TEXTO
— Vou confessar-lhe um crime. Ninguém sabe disso, mas eu não aguento mais o desejo de o revelar. É mais do que desejo. É uma necessidade obsedante. Tenho a impressão de que só depois de todos o conhecerem, depois de todos me desprezarem, me humilharem, me condenarem, é que gozarei novamente paz, calma, estabilidade, descanso. Há vinte anos que venho vivendo sob o tormento de não esquecer um só momento esse crime, a fim de defender-me de qualquer acusação, a fim de não levantar suspeitas, nem trair-me. É um inferno. Preciso livrar-me disso, espremer esse tumor.
O rosto de Anízio clareava num prazer masoquista: — Quero contar-lhe tudo. Reviver minha dor. Abriu outra porta e entramos numa capela. Entre cangalhas velhas e cadeiras quebradas estava um crucifixo. O Cristo agonizante tinha no rosto uma divina expressão de perdão. Anízio, porém, não lhe deu confiança, abriu um alçapão e descemos a escada. Era uma verdadeira cova. Fria, mofada, fedorenta a latim. Atravessamos um corredor escuro e chegamos a uma porta que estava trancada. Anízio rodou a chave, que devia ser gigantesca, mas não era, e penetramos numa sala pequena, baixa.
— Era aqui que meu avô ensinava os negros.
Um correntão inútil e enferrujado escorregava do tronco fincado no meio da sala. Depois, a um canto, branquejou alguma coisa. Quando nos aproximamos mais e eu pude ver direito, senti uma coisa ruim, pelos nervos. Era uma ossada humana, insepulta, amontoada. Ainda me lembra que um rato romântico passeava no tórax vazio. No meu assombro sincero, pareceu-me que era o coração que batia:
— O coração ainda palpita, Anízio?!
Ele ficou duro, com o olhar desvairado, num pavor sagrado, como um médium em transe. O rato fugiu ágil, num ruído pau de ossos.
— Essa ousada foi Branca.
— Ora! — pensei comigo, ela ainda é branca;
está é meio encardida, mas praticamente é branca. Já não me sentia muito seguro e convidei:
— Vamos embora, Anízio?
Ele então deu um coice no esqueleto e nisto recuou de um salto. Corri para a saída, as pernas bambas, o coração batendo na goela; lá é que observei não saber por que fugira e resolvi perguntar o que se dera.
— Veja lá — e ele apontou para uma cobra enorme que se ia enroscando pastosamente repelente entre os ossos:
— É a alma de Branca. Deu-me um bote, mas creio não me alcançou. — Disse ele examinando a canela, a botina.
(ÉLIS, Bernardo. Melhores contos. 4. ed. São Paulo: Global, 2015. p. 30-31. Adaptado.)
No Texto, o trecho, “Anízio rodou a chave, que deveria ser gigantesca, mas não era”, faz referência a um movimento de rotação. Suponha que essa chave esteja presa em uma das extremidades de um fio ideal.
Se Anízio, com a outra extremidade do fio presa entre os dedos, fizer com que esse sistema realize 4 voltas a cada segundo, é correto afirmar que a velocidade angular e o período de rotação serão, respectivamente iguais a:
TEXTO
Vagabundo
Eat, drink, and love; what can the rest avail us?
Byron — Don Juan
Eu durmo e vivo no sol como um cigano,
Fumando meu cigarro vaporoso;
Nas noites de verão namoro estrelas;
Sou pobre, sou mendigo e sou ditoso!
Ando roto, sem bolsos nem dinheiro;
Mas tenho na viola uma riqueza:
Canto à lua de noite serenatas,
E quem vive de amor não tem pobreza.
Não invejo ninguém, nem ouço a raiva
Nas cavernas do peito, sufocante,
Quando à noite na treva em mim se entornam
Os reflexos do baile fascinante.
Namoro e sou feliz nos meus amores;
Sou garboso e rapaz... Uma criada
Abrasada de amor por um soneto
Já um beijo me deu subindo a escada...
Oito dias lá vão que ando cismado
Na donzela que ali defronte mora.
Ela ao ver-me sorri tão docemente!
Desconfio que a moça me namora!...
Tenho por meu palácio as longas ruas;
Passeio a gosto e durmo sem temores;
Quando bebo, sou rei como um poeta,
E o vinho faz sonhar com os amores.
O degrau das igrejas é meu trono,
Minha pátria é o vento que respiro,
Minha mãe é a lua macilenta,
E a preguiça a mulher por quem suspiro.
Escrevo na parede as minhas rimas,
De painéis a carvão adorno a rua;
Como as aves do céu e as flores puras
Abro meu peito ao sol e durmo à lua.
Sinto-me um coração de lazzaroni;
Sou filho do calor, odeio o frio,
Não creio no diabo nem nos santos...
Rezo a Nossa Senhora e sou vadio!
Ora, se por aí alguma bela
Bem doirada e amante da preguiça
Quiser a nívea mão unir à minha
Há de achar-me na Sé, domingo, à Missa.
(AZEVEDO, Álvares de. Melhores poemas. 6. ed. 1. reimpr. São Paulo: Global, 2008. p.71 -73.)
No poema Vagabundo (Texto), lê-se: “Canto à lua de noite serenatas”. Sabemos, a partir dos estudos sobre gravitação de Isaac Newton no século XVII, que a Terra e a Lua se atraem mutuamente. Essa força de atração é diretamente proporcional ao produto das respectivas massas e inversamente proporcional ao quadrado da distância entre elas. Considere a massa da Lua 7,0.1022 kg; a massa da Terra 6,0.1024 kg; a distância média Terra – Lua igual a 4,0.108 m e a constante da gravitação universal 7,0.10–11 N.m2 /kg2 .
De posse desses dados, marque a resposta que corretamente indica, aproximadamente, a força da gravidade entre a Terra e a Lua:
TEXTO
O pé-d’água vinha zunindo nos cajueiros. Descia da mata numa carreira rumorosa, e roncava ao longe como trem na linha
— Tira o feijão do sol! Empurra o balcão de açúcar!
Os moleques corriam para o terreiro coberto de ramas de mulatinho secando. A chuva chegava com pingos de furar o chão e chovia dia e noite sem parar. As primeiras chuvas do ano faziam uma festa no engenho. O tempo se armava com nuvens pesadas, fazia um calor medonho.
— Vamos ter muita água!
O meu avô ficava pelo alpendre a olhar o céu, batendo com a vara de jucá pelas calçadas. Era a sua grande alegria: a bátega d’água amolecendo o barro duro dos partidos, a enverdecer a folha amarela das canas novas.
Nas primeiras pancadas do inverno, os cabras deixavam o eito para tomar uma bicada na destilação. Vinham gritando de contentes, numa alegria estrepitosa de bichos. Mas isto somente nas primeiras chuvas. Depois aguentavam nas costas o aguaceiro, tomando o seu banho de chuvisco de 12 horas. Pela estrada passavam os cargueiros metidos em capotes, no passo moroso do cavalo. Paco, paco, paco, paco — lá iam espanando a água com os cascos. Chegavam os moradores com as calças arregaçadas, pedindo semente de algodão para o roçado. E a chuva caindo sem cessar.
Ficava a olhar os riachos descendo pelos altos e a estrada que parecia um rio de lado a lado. A casa-grande, escura como se fosse a boca da noite. Acendiam os candeeiros mais cedo. E a cozinha me-
lada de lama, da gente de pés no chão que entrava por lá. José Felismino chegava de noite, respondendo às perguntas de meu avô:
— A terra molhou mais de um palmo. Tirou- -se quatro cinquentas na planta do roçado. Acabou-se o partido de baixo. O inverno deste ano vai ser pesado. O Crumataú já desceu com muita água. Invernão.
Os dias ficavam compridos. Não se tinha por onde ir. Eu dava para olhar a chuva, que era a mesma coisa sempre, engrossando e afinando numa intermitência monótona e impertinente.
À tardinha os cabras do eito chegavam, pingando da cabeça aos pés. Vinham com as canelas meladas de lama e as mãos enregeladas de frio. O chapéu de palha pesado de água, gotejando. Mas indiferentes ao tempo. Parecia que estavam debaixo de bons capotes de lã. Levavam bacalhau para a mulher e os filhos, e iam dormir satisfeitos, como se os esperasse o quente gostoso de uma cama de rico. Dentro da casa deles, a chuva de vento amolecia o chão de barro, fazendo riachos da sala à cozinha. Mas os sacos de farinha do reino eram os edredões das suas camas de marmeleiro, onde se encolhiam para sonhar e fazer os filhos, bem satisfeitos. Iam com a chuva nas costas para o serviço e voltavam com a chuva nas costas para a casa. Curavam as doenças com a água fria do céu. Com pouco mais, porém, teriam o milho verde e o macaça maduro para a fartura da barriga cheia.
Estes dias de chuva, agora que a minha tia se fora, me faziam mais triste, mais íntimo comigo mesmo. Acordava de manhã com a chuva correndo na goteira e nem um sinal de pássaro no gameleiro. Estirava-me na cama, pensando na vida. Todos me diziam que eu era um atrasado. Com 12 anos sem saber nada. Havia meninos da minha idade fazendo contas e sabendo as operações. Só mesmo no colégio. Sabia ruindades, puxara demais pelo meu sexo, era um menino prodígio da porcaria. E ali, sozinho, no quarto, os pensamentos maus me conduziam às gostosas masturbações. A negra Luísa me deixara, andava de barriga empinada, com as dificuldades e os medos da primeira cria. Estava prenha e não sabia de quem. Diziam que era de todos os cambiteiros do Santa Rosa.
(REGO, José Lins do. Menino de engenho. 102. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2010. p. 128- 130.)
O Texto, retirado do livro Menino de engenho, faz referência a um utensílio destinado a iluminar um ambiente, que contém um líquido combustível, o candeeiro. O candeeiro era muito utilizado nas casas e nas fazendas, quando ainda não havia disponibilidade de energia elétrica. Considere um líquido combustível que, durante 200 s, fornece uma energia de 32000 J para o candeeiro. Do total dessa energia, 20% são convertidos em luz e 80 % são dissipados em forma de calor.
Assinale a alternativa correta que apresenta o valor da resistência elétrica de uma lâmpada incandescente hipotética, funcionando sob uma tensão contínua de 12 V e aproveitando integralmente o valor equivalente à energia luminosa, fornecida pelo líquido combustível ao candeeiro (considere a resistência da lâmpada constante):
TEXTO
Yaqub vinha ruminando a mudança para São Paulo. Foi o padre Bolislau quem o aconselhou a partir. “Vá embora de Manaus”, dissera o professor de matemática. “Se ficares aqui, serás derrotado pela província e devorado pelo teu irmão.”
Um bom mestre, um exímio pregador, o Bolislau. A mãe se desnorteou com a notícia da viagem de Yaqub. O pai, ao contrário, estimulou o filho a ir morar em São Paulo, e ainda lhe prometeu uma parca mesada. Halim havia melhorado de vida nos anos do pós-guerra. Vendia de tudo um pouco aos moradores dos Educandos, um dos bairros mais populosos de Manaus, que crescera muito com a chegada dos soldados da borracha, vindos dos rios mais distantes da Amazônia. Com o fim da guerra, migraram para Manaus, onde ergueram palafitas à beira dos igarapés, nos barrancos e nos clarões da cidade. Manaus cresceu assim: no tumulto de quem chega primeiro. Desse tumulto participava Halim, que vendia coisas antes de qualquer um. Vendia sem prosperar muito, mas atento à ameaça da decadência, que um dia ele me garantiu ser um abismo. Não caiu nesse abismo, nem exigiu de si grandes feitos. O abismo mais temível estava em casa, e este Halim não pôde evitar.
O desfile com farda de gala fora a despedida de Yaqub: um pequeno espetáculo para a família e a cidade. No colégio dos padres prestaram-lhe uma homenagem. Ganhou duas medalhas e dez minutos de elogios, e ainda foi louvado por latinistas e matemáticos. Os religiosos sabiam que o ex-aluno tinha futuro; naquela época, Yaqub e o Brasil inteiro pareciam ter um futuro promissor. Quem não brilhou foi o outro, o Caçula, este, sim, um ser opaco para padres e leigos, um lunático, alheio, inebriado com a atmosfera libertina do Galinheiro dos Vândalos e da cidade.
Omar faltou ao jantar de despedida do irmão. Chegou de madrugada, no fim da festa, quando só os da família, exaustos, se despediam da última noite com Yaqub. Halim estava orgulhoso: o filho ia morar sozinho no outro lado do país, mas ia precisar de dinheiro, não podia viajar assim... Por um momento a voz de Yaqub ressoou na casa, uma voz já de homem, cheia de decisão, dizendo “Não, baba, não vou precisar de nada... Dessa vez quem quis ir embora fui eu”. Halim abraçou o filho, chorou como havia chorado na manhã em que Yaqub partira para o Líbano.
(HATOUM, Milton. Dois irmãos. 19. reimpr. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 32-33.)
No Texto, fragmento do romance Dois irmãos, lê-se: “Por um momento a voz de Yaqub ressoou na casa”. Suponha que Yaqub produza um som, uniformemente distribuído em forma de hemisfério, de 600 W de potência sonora, em direção a um ouvinte que esteja a 10 m de distância dele.
Se a área superficial do tímpano do ouvinte for de 50 mm2, a alternativa que indica corretamente a energia transferida, por segundo, para cada um de seus tímpanos, será de:
Dado: considere π = 3
TEXTO
Otávio (entra de capa, sacudindo o guarda-chuva)
— Ué, que é isso?
Tião — Esperando a chuva passá!
Maria — Boa-noite, seu Otávio!...
Otávio — Salve!... Pegaram muita chuva?
Maria — Um pouco...
Otávio — Não passa tão cedo, não. Deixa chovê que espanta o calor.
Deixa o guarda-chuva num canto e começa a tirar os sapatos.
Tião — De farra, hein pai?
Otávio — Farra?... Farra vão vê eles lá na fábrica. Sai o aumento nem que seja a tiro!... Querendo podem aproveitá o guarda-chuva, tá furado mas serve... Eu acho graça desses caras, contrariam a lei numa porção de coisas. Na hora de pagá o aumento querem se apoiá na lei. Vai se preparando, Tião. Num dou duas semanas e vai estourá uma bruta greve que eles vão vê se paga ou não. (Vai até o móvel e pega uma garrafa de pinga.) Pra combatê a friagem... Se não pagá, greve... Assim é que é...
Tião — O senhor parece que tem gosto em prepará greve, pai.
Otávio — E tenho, tenho mesmo! Tu pensa o quê? Não tem outro jeito, não! É preciso mostrá pra eles que nós tamo organizado. Ou tu pensa que o negócio se resolve só com comissão. Com comissão eles não diminui o lucro deles nem de um tostão! Operário que se dane. Barriga cheia deles é o que importa... (Apontando a garrafa) Não vão querê um golinho?
Maria — Sabe, seu Otávio, o Tião resolveu uma coisa...
Tião — É sim, pai. Nós vamos ficá noivo!
Otávio — Hum!... Se se gosta mesmo é o que tem de fazê!
Tião — Isso não tem dúvida. Daqui dez dias nós fica noivo...
Otávio — Não tá meio apressado, não?
Tião — Tem de sê mesmo. Vamo fazê logo...
Otávio — É uma teoria. Só que nós, ó, dinheiro é pouco...
(GUARNIERI, Gianfrancesco. Eles não usam black tie. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995. p. 28-29.)
No Texto, Otávio afirma: “Num dou duas semanas e vai estourá uma bruta greve que eles vão ver se paga ou não”. Em Física, a ideia de estourar pode acabar remetendo-nos ao estudo dos gases. Imagine um balão cheio por um gás em condições normais de temperatura e pressão que, em uma transformação isovolumétrica, sofre um aumento de temperatura equivalente a 50% do valor de sua temperatura inicial e estoura.
Marque a alternativa que corretamente apresenta, nessas condições, a pressão final do gás no interior do balão, imediatamente antes de estourar: