Morro velho
No sertão da minha terra,
fazenda é o camarada que ao chão se deu.
Fez a obrigação com força,
parece até que tudo aquilo ali é seu.
[05] Só poder sentar no morro e ver tudo verdinho,
lindo a crescer.
Orgulhoso camarada, de viola em vez de enxada.
Filho do branco e do preto,
correndo pela estrada atrás de passarinho.
[10] Pela plantação adentro,
crescendo os dois meninos, sempre pequeninos.
Peixe bom dá no riacho de água tão limpinha,
dá pro fundo ver.
Orgulhoso camarada conta histórias pra moçada.
[15] Filho do sinhô vai embora,
tempo de estudos na cidade grande.
Parte, tem os olhos tristes,
deixando o companheiro na estação distante.
“Não me esqueça, amigo, eu vou voltar.”
[20] Some longe o trenzinho ao deus-dará.
Quando volta já é outro,
trouxe até sinhá-mocinha para apresentar.
Linda como a luz da lua
que em lugar nenhum rebrilha como lá.
[25] Já tem nome de doutor
e agora na fazenda é quem vai mandar.
E seu velho camarada
já não brinca, mas trabalha.
MILTON NASCIMENTO
Adaptado de miltonnascimento.com.br
fazenda é o camarada que ao chão se deu. (l. 2)
No verso da canção de Milton Nascimento, o poeta apresenta uma definição da palavra “fazenda”.
Com base na primeira estrofe, essa definição destaca o seguinte elemento do contexto descrito:
Lugares de memória: para não esquecer
"Mercado de escravos" (c. 1821), de Debret.
O Cais do Valongo, principal porto de entrada de escravizados das Américas, recebeu em 2017
o título de Patrimônio Cultural da Humanidade, pela Unesco. A distinção define o Valongo,
localizado na região portuária do Rio de Janeiro, como um “lugar de memória”, ao lado de outros,
como o campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, ou a cidade de Hiroshima, no Japão.
[5] Inaugurado em 1811, o cais logo se converteu no principal ponto de desembarque de africanos
escravizados das três Américas. Localizado a poucos passos do Palácio Real, não era raro aos
monarcas brasileiros ver os africanos, apressadamente desembarcados, sendo separados de suas
famílias, limpos, vestidos, pesados, tendo seus corpos marcados a ferro.
Começava, então, uma nova viagem. Dessa vez, rumo à tentativa de desterritorialização e de
[10] invisibilização dos africanos, de quem se procurava apagar a memória, qualquer laivo de identidade
e orgulho que carregavam de suas nações. Vários viajantes passaram pelo Valongo e constataram
o triste espetáculo que se apresentava naquele mercado, dentre eles o artista Jean-Baptiste Debret
(1768-1848).
Em sua aquarela, aparecem os mesmos “esqueletos”
[15] descritos em texto. À direita, o comerciante gorducho
(cuja barriga simboliza a fartura) negocia com o
proprietário de terras, com seu chapelão e bengala, os
detalhes da venda do pequeno garoto postado à sua
frente. O artista francês fez questão de caprichar no vazio
[20] do ambiente, e nos africanos sem rosto, quase nus, que
apenas aguardam pelo destino nas Américas. Um desterro
forçado nos campos tropicais do Brasil.
Em 1911, o Cais do Valongo foi aterrado, da mesma maneira como se tentou esconder e esquecer
“os males e as lembranças dos tempos da escravidão”. Esse era o discurso civilizatório da Primeira
[25] República, que procurava jogar para o Império a conta da escravidão, cuja culpa é de todos nós.
“Redescoberto” 100 anos depois, o Cais do Valongo é hoje um sítio arqueológico que expõe na nossa
atualidade as perversões do sistema escravocrata, mas também testemunha a resistência dessas
populações. Trata-se do mais importante acervo de vestígios materiais e simbólicos localizado fora
da África, com quase 500 mil itens.
[30] A expressão “lugar de memória” foi criada pelo historiador francês Pierre Nora. Seu objetivo era
justamente evitar o desaparecimento dos registros históricos, como arquivos, monumentos, museus
e certos espaços específicos. Podem ser desde objetos materiais e concretos até vestígios imateriais
e orais. O importante, porém, é que eles só se convertem, efetivamente, em “lugares de memória”,
se a imaginação coletiva investi-los como lugares simbólicos.
[35] Conforme define Alberto da Costa e Silva: “O Brasil é um país extraordinariamente africanizado. E
só a quem não conhece a África pode escapar o quanto há de africano nos gestos, nas maneiras de
ser e de viver e no sentimento estético do brasileiro. Por sua vez, em toda a costa atlântica da África,
podem-se facilmente reconhecer os brasileirismos. O escravo ficou dentro de nós, qualquer que seja
nossa origem.”
LILIA MORITZ SCHWARCZ
Adaptado de nexojornal.com.br, 31/07/2017.
um “lugar de memória”, ao lado de outros, como o campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, ou a cidade de Hiroshima, no Japão. (l. 3-4)
A comparação acima inclui o Cais do Valongo no conjunto de lugares de memória pelo reconhecimento do seguinte atributo comum:
Lugares de memória: para não esquecer
"Mercado de escravos" (c. 1821), de Debret.
O Cais do Valongo, principal porto de entrada de escravizados das Américas, recebeu em 2017
o título de Patrimônio Cultural da Humanidade, pela Unesco. A distinção define o Valongo,
localizado na região portuária do Rio de Janeiro, como um “lugar de memória”, ao lado de outros,
como o campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, ou a cidade de Hiroshima, no Japão.
[5] Inaugurado em 1811, o cais logo se converteu no principal ponto de desembarque de africanos
escravizados das três Américas. Localizado a poucos passos do Palácio Real, não era raro aos
monarcas brasileiros ver os africanos, apressadamente desembarcados, sendo separados de suas
famílias, limpos, vestidos, pesados, tendo seus corpos marcados a ferro.
Começava, então, uma nova viagem. Dessa vez, rumo à tentativa de desterritorialização e de
[10] invisibilização dos africanos, de quem se procurava apagar a memória, qualquer laivo de identidade
e orgulho que carregavam de suas nações. Vários viajantes passaram pelo Valongo e constataram
o triste espetáculo que se apresentava naquele mercado, dentre eles o artista Jean-Baptiste Debret
(1768-1848).
Em sua aquarela, aparecem os mesmos “esqueletos”
[15] descritos em texto. À direita, o comerciante gorducho
(cuja barriga simboliza a fartura) negocia com o
proprietário de terras, com seu chapelão e bengala, os
detalhes da venda do pequeno garoto postado à sua
frente. O artista francês fez questão de caprichar no vazio
[20] do ambiente, e nos africanos sem rosto, quase nus, que
apenas aguardam pelo destino nas Américas. Um desterro
forçado nos campos tropicais do Brasil.
Em 1911, o Cais do Valongo foi aterrado, da mesma maneira como se tentou esconder e esquecer
“os males e as lembranças dos tempos da escravidão”. Esse era o discurso civilizatório da Primeira
[25] República, que procurava jogar para o Império a conta da escravidão, cuja culpa é de todos nós.
“Redescoberto” 100 anos depois, o Cais do Valongo é hoje um sítio arqueológico que expõe na nossa
atualidade as perversões do sistema escravocrata, mas também testemunha a resistência dessas
populações. Trata-se do mais importante acervo de vestígios materiais e simbólicos localizado fora
da África, com quase 500 mil itens.
[30] A expressão “lugar de memória” foi criada pelo historiador francês Pierre Nora. Seu objetivo era
justamente evitar o desaparecimento dos registros históricos, como arquivos, monumentos, museus
e certos espaços específicos. Podem ser desde objetos materiais e concretos até vestígios imateriais
e orais. O importante, porém, é que eles só se convertem, efetivamente, em “lugares de memória”,
se a imaginação coletiva investi-los como lugares simbólicos.
[35] Conforme define Alberto da Costa e Silva: “O Brasil é um país extraordinariamente africanizado. E
só a quem não conhece a África pode escapar o quanto há de africano nos gestos, nas maneiras de
ser e de viver e no sentimento estético do brasileiro. Por sua vez, em toda a costa atlântica da África,
podem-se facilmente reconhecer os brasileirismos. O escravo ficou dentro de nós, qualquer que seja
nossa origem.”
LILIA MORITZ SCHWARCZ
Adaptado de nexojornal.com.br, 31/07/2017.
Ao final do texto, a autora expõe um posicionamento de Alberto da Costa e Silva.
Segundo esse especialista, entre Brasil e países da África construiu-se uma relação cultural de:
A questão refere-se ao romance Triste Fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto.
Policarpo Quaresma, cidadão brasileiro, funcionário público, certo de que a língua portuguesa é emprestada ao Brasil; certo também de que, por esse fato, o falar e o escrever em geral, sobretudo no campo das letras, se veem na humilhante contingência de sofrer continuamente censuras ásperas dos proprietários da língua; sabendo, além, que, dentro do nosso país, os autores e os escritores, com especialidade os gramáticos, não se entendem no tocante à correção gramatical, vendo-se, diariamente, surgir azedas polêmicas entre os mais profundos estudiosos do nosso idioma — usando do direito que lhe confere a Constituição, vem pedir que o Congresso Nacional decrete o tupi-guarani como língua oficial e nacional do povo brasileiro.
O suplicante, deixando de parte os argumentos históricos que militam em favor de sua ideia, pede vênia para lembrar que a língua é a mais alta manifestação da inteligência de um povo, é a sua criação mais viva e original; e, portanto, a emancipação política do país requer como complemento e consequência a sua emancipação idiomática.
PRIMEIRA PARTE
IV - Desastrosas Consequências de um Requerimento
O teor da solicitação de Policarpo Quaresma expressa uma ironia ao deixar implícita uma crítica histórica.
O alvo dessa crítica é:
Os textos acima fazem parte de uma edição de 2000 da publicação “O grito dos meninos e meninas de rua”. Essa publicação foi uma das ações que integrou o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, criado em 1985, cuja mobilização teve papel fundamental para a aprovação, em 1990, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) pelo Congresso Nacional.
Ao comparar o conteúdo dos textos e a situação socioeconômica atual, identifica-se que o principal aspecto que compromete a aplicação do ECA é: