Texto para a pergunta.
PAI CONTRA MÃE
A escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido a
outras instituições sociais. Não cito alguns aparelhos senão por se ligarem a
certo ofício. Um deles era o ferro ao pescoço, outro o ferro ao pé; havia também
a máscara de folha de flandres*. A máscara fazia perder o vício da embriaguez
[5] aos escravos, por lhes tapar a boca. Tinha só três buracos, dois para ver, um
para respirar, e era fechada atrás da cabeça por um cadeado. Com o vício de
beber perdiam a tentação de furtar, porque geralmente era dos vinténs do
senhor que eles tiravam com que matar a sede, e aí ficavam dois pecados
extintos, e a sobriedade e a honestidade certas. Era grotesca tal máscara, mas
[10] a ordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco, e alguma vez
o cruel. Os funileiros as tinham penduradas, à venda, na porta das lojas. Mas
não cuidemos de máscaras.
O ferro ao pescoço era aplicado aos escravos fujões. Imaginai uma coleira
grossa, com a haste grossa também à direita ou à esquerda, até ao alto da
[15] cabeça e fechada atrás com chave. Pesava, naturalmente, mas era menos
castigo que sinal. Escravo que fugia assim, onde quer que andasse, mostrava
um reincidente, e com pouco era pegado.
Há meio século, os escravos fugiam com frequência. Eram muitos, e nem
todos gostavam da escravidão. Sucedia ocasionalmente apanharem pancada,
[20] e nem todos gostavam de apanhar pancada. Grande parte era apenas
repreendida; havia alguém de casa que servia de padrinho, e o mesmo dono
não era mau; além disso, o sentimento da propriedade moderava a ação,
porque dinheiro também dói.
Machado de Assis, Relíquias de casa velha.
* "folha de flandres": fina chapa de ferro laminado, coberta com uma camada de estanho.
No poema, além da reiteração da rima na estrofe 5, destacam-se os efeitos sonoros da assonância e da aliteração, respectivamente, nos versos:
Examine a tirinha.
O efeito de humor da tirinha deriva, principalmente, da caracterização do comportamento de uma das personagens como
Texto para a pergunta.
O NEGACIONISMO NO PODER
Como fazer frente ao ceticismo que atinge a ciência e a política
Até pouco tempo atrás, quando queríamos sustentar uma afirmação sem
argumentar demais, bastava dizer: “É comprovado cientificamente.” Mas essa
tática já não tem mais a mesma eficácia, pois a confiança na ciência está
diminuindo. Vivemos hoje um clima de ceticismo generalizado, uma descrença
[5] nas instituições que favorece a disseminação de negacionismos, encampados
por governos com políticas escancaradamente anticientíficas.
Algumas pesquisas confirmam a crise de confiança que atinge, ao mesmo
tempo, a ciência e a política. O fenômeno da pós-verdade – esse momento que
atravessamos no qual fatos objetivos têm menos influência na opinião pública
[10] do que crenças pessoais – é um sintoma extremo dessa crise. Muita gente não
enxerga que a ciência, assim como a política, existe para beneficiar a
sociedade. E esse desencanto produz um terreno fértil para movimentos
anticiência e teorias da conspiração (além de fomentar extremismos). A pós-
verdade, assim, não designa apenas o uso oportunista da mentira (embora ele
[15] seja frequente). O termo sinaliza, acima de tudo, um ceticismo quanto aos
benefícios das verdades que costumavam compor um repertório comum, o
que explica certo desprezo por evidências factuais usadas na argumentação
científica. Diante disso, contradizer argumentos falsos exibindo fatos reais
pode ter pouca relevância em uma discussão. Evidências e consensos
[20] científicos têm sido facilmente contestados com base em convicções pessoais
ou experiências vividas – como se percebe todos os dias nas redes sociais.
Tatiana Roque, Piauí, No. 161, fevereiro, 2020. Adaptado.
Entendida em seu sentido próprio, pode ser considerada pleonástica (redundante) a seguinte expressão do texto:
Texto para a pergunta.
O NEGACIONISMO NO PODER
Como fazer frente ao ceticismo que atinge a ciência e a política
Até pouco tempo atrás, quando queríamos sustentar uma afirmação sem
argumentar demais, bastava dizer: “É comprovado cientificamente.” Mas essa
tática já não tem mais a mesma eficácia, pois a confiança na ciência está
diminuindo. Vivemos hoje um clima de ceticismo generalizado, uma descrença
[5] nas instituições que favorece a disseminação de negacionismos, encampados
por governos com políticas escancaradamente anticientíficas.
Algumas pesquisas confirmam a crise de confiança que atinge, ao mesmo
tempo, a ciência e a política. O fenômeno da pós-verdade – esse momento que
atravessamos no qual fatos objetivos têm menos influência na opinião pública
[10] do que crenças pessoais – é um sintoma extremo dessa crise. Muita gente não
enxerga que a ciência, assim como a política, existe para beneficiar a
sociedade. E esse desencanto produz um terreno fértil para movimentos
anticiência e teorias da conspiração (além de fomentar extremismos). A pós-
verdade, assim, não designa apenas o uso oportunista da mentira (embora ele
[15] seja frequente). O termo sinaliza, acima de tudo, um ceticismo quanto aos
benefícios das verdades que costumavam compor um repertório comum, o
que explica certo desprezo por evidências factuais usadas na argumentação
científica. Diante disso, contradizer argumentos falsos exibindo fatos reais
pode ter pouca relevância em uma discussão. Evidências e consensos
[20] científicos têm sido facilmente contestados com base em convicções pessoais
ou experiências vividas – como se percebe todos os dias nas redes sociais.
Tatiana Roque, Piauí, No. 161, fevereiro, 2020. Adaptado.
Consideradas no contexto, as orações “embora ele seja frequente” e “como se percebe todos os dias nas redes sociais” – ambas no segundo parágrafo – exprimem, respectivamente, ideia de
Texto para a pergunta.
PAI CONTRA MÃE
A escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido a
outras instituições sociais. Não cito alguns aparelhos senão por se ligarem a
certo ofício. Um deles era o ferro ao pescoço, outro o ferro ao pé; havia também
a máscara de folha de flandres*. A máscara fazia perder o vício da embriaguez
[5] aos escravos, por lhes tapar a boca. Tinha só três buracos, dois para ver, um
para respirar, e era fechada atrás da cabeça por um cadeado. Com o vício de
beber perdiam a tentação de furtar, porque geralmente era dos vinténs do
senhor que eles tiravam com que matar a sede, e aí ficavam dois pecados
extintos, e a sobriedade e a honestidade certas. Era grotesca tal máscara, mas
[10] a ordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco, e alguma vez
o cruel. Os funileiros as tinham penduradas, à venda, na porta das lojas. Mas
não cuidemos de máscaras.
O ferro ao pescoço era aplicado aos escravos fujões. Imaginai uma coleira
grossa, com a haste grossa também à direita ou à esquerda, até ao alto da
[15] cabeça e fechada atrás com chave. Pesava, naturalmente, mas era menos
castigo que sinal. Escravo que fugia assim, onde quer que andasse, mostrava
um reincidente, e com pouco era pegado.
Há meio século, os escravos fugiam com frequência. Eram muitos, e nem
todos gostavam da escravidão. Sucedia ocasionalmente apanharem pancada,
[20] e nem todos gostavam de apanhar pancada. Grande parte era apenas
repreendida; havia alguém de casa que servia de padrinho, e o mesmo dono
não era mau; além disso, o sentimento da propriedade moderava a ação,
porque dinheiro também dói.
Machado de Assis, Relíquias de casa velha.
* "folha de flandres": fina chapa de ferro laminado, coberta com uma camada de estanho.
Os procedimentos empregados na composição do trecho (repetições, preterição, eufemismos etc.) indicam que seu caráter é, sobretudo,
Texto para a pergunta.
PAI CONTRA MÃE
A escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido a
outras instituições sociais. Não cito alguns aparelhos senão por se ligarem a
certo ofício. Um deles era o ferro ao pescoço, outro o ferro ao pé; havia também
a máscara de folha de flandres*. A máscara fazia perder o vício da embriaguez
[5] aos escravos, por lhes tapar a boca. Tinha só três buracos, dois para ver, um
para respirar, e era fechada atrás da cabeça por um cadeado. Com o vício de
beber perdiam a tentação de furtar, porque geralmente era dos vinténs do
senhor que eles tiravam com que matar a sede, e aí ficavam dois pecados
extintos, e a sobriedade e a honestidade certas. Era grotesca tal máscara, mas
[10] a ordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco, e alguma vez
o cruel. Os funileiros as tinham penduradas, à venda, na porta das lojas. Mas
não cuidemos de máscaras.
O ferro ao pescoço era aplicado aos escravos fujões. Imaginai uma coleira
grossa, com a haste grossa também à direita ou à esquerda, até ao alto da
[15] cabeça e fechada atrás com chave. Pesava, naturalmente, mas era menos
castigo que sinal. Escravo que fugia assim, onde quer que andasse, mostrava
um reincidente, e com pouco era pegado.
Há meio século, os escravos fugiam com frequência. Eram muitos, e nem
todos gostavam da escravidão. Sucedia ocasionalmente apanharem pancada,
[20] e nem todos gostavam de apanhar pancada. Grande parte era apenas
repreendida; havia alguém de casa que servia de padrinho, e o mesmo dono
não era mau; além disso, o sentimento da propriedade moderava a ação,
porque dinheiro também dói.
Machado de Assis, Relíquias de casa velha.
* "folha de flandres": fina chapa de ferro laminado, coberta com uma camada de estanho.
Dentre os trechos do texto, abaixo transcritos, o que revela de modo mais flagrante que a narração tem sempre em conta a interação com o leitor é o que está em: