Instrução: A questão toma por base um fragmento do livro Comunicação e folclore, de Luiz Beltrão (1918-1986).
O Bumba-Meu-Boi
Entre os autos populares conhecidos e praticados no Brasil – pastoril, fandango, chegança, reisado, congada, etc. – aquele em que melhor o povo exprime a sua crítica, aquele que tem maior conteúdo jornalístico, é, realmente, o bumba-meu-boi, ou simplesmente boi.
Para Renato Almeida, é o “bailado mais notável do Brasil, o folguedo brasileiro de maior significação estética e social”. Luís da Câmara Cascudo, por seu turno, observou a sua superioridade porque “enquanto os outros autos cristalizaram, imóveis, no elenco de outrora, o bumba-meu-boi é sempre atual, incluindo soluções modernas, figuras de agora, vocabulário, sensação, percepção contemporânea. Na época da escravidão mostrava os vaqueiros escravos vencendo pela inteligência, astúcia e cinismo. Chibateava a cupidez, a materialidade, o sensualismo de doutores, padres, delegados, fazendo-os cantar versinhos que eram confissões estertóricas. O capitão-do-mato, preador de escravos, assombro dos moleques, faz-sono dos negrinhos, vai ‘caçar’ os negros que fugiram, depois da morte do Boi, e em vez de trazê-los é trazido amarrado, humilhado, tremendo de medo. O valentão mestiço, capoeira, apanha pancada e é mais mofino que todos os mofinos. Imaginem a alegria negra, vendo e ouvindo essa sublimação aberta, franca, na porta da casa-grande de engenho ou no terreiro da fazenda, nos pátios das vilas, diante do adro da igreja! A figura dos padres, os padres do interior, vinha arrastada com a violência de um ajuste de contas. O doutor, o curioso, metido a entender de tudo, o delegado autoritário, valente com a patrulha e covarde sem ela, toda a galeria perpassa, expondo suas mazelas, vícios, manias, cacoetes, olhada por uma assistência onde estavam muitas vítimas dos personagens reais, ali subalternizados pela virulência do desabafo”.
Como algumas outras manifestações folclóricas, o bumbameu- boi utiliza uma forma antiga, tradicional; entretanto, fá-la revestir-se de novos aspectos, atualiza o entrecho, recompõe a trama. Daí “o interesse do tipo solidário que desperta nas camadas populares”, como o assinala Édison Carneiro. Interesse que só pode manter-se porque o que no auto se apresenta não reflete apenas situações do passado, “mas porque têm importância para o futuro”. Com efeito, tendo por tema central a morte e a ressurreição do boi, “cerca-se de episódios acessórios, não essenciais, muito desligados da ação principal, que variam de região para região... em cada lugar, novos personagens são enxertados, aparentemente sem outro objetivo senão o de prolongar e variar a brincadeira”. Contudo, dentre esses personagens, os que representam as classes superiores são caricaturados, cobrindo-se de ridículo, o que torna “o folguedo, em si mesmo, uma reivindicação”.
Sílvio Romero recolheu os versos de um bumba-meu-boi, através dos quais se constata a intenção caricaturesca nos personagens do folguedo. Como o Padre, que recita:
Não sou padre, não sou nada
“Quem me ver estar dançando
Não julgue que estou louco;
Secular sou como os outros”.
Ou como o Capitão-do-Mato que, dando com o negro Fidélis, vai prendê-lo:
“CAPITÃO – Eu te atiro, negro
Eu te amarro, ladrão,
Eu te acabo, cão.”
Mas, ao contrário, quem vai sobre o Capitão e o amarra é o Fidélis:
“CORO – Capitão de campo
Veja que o mundo virou
Foi ao mato pegar negro
Mas o negro lhe amarrou.
CAPITÃO – Sou valente afamado
Como eu não pode haver;
Qualquer susto que me fazem
Logo me ponho a correr”.
(Luiz Beltrão. Comunicação e folclore. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1971.)
O fragmento apresentado focaliza, por meio da opinião do autor e de outros folcloristas mencionados, o bumba-meu-boi, auto popular brasileiro bastante conhecido. A leitura do fragmento, como um todo, deixa claro que o núcleo temático do bumba-meu-boi é sempre
Instrução: A questão toma por base o seguinte fragmento do diálogo Fedro, de Platão (427-347 a.C.).
Fedro
SÓCRATES: – Vamos então refletir sobre o que há pouco estávamos discutindo; examinaremos o que seja recitar ou escrever bem um discurso, e o que seja recitar ou escrever mal.
FEDRO: – Isso mesmo.
SÓCRATES: – Pois bem: não é necessário que o orador esteja bem instruído e realmente informado sobre a verdade do assunto de que vai tratar?
FEDRO: – A esse respeito, Sócrates, ouvi o seguinte: para quem quer tornar-se orador consumado não é indispensável conhecer o que de fato é justo, mas sim o que parece justo para a maioria dos ouvintes, que são os que decidem; nem precisa saber tampouco o que é bom ou belo, mas apenas o que parece tal – pois é pela aparência que se consegue persuadir, e não pela verdade.
SÓCRATES: – Não se deve desdenhar, caro Fedro, da palavra hábil, mas antes refletir no que ela significa. O que acabas de dizer merece toda a nossa atenção.
FEDRO: – Tens razão.
SÓCRATES: – Examinemos, pois, essa afirmação.
FEDRO: – Sim.
SÓCRATES: – Imagina que eu procuro persuadir-te a comprar um cavalo para defender-te dos inimigos, mas nenhum de nós sabe o que seja um cavalo; eu, porém, descobri por acaso uma coisa: “Para Fedro, o cavalo é o animal doméstico que tem as orelhas mais compridas”...
FEDRO: – Isso seria ridículo, querido Sócrates.
SÓCRATES: – Um momento. Ridículo seria se eu tratasse seriamente de persuadir-te a que escrevesses um panegírico do burro, chamando-o de cavalo e dizendo que é muitíssimo prático comprar esse animal para o uso doméstico, bem como para expedições militares; que ele serve para montaria de batalha, para transportar bagagens e para vários outros misteres.
FEDRO: – Isso seria ainda ridículo.
SÓCRATES: – Um amigo que se mostra ridículo não é preferível ao que se revela como perigoso e nocivo?
FEDRO: – Não há dúvida.
SÓCRATES: – Quando um orador, ignorando a natureza do bem e do mal, encontra os seus concidadãos na mesma ignorância e os persuade, não a tomar a sombra de um burro por um cavalo, mas o mal pelo bem; quando, conhecedor dos preconceitos da multidão, ele a impele para o mau caminho, – nesses casos, a teu ver, que frutos a retórica poderá recolher daquilo que ela semeou?
FEDRO: – Não pode ser muito bom fruto.
SÓCRATES: – Mas vejamos, meu caro: não nos teremos excedido em nossas censuras contra a arte retórica? Pode suceder que ela responda: “que estais a tagarelar, homens ridículos? Eu não obrigo ninguém – dirá ela – que ignore a verdade a aprender a falar. Mas quem ouve o meu conselho tratará de adquirir primeiro esses conhecimentos acerca da verdade para, depois, se dedicar a mim. Mas uma coisa posso afirmar com orgulho: sem as minhas lições a posse da verdade de nada servirá para engendrar a persuasão”.
FEDRO: – E não teria ela razão dizendo isso?
SÓCRATES: – Reconheço que sim, se os argumentos usuais provarem que de fato a retórica é uma arte; mas, se não me engano, tenho ouvido algumas pessoas atacá-la e provar que ela não é isso, mas sim um negócio que nada tem que ver com a arte. O lacônio declara: “não existe arte retórica propriamente dita sem o conhecimento da verdade, nem haverá jamais tal coisa”.
(Platão. Diálogos. Porto Alegre: Editora Globo, 1962.)
... para quem quer tornar-se orador consumado não é indispensável conhecer o que de fato é justo, mas sim o que parece justo para a maioria dos ouvintes, que são os que decidem; nem precisa saber tampouco o que é bom ou belo, mas apenas o que parece tal ...
Neste trecho da tradução da segunda fala de Fedro, observase uma frase com estruturas oracionais recorrentes, e por isso plena de termos repetidos, sendo notável, a este respeito, a retomada do demonstrativo o e do pronome relativo que em o que de fato é justo, o que parece justo, os que decidem, o que é bom ou belo, o que parece tal. Em todos esses contextos, o relativo que exerce a mesma função sintática nas orações de que faz parte. Indique-a.
Instrução: A questão toma por base o seguinte fragmento do diálogo Fedro, de Platão (427-347 a.C.).
Fedro
SÓCRATES: – Vamos então refletir sobre o que há pouco estávamos discutindo; examinaremos o que seja recitar ou escrever bem um discurso, e o que seja recitar ou escrever mal.
FEDRO: – Isso mesmo.
SÓCRATES: – Pois bem: não é necessário que o orador esteja bem instruído e realmente informado sobre a verdade do assunto de que vai tratar?
FEDRO: – A esse respeito, Sócrates, ouvi o seguinte: para quem quer tornar-se orador consumado não é indispensável conhecer o que de fato é justo, mas sim o que parece justo para a maioria dos ouvintes, que são os que decidem; nem precisa saber tampouco o que é bom ou belo, mas apenas o que parece tal – pois é pela aparência que se consegue persuadir, e não pela verdade.
SÓCRATES: – Não se deve desdenhar, caro Fedro, da palavra hábil, mas antes refletir no que ela significa. O que acabas de dizer merece toda a nossa atenção.
FEDRO: – Tens razão.
SÓCRATES: – Examinemos, pois, essa afirmação.
FEDRO: – Sim.
SÓCRATES: – Imagina que eu procuro persuadir-te a comprar um cavalo para defender-te dos inimigos, mas nenhum de nós sabe o que seja um cavalo; eu, porém, descobri por acaso uma coisa: “Para Fedro, o cavalo é o animal doméstico que tem as orelhas mais compridas”...
FEDRO: – Isso seria ridículo, querido Sócrates.
SÓCRATES: – Um momento. Ridículo seria se eu tratasse seriamente de persuadir-te a que escrevesses um panegírico do burro, chamando-o de cavalo e dizendo que é muitíssimo prático comprar esse animal para o uso doméstico, bem como para expedições militares; que ele serve para montaria de batalha, para transportar bagagens e para vários outros misteres.
FEDRO: – Isso seria ainda ridículo.
SÓCRATES: – Um amigo que se mostra ridículo não é preferível ao que se revela como perigoso e nocivo?
FEDRO: – Não há dúvida.
SÓCRATES: – Quando um orador, ignorando a natureza do bem e do mal, encontra os seus concidadãos na mesma ignorância e os persuade, não a tomar a sombra de um burro por um cavalo, mas o mal pelo bem; quando, conhecedor dos preconceitos da multidão, ele a impele para o mau caminho, – nesses casos, a teu ver, que frutos a retórica poderá recolher daquilo que ela semeou?
FEDRO: – Não pode ser muito bom fruto.
SÓCRATES: – Mas vejamos, meu caro: não nos teremos excedido em nossas censuras contra a arte retórica? Pode suceder que ela responda: “que estais a tagarelar, homens ridículos? Eu não obrigo ninguém – dirá ela – que ignore a verdade a aprender a falar. Mas quem ouve o meu conselho tratará de adquirir primeiro esses conhecimentos acerca da verdade para, depois, se dedicar a mim. Mas uma coisa posso afirmar com orgulho: sem as minhas lições a posse da verdade de nada servirá para engendrar a persuasão”.
FEDRO: – E não teria ela razão dizendo isso?
SÓCRATES: – Reconheço que sim, se os argumentos usuais provarem que de fato a retórica é uma arte; mas, se não me engano, tenho ouvido algumas pessoas atacá-la e provar que ela não é isso, mas sim um negócio que nada tem que ver com a arte. O lacônio declara: “não existe arte retórica propriamente dita sem o conhecimento da verdade, nem haverá jamais tal coisa”.
(Platão. Diálogos. Porto Alegre: Editora Globo, 1962.)
... que frutos a retórica poderá recolher daquilo que ela semeou?
Esta passagem apresenta conformação alegórica, em virtude do sentido figurado com que são empregadas as palavras frutos, recolher e semeou. Aponte, entre as alternativas a seguir, aquela que contém, na ordem adequada, palavras que, sem perda relevante do sentido da frase, evitam a conformação alegórica:
Instrução: A questão toma por base duas passagens do livro A linguagem harmônica da Bossa Nova, do docente e pesquisador da Unesp José Estevam Gava.
Momento Bossa Nova
Nos anos 1940, o samba-canção já era uma alternativa para o samba tradicional, batucado, quadrado. Em sua gênese foram empregados recursos correntes na música erudita europeia e na música popular norte-americana. Já era algo mais sofisticado, praticado por compositores e arranjadores com maior preparo musical e sempre de ouvido aberto para as soluções propostas pela música estrangeira. O jazz, por exemplo, mais tarde permitiria fusões interessantes como o “samba-jazz” e o “samba moderno”, com arranjos grandiosos e com base nos instrumentos de sopro. Mas, em termos de poesia e expressividade, o samba-canção tendia a manter seu caráter escuro, sombrio, com muitos elementos que lembravam a atmosfera tensa e pessimista do tango argentino e do bolero, gêneros latinos por excelência.
O samba-canção esteve desde logo ambientado em Copacabana,lugar de vida noturna intensa, boates enfumaçadas, mulheres adultas e fatais envoltas num clima de pecado e traição, enquanto a Bossa Nova ambientou-se mais para o Sul, em Ipanema, além de tornar-se representativa de um público mais jovem, amante do sol e da praia. Nesse ambiente solar, a mulher passou a ser a garota da praia, a namorada. Deu-se um descanso às imagens de “amante proibida e vingativa, com uma navalha na liga. E as letras da Bossa Nova não tinham nada de enfumaçado. Eram uma saga oceânica: a nado, numa prancha ou num barquinho, seus compositores prestaram todas as homenagens possíveis ao mar e ao verão. Esse mar e esse verão eram os de Ipanema” (Castro, 1999, p. 59).
A Bossa Nova levou aos extremos a tendência intimista de cantar sobre temas do cotidiano, sem muita complicação poética. Em vez da negatividade do samba-canção, explorou ao máximo a positividade expressiva e um otimismo sem precedentes. Esse foi o grande traço distintivo entre a Bossa Nova e o samba-canção. O otimismo diante do amor trouxe consigo imagens de paz e estabilidade possibilitadas por relacionamentos amorosos felizes e amores correspondidos, sem as cores patológicas e dramáticas que tanto marcavam os sambas canções. Mesmo a dor, quando ocorria, era encarada como um estágio passageiro, deixando de assumir o antigo caráter terminal.
Em plenos anos 1950, quando nas rádios predominava o derramamento vocal e sentimental, Tom Jobim já buscava um retraimento expressivo pautado por um discurso poético/musical mais sereno, mais em tom de conversa do que de súplica. Se os mais jovens identificavam-se com essas coisas novas, os mais velhos e tradicionalistas viam-nas com estranheza, sendo compreensível que as descrevessem como canções bobas e ingênuas, não obstante a sofisticação harmônica e rítmica.
(José Estevam Gava. A linguagem harmônica da Bossa Nova. São Paulo: Editora Unesp, 2002.)
A partir do texto apresentado, aponte a alternativa que não caracteriza a Bossa Nova.
Instrução: A questão toma por base duas passagens do livro A linguagem harmônica da Bossa Nova, do docente e pesquisador da Unesp José Estevam Gava.
Momento Bossa Nova
Nos anos 1940, o samba-canção já era uma alternativa para o samba tradicional, batucado, quadrado. Em sua gênese foram empregados recursos correntes na música erudita europeia e na música popular norte-americana. Já era algo mais sofisticado, praticado por compositores e arranjadores com maior preparo musical e sempre de ouvido aberto para as soluções propostas pela música estrangeira. O jazz, por exemplo, mais tarde permitiria fusões interessantes como o “samba-jazz” e o “samba moderno”, com arranjos grandiosos e com base nos instrumentos de sopro. Mas, em termos de poesia e expressividade, o samba-canção tendia a manter seu caráter escuro, sombrio, com muitos elementos que lembravam a atmosfera tensa e pessimista do tango argentino e do bolero, gêneros latinos por excelência.
O samba-canção esteve desde logo ambientado em Copacabana,lugar de vida noturna intensa, boates enfumaçadas, mulheres adultas e fatais envoltas num clima de pecado e traição, enquanto a Bossa Nova ambientou-se mais para o Sul, em Ipanema, além de tornar-se representativa de um público mais jovem, amante do sol e da praia. Nesse ambiente solar, a mulher passou a ser a garota da praia, a namorada. Deu-se um descanso às imagens de “amante proibida e vingativa, com uma navalha na liga. E as letras da Bossa Nova não tinham nada de enfumaçado. Eram uma saga oceânica: a nado, numa prancha ou num barquinho, seus compositores prestaram todas as homenagens possíveis ao mar e ao verão. Esse mar e esse verão eram os de Ipanema” (Castro, 1999, p. 59).
A Bossa Nova levou aos extremos a tendência intimista de cantar sobre temas do cotidiano, sem muita complicação poética. Em vez da negatividade do samba-canção, explorou ao máximo a positividade expressiva e um otimismo sem precedentes. Esse foi o grande traço distintivo entre a Bossa Nova e o samba-canção. O otimismo diante do amor trouxe consigo imagens de paz e estabilidade possibilitadas por relacionamentos amorosos felizes e amores correspondidos, sem as cores patológicas e dramáticas que tanto marcavam os sambas canções. Mesmo a dor, quando ocorria, era encarada como um estágio passageiro, deixando de assumir o antigo caráter terminal.
Em plenos anos 1950, quando nas rádios predominava o derramamento vocal e sentimental, Tom Jobim já buscava um retraimento expressivo pautado por um discurso poético/musical mais sereno, mais em tom de conversa do que de súplica. Se os mais jovens identificavam-se com essas coisas novas, os mais velhos e tradicionalistas viam-nas com estranheza, sendo compreensível que as descrevessem como canções bobas e ingênuas, não obstante a sofisticação harmônica e rítmica.
(José Estevam Gava. A linguagem harmônica da Bossa Nova. São Paulo: Editora Unesp, 2002.)
Segundo o texto, o principal traço distintivo da Bossa Nova com relação ao samba-canção foi
Instrução: A questão toma por base duas passagens do livro A linguagem harmônica da Bossa Nova, do docente e pesquisador da Unesp José Estevam Gava.
Momento Bossa Nova
Nos anos 1940, o samba-canção já era uma alternativa para o samba tradicional, batucado, quadrado. Em sua gênese foram empregados recursos correntes na música erudita europeia e na música popular norte-americana. Já era algo mais sofisticado, praticado por compositores e arranjadores com maior preparo musical e sempre de ouvido aberto para as soluções propostas pela música estrangeira. O jazz, por exemplo, mais tarde permitiria fusões interessantes como o “samba-jazz” e o “samba moderno”, com arranjos grandiosos e com base nos instrumentos de sopro. Mas, em termos de poesia e expressividade, o samba-canção tendia a manter seu caráter escuro, sombrio, com muitos elementos que lembravam a atmosfera tensa e pessimista do tango argentino e do bolero, gêneros latinos por excelência.
O samba-canção esteve desde logo ambientado em Copacabana,lugar de vida noturna intensa, boates enfumaçadas, mulheres adultas e fatais envoltas num clima de pecado e traição, enquanto a Bossa Nova ambientou-se mais para o Sul, em Ipanema, além de tornar-se representativa de um público mais jovem, amante do sol e da praia. Nesse ambiente solar, a mulher passou a ser a garota da praia, a namorada. Deu-se um descanso às imagens de “amante proibida e vingativa, com uma navalha na liga. E as letras da Bossa Nova não tinham nada de enfumaçado. Eram uma saga oceânica: a nado, numa prancha ou num barquinho, seus compositores prestaram todas as homenagens possíveis ao mar e ao verão. Esse mar e esse verão eram os de Ipanema” (Castro, 1999, p. 59).
A Bossa Nova levou aos extremos a tendência intimista de cantar sobre temas do cotidiano, sem muita complicação poética. Em vez da negatividade do samba-canção, explorou ao máximo a positividade expressiva e um otimismo sem precedentes. Esse foi o grande traço distintivo entre a Bossa Nova e o samba-canção. O otimismo diante do amor trouxe consigo imagens de paz e estabilidade possibilitadas por relacionamentos amorosos felizes e amores correspondidos, sem as cores patológicas e dramáticas que tanto marcavam os sambas canções. Mesmo a dor, quando ocorria, era encarada como um estágio passageiro, deixando de assumir o antigo caráter terminal.
Em plenos anos 1950, quando nas rádios predominava o derramamento vocal e sentimental, Tom Jobim já buscava um retraimento expressivo pautado por um discurso poético/musical mais sereno, mais em tom de conversa do que de súplica. Se os mais jovens identificavam-se com essas coisas novas, os mais velhos e tradicionalistas viam-nas com estranheza, sendo compreensível que as descrevessem como canções bobas e ingênuas, não obstante a sofisticação harmônica e rítmica.
(José Estevam Gava. A linguagem harmônica da Bossa Nova. São Paulo: Editora Unesp, 2002.)
... sendo compreensível que as descrevessem como canções bobas e ingênuas, não obstante a sofisticação harmônica e rítmica.
Nesta passagem, a sequência não obstante a poderia ser substituída, sem prejuízo do sentido, por