos das ações bélicas. Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar- -se, pelo motivo real de que o homem só comemora e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.
— Mas a opinião do exterminado?
— Não há exterminado. Desaparece o fenômeno; a substância é a mesma. Nunca viste ferver água? Hás de lembrar-te que as bolhas fazem-se e desfazem-se de contínuo, e tudo fica na mesma água. Os indivíduos são essas bolhas transitórias.
— Bem; a opinião da bolha...
— Bolha não tem opinião. Aparentemente, há nada mais contristador que uma dessas terríveis pestes que devastam um ponto do globo? E, todavia, esse suposto mal é um benefício, não só porque elimina os organismos fracos, incapazes de resistência, como porque dá lugar à observação, à descoberta da droga curativa. A higiene é filha de podridões seculares; devemo-la a milhões de corrompidos e infectos. Nada se perde, tudo é ganho. Repito, as bolhas ficam na água. Vês este livro? É Dom Quixote. Se eu destruir o meu exemplar, não elimino a obra, que continua eterna nos exemplares subsistentes e nas edições posteriores. Eterna e bela, belamente eterna, como este mundo divino e supradivino.
(ASSIS, Machado de. Quincas Borba. 18. ed. São Paulo: Ática, 2011. p. 26-28.)
No Texto, os personagens dialogam sobre a vida e a morte, e o modo como ela pode acontecer. Sabe-se que nos países considerados mais pobres do mundo, situados principalmente no continente africano, gastam-se bilhões de dólares em armamento importado de países ricos, em detrimento de investimentos nos setores de saúde e educação. Com base no enunciado, bem como em outras fontes de conhecimento, analise as assertivas a seguir:
I-A guerra propicia situações de degradação social extrema, uma vez que, além de perdas humanas, tem- -se perdas econômicas e financeiras.
II-A guerra proporciona aos líderes rebeldes condições para adquirirem poder e dinheiro, em consonância com os ideais de democracia.
II- Seria uma guerra radical, contínua, irrestrita e sem limites de tempo ou fronteiras geográficas, que não buscava expansão territorial.
III-Uma nova política de intervenção em que os EUA, diante de qualquer ameaça militar ou mesmo antecipando um perigo futuro, teria o direito de promover ataques preventivos.
IV-Foi o resultado de acordos e alianças com outras potências e instituições internacionais visando à proteção da população civil, que seria preservada das atrocidades da guerra.
Em relação às proposições analisadas, assinale a única alternativa cujos itens estão todos corretos:
TEXTO
VI
Para entenderes bem o que é a morte e a vida, basta contar-te como morreu minha avó.
— Como foi?
— Senta-te.
Rubião obedeceu, dando ao rosto o maior interesse possível, enquanto Quincas Borba continuava a andar.
— Foi no Rio de Janeiro, começou ele, defronte da Capela Imperial, que era então Real, em dia de grande festa; minha avó saiu, atravessou o adro, para ir ter à cadeirinha, que a esperava no Largo do Paço. Gente como formiga. O povo queria ver entrar as grandes senhoras nas suas ricas traquitanas. No momento em que minha avó saía do adro para ir à cadeirinha, um pouco distante, aconteceu espantar- -se uma das bestas de uma sege; a besta disparou, a outra imitou-a, confusão, tumulto, minha avó caiu, e tanto as mulas como a sege passaram-lhe por cima. Foi levada em braços para uma botica da Rua Direita, veio um sangrador, mas era tarde; tinha a cabeça rachada, uma perna e o ombro partidos, era toda sangue; expirou minutos depois.
— Foi realmente uma desgraça, disse Rubião.
— Não.
— Não?
— Ouve o resto. Aqui está como se tinha passado o caso. O dono da sege estava no adro, e tinha fome, muita fome, porque era tarde, e almoçara cedo e pouco. Dali pôde fazer sinal ao cocheiro; este fustigou as mulas para ir buscar o patrão. A sege no meio do caminho achou um obstáculo e derribou-o; esse obstáculo era minha avó. O primeiro ato dessa série de atos foi um movimento de conservação: Humanitas tinha fome. Se em vez de minha avó, fosse um rato ou um cão, é certo que minha avó não morreria, mas o fato era o mesmo; Humanitas precisa comer. Se em vez de um rato ou de um cão, fosse um poeta, Byron ou Gonçalves Dias diferia o caso no sentido de dar matéria a muitos necrológios; mas o fundo subsistia. O universo ainda não parou por lhe faltarem alguns poemas mortos em flor na cabeça de um varão ilustre ou obscuro; mas Humanitas (e isto importa, antes de tudo) Humanitas precisa comer.
Rubião escutava, com a alma nos olhos, sinceramente desejoso de entender; mas não dava pela necessidade a que o amigo atribuía a morte da avó. Seguramente o dono da sege, por muito tarde que chegasse à casa, não morria de fome, ao passo que a boa senhora morreu de verdade, e para sempre. Explicou-lhe, como pôde, essas dúvidas, e acabou perguntando-lhe:
— E que Humanitas é esse?
— Humanitas é o princípio. Mas não, não digo nada, tu não és capaz de entender isto, meu caro Rubião; falemos de outra coisa.
— Diga sempre.
Quincas Borba, que não deixara de andar, parou alguns instantes.
— Queres ser meu discípulo?
— Quero.
— Bem, irás entendendo aos poucos a minha filosofia; no dia em que a houveres penetrado inteiramente, ah! nesse dia terás o maior prazer da vida, porque não há vinho que embriague como a verdade. Crê-me, o Humanitismo é o remate das coisas; e eu, que o formulei, sou o maior homem do mundo. Olha, vês como o meu bom Quincas Borba está olhando para mim? Não é ele, é Humanitas...
— Mas que Humanitas é esse?
— Humanitas é o principio. Há nas coisas todas certa substância recôndita e idêntica, um princípio único, universal, eterno, comum, indivisível e indestrutível, — ou, para usar a linguagem do grande Camões:
Uma verdade que nas coisas anda,
Que mora no visíbil e invisíbil.
Pois essa sustância ou verdade, esse princípio indestrutível é que é Humanitas. Assim lhe chamo, porque resume o universo, e o universo é o homem. Vais entendendo?
— Pouco; mas, ainda assim, como é que a morte de sua avó...
— Não há morte. O encontro de duas expansões, ou a expansão de duas formas, pode determinar a supressão de uma delas; mas, rigorosamente, não há morte, há vida, porque a supressão de uma é a condição da sobrevivência da outra, e a destruição não atinge o princípio universal e comum. Daí o carácter conservador e benéfico da guerra. Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos, que assim adquire forças para transpor a montanha e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz, nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos os demais efeitos das ações bélicas. Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar- -se, pelo motivo real de que o homem só comemora e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.
— Mas a opinião do exterminado?
— Não há exterminado. Desaparece o fenômeno; a substância é a mesma. Nunca viste ferver água? Hás de lembrar-te que as bolhas fazem-se e desfazem-se de contínuo, e tudo fica na mesma água. Os indivíduos são essas bolhas transitórias.
— Bem; a opinião da bolha...
— Bolha não tem opinião. Aparentemente, há nada mais contristador que uma dessas terríveis pestes que devastam um ponto do globo? E, todavia, esse suposto mal é um benefício, não só porque elimina os organismos fracos, incapazes de resistência, como porque dá lugar à observação, à descoberta da droga curativa. A higiene é filha de podridões seculares; devemo-la a milhões de corrompidos e infectos. Nada se perde, tudo é ganho. Repito, as bolhas ficam na água. Vês este livro? É Dom Quixote. Se eu destruir o meu exemplar, não elimino a obra, que continua eterna nos exemplares subsistentes e nas edições posteriores. Eterna e bela, belamente eterna, como este mundo divino e supradivino.
(ASSIS, Machado de. Quincas Borba. 18. ed. São Paulo: Ática, 2011. p. 26-28.)
O narrador, no Texto, fala-nos que “a guerra é a conservação”. A propósito, essa expressão nos permite fazer uma analogia com a “guerra sem fim”, decretada pelos Estados Unidos ao “terrorismo islâmico” após os atentados de 11 de setembro de 2001, com a justificativa de pôr fim à violência terrorista e reordenar o mundo para conservar a paz. Sobre essa nova reelaboração da doutrina de “guerra justa” durante o governo Bush, analise os itens que se seguem:
I-Apesar da força militar dos EUA, essa guerra visava ao pacifismo, não exigia objetivos nem meios específicos, finitos e realizáveis.
II- Seria uma guerra radical, contínua, irrestrita e sem limites de tempo ou fronteiras geográficas, que não buscava expansão territorial.
III-Uma nova política de intervenção em que os EUA, diante de qualquer ameaça militar ou mesmo antecipando um perigo futuro, teria o direito de promover ataques preventivos.
IV-Foi o resultado de acordos e alianças com outras potências e instituições internacionais visando à proteção da população civil, que seria preservada das atrocidades da guerra
Em relação às proposições analisadas, assinale a única alternativa cujos itens estão todos corretos:
TEXTO
Raios de sol ao meio
Mais uma vez ele aparecia na minha frente como se tivesse vindo do nada. Seus olhos eram grandes e negros e pareciam ter nascido bem antes dele. Suas espinhas se agigantavam conforme o ângulo de que eram vistas. Sua orelha era algo indescritível. Além de orelha ela era disforme, meio redonda e meio achatada nas pontas. Ela era meio várias coisas. Uma orelha monstro. A boca era alguma coisa que só estava ali para cumprir seu espaço no rosto. Era boca porque estava exatamente no lugar da boca. E era a segunda vez que ele me mobilizava. Mas no conjunto de elementos díspares reinava uma sensualidade ímpar que me tirava de mim sem que eu soubesse navegar no outro que em mim surgia. De mim não sabia entender o que emanava para ele em toda a sua estranha vastidão de patologia visual. No meio sol da meia-noite as coisas se anunciaram e antes que a madrugada avançasse a lua em sua metade escondida ardeu com um olhar malicioso e sorriu.
(GONÇALVES, Aguinaldo. Das estampas. São Paulo: Nankin, 2013. p. 177.)
A relação entre aspectos físicos e patologias morais foi uma tônica da Medicina Criminal. Estudiosos como o italiano Cesare Lombroso (1835-1909) fizeram sucesso ao relacionar a forma do crânio e do rosto ao caráter das pessoas, sugerindo que a criminalidade seria inata. Aqui no Brasil, ficou famoso o requerimento para estudar a cabeça do líder de Canudos, o beato Antônio Conselheiro, que foi decepada e enviada ao Dr. Nina Rodrigues.
Acerca do impacto social dessas teorias consideradas científicas no inicio do século XX, assinale a alternativa correta:
TEXTO
Rápido, rápido
Sofro – sofri – de progéria, uma doença na qual o organismo corre doidamente para a velhice e a morte. Doidamente talvez não seja a palavra, mas não me ocorre outra e não tenho tempo de procurar no dicionário – nós, os da progéria, somos pessoas de um desmesurado senso de urgência. Estabelecer prioridades é, para nós, um processo tão vital como respirar. Para nós, dez minutos equivalem a um ano. Façam a conta, vocês que têm tempo, vocês que pensam que têm tempo. Enquanto isso, eu vou escrevendo aqui – e só espero poder terminar. Cada letra minha equivale a páginas inteiras de vocês. Façam a conta, vocês. Enquanto isso, e resumindo:
8h15min – Estou nascendo. Sou o primeiro filho – que azar! – e o parto é longo, difícil. Respiro, e já vou dizendo as primeiras palavras (coisas muito simples, naturalmente: mamã, papá) para grande surpresa de todos! Maior surpresa eles têm quando me colocam no berço – desço meia hora depois, rindo e pedindo comida! Rindo! Àquela hora,
8h45min – eu ainda podia rir.
9h20min – Já fui amamentado, já passei da fase oral – meus pais (ele, dono de um pequeno armazém; ela, de prendas domésticas) já aceitaram, ao menos em parte, a realidade, depois que o pediatra (está aí uma especialidade que não me serve) lhes explicou o diagnóstico e o prognóstico. E já estou com dentes! Em poucos minutos (de acordo com o relógio de meu pai, bem entendido) tenho sarampo, varicela, essas coisas todas.
Meus pais me matriculam na escola, não se dando conta que às 10h40min, quando a sineta bater para o recreio, já terei idade para concluir o primeiro grau. Vou para a escola de patinete; já na esquina, porém, abandono o brinquedo que parece-me então muito infantil. Volto-me, e lá estão os meus pais chorando, pobre gente.
10h20min – Não posso esperar o recreio; peço licença à professora e saio. Vou ao banheiro; a seiva da vida circula impaciente em minhas veias. Manipulo-me. Meu desejo tem nome: Mara, da oitava série. Por enquanto é mais velha do que eu. Lá pelas onze horas poderia namorá-la – mas então, já não estarei no colégio. Ali, me foge o doce pássaro da juventude.
[...]
(SCLIAR, Moacyr. Melhores contos. 6. ed. São Paulo: Global, 2003. p. 54-55.)
O Texto fala de uma doença que, metaforicamente, nos permite pensar na efemeridade do tempo na modernidade, quando na Europa uma série de saberes fragmentados se convergiram para a elaboração de políticas e práticas de controle social, intervenções urbanísticas e sanitarismo, visando à construção de uma nova sociedade.
Sobre a temática, assinale a alternativa correta: