Filme
Berenice não gostava de ir ao cinema, de modo que o pai a levava à força. Cinema era coisa que
ele adorava, sempre sonhara em se tornar cineasta; não o conseguira, claro, mas queria que a
filha partilhasse sua paixão, com o que se sentiria, de certa forma, indenizado pelo destino. Uma
responsabilidade que só fazia aumentar o verdadeiro terror que Berenice sentia quando se aproximava
[5] o sábado, dia que habitualmente o pai, homem muito ocupado, escolhia para a sessão cinematográfica
semanal. À medida que se aproximava o dia fatídico, ela ia ficando cada vez mais agitada e nervosa;
e quando o pai, chegado o sábado, finalmente lhe dizia, está na hora, vamos, ela frequentemente se
punha a chorar e mais de uma vez caíra de joelhos diante dele, suplicando, não, papai, por favor, não
faça isso comigo. Mas o pai, que era um homem enérgico e além disso julgava ter o direito de exigir
[10] da filha que o acompanhasse (viúvo desde há muito, criara Berenice sozinho e com muito sacrifício),
mostrava-se intransigente: não tem nada disso, você vai me acompanhar. E ela o fazia, em meio a
intenso sofrimento.
Por fim, aprendeu a se proteger. Ia ao cinema, sim. Mas antes que o filme começasse, corria ao
banheiro, colocava cera nos ouvidos. Voltava ao lugar, e mal as luzes se apagavam cerrava firmemente
[15] os olhos, mantendo-os assim durante toda a sessão. O pai, encantado com o filme, de nada se
apercebia; tudo o que fazia era perguntar a opinião de Berenice, que respondia, numa voz neutra
mas firme:
- Gostei. Gostei muito.
Era de outro filme que estava falando, naturalmente. Um filme que o pai nunca veria.
MOACYR SCLIAR In: Contos reunidos. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
Era de outro filme que estava falando, naturalmente. (l. 19)
Neste trecho, o termo em destaque cumpre a função de:
Filme
Berenice não gostava de ir ao cinema, de modo que o pai a levava à força. Cinema era coisa que
ele adorava, sempre sonhara em se tornar cineasta; não o conseguira, claro, mas queria que a
filha partilhasse sua paixão, com o que se sentiria, de certa forma, indenizado pelo destino. Uma
responsabilidade que só fazia aumentar o verdadeiro terror que Berenice sentia quando se aproximava
[5] o sábado, dia que habitualmente o pai, homem muito ocupado, escolhia para a sessão cinematográfica
semanal. À medida que se aproximava o dia fatídico, ela ia ficando cada vez mais agitada e nervosa;
e quando o pai, chegado o sábado, finalmente lhe dizia, está na hora, vamos, ela frequentemente se
punha a chorar e mais de uma vez caíra de joelhos diante dele, suplicando, não, papai, por favor, não
faça isso comigo. Mas o pai, que era um homem enérgico e além disso julgava ter o direito de exigir
[10] da filha que o acompanhasse (viúvo desde há muito, criara Berenice sozinho e com muito sacrifício),
mostrava-se intransigente: não tem nada disso, você vai me acompanhar. E ela o fazia, em meio a
intenso sofrimento.
Por fim, aprendeu a se proteger. Ia ao cinema, sim. Mas antes que o filme começasse, corria ao
banheiro, colocava cera nos ouvidos. Voltava ao lugar, e mal as luzes se apagavam cerrava firmemente
[15] os olhos, mantendo-os assim durante toda a sessão. O pai, encantado com o filme, de nada se
apercebia; tudo o que fazia era perguntar a opinião de Berenice, que respondia, numa voz neutra
mas firme:
- Gostei. Gostei muito.
Era de outro filme que estava falando, naturalmente. Um filme que o pai nunca veria.
MOACYR SCLIAR In: Contos reunidos. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
Em certo momento do texto, percebe-se a introdução da fala das personagens mesclada à fala do narrador.
A presença do diálogo nesta narrativa tem como principal efeito:
Filme
Berenice não gostava de ir ao cinema, de modo que o pai a levava à força. Cinema era coisa que
ele adorava, sempre sonhara em se tornar cineasta; não o conseguira, claro, mas queria que a
filha partilhasse sua paixão, com o que se sentiria, de certa forma, indenizado pelo destino. Uma
responsabilidade que só fazia aumentar o verdadeiro terror que Berenice sentia quando se aproximava
[5] o sábado, dia que habitualmente o pai, homem muito ocupado, escolhia para a sessão cinematográfica
semanal. À medida que se aproximava o dia fatídico, ela ia ficando cada vez mais agitada e nervosa;
e quando o pai, chegado o sábado, finalmente lhe dizia, está na hora, vamos, ela frequentemente se
punha a chorar e mais de uma vez caíra de joelhos diante dele, suplicando, não, papai, por favor, não
faça isso comigo. Mas o pai, que era um homem enérgico e além disso julgava ter o direito de exigir
[10] da filha que o acompanhasse (viúvo desde há muito, criara Berenice sozinho e com muito sacrifício),
mostrava-se intransigente: não tem nada disso, você vai me acompanhar. E ela o fazia, em meio a
intenso sofrimento.
Por fim, aprendeu a se proteger. Ia ao cinema, sim. Mas antes que o filme começasse, corria ao
banheiro, colocava cera nos ouvidos. Voltava ao lugar, e mal as luzes se apagavam cerrava firmemente
[15] os olhos, mantendo-os assim durante toda a sessão. O pai, encantado com o filme, de nada se
apercebia; tudo o que fazia era perguntar a opinião de Berenice, que respondia, numa voz neutra
mas firme:
- Gostei. Gostei muito.
Era de outro filme que estava falando, naturalmente. Um filme que o pai nunca veria.
MOACYR SCLIAR In: Contos reunidos. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
Berenice não gostava de ir ao cinema, de modo que o pai a levava à força. (l. 1)
O período acima pode ser reescrito, mantendo-se seu sentido original, da seguinte forma:
Filme
Berenice não gostava de ir ao cinema, de modo que o pai a levava à força. Cinema era coisa que
ele adorava, sempre sonhara em se tornar cineasta; não o conseguira, claro, mas queria que a
filha partilhasse sua paixão, com o que se sentiria, de certa forma, indenizado pelo destino. Uma
responsabilidade que só fazia aumentar o verdadeiro terror que Berenice sentia quando se aproximava
[5] o sábado, dia que habitualmente o pai, homem muito ocupado, escolhia para a sessão cinematográfica
semanal. À medida que se aproximava o dia fatídico, ela ia ficando cada vez mais agitada e nervosa;
e quando o pai, chegado o sábado, finalmente lhe dizia, está na hora, vamos, ela frequentemente se
punha a chorar e mais de uma vez caíra de joelhos diante dele, suplicando, não, papai, por favor, não
faça isso comigo. Mas o pai, que era um homem enérgico e além disso julgava ter o direito de exigir
[10] da filha que o acompanhasse (viúvo desde há muito, criara Berenice sozinho e com muito sacrifício),
mostrava-se intransigente: não tem nada disso, você vai me acompanhar. E ela o fazia, em meio a
intenso sofrimento.
Por fim, aprendeu a se proteger. Ia ao cinema, sim. Mas antes que o filme começasse, corria ao
banheiro, colocava cera nos ouvidos. Voltava ao lugar, e mal as luzes se apagavam cerrava firmemente
[15] os olhos, mantendo-os assim durante toda a sessão. O pai, encantado com o filme, de nada se
apercebia; tudo o que fazia era perguntar a opinião de Berenice, que respondia, numa voz neutra
mas firme:
- Gostei. Gostei muito.
Era de outro filme que estava falando, naturalmente. Um filme que o pai nunca veria.
MOACYR SCLIAR In: Contos reunidos. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
Por fim, aprendeu a se proteger. (l. 13)
A forma de proteção desenvolvida por Berenice reforça um traço temático central do texto.
A palavra que melhor define esse traço é:
Filme
Berenice não gostava de ir ao cinema, de modo que o pai a levava à força. Cinema era coisa que
ele adorava, sempre sonhara em se tornar cineasta; não o conseguira, claro, mas queria que a
filha partilhasse sua paixão, com o que se sentiria, de certa forma, indenizado pelo destino. Uma
responsabilidade que só fazia aumentar o verdadeiro terror que Berenice sentia quando se aproximava
[5] o sábado, dia que habitualmente o pai, homem muito ocupado, escolhia para a sessão cinematográfica
semanal. À medida que se aproximava o dia fatídico, ela ia ficando cada vez mais agitada e nervosa;
e quando o pai, chegado o sábado, finalmente lhe dizia, está na hora, vamos, ela frequentemente se
punha a chorar e mais de uma vez caíra de joelhos diante dele, suplicando, não, papai, por favor, não
faça isso comigo. Mas o pai, que era um homem enérgico e além disso julgava ter o direito de exigir
[10] da filha que o acompanhasse (viúvo desde há muito, criara Berenice sozinho e com muito sacrifício),
mostrava-se intransigente: não tem nada disso, você vai me acompanhar. E ela o fazia, em meio a
intenso sofrimento.
Por fim, aprendeu a se proteger. Ia ao cinema, sim. Mas antes que o filme começasse, corria ao
banheiro, colocava cera nos ouvidos. Voltava ao lugar, e mal as luzes se apagavam cerrava firmemente
[15] os olhos, mantendo-os assim durante toda a sessão. O pai, encantado com o filme, de nada se
apercebia; tudo o que fazia era perguntar a opinião de Berenice, que respondia, numa voz neutra
mas firme:
- Gostei. Gostei muito.
Era de outro filme que estava falando, naturalmente. Um filme que o pai nunca veria.
MOACYR SCLIAR In: Contos reunidos. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
À medida que se aproximava o dia fatídico, ela ia ficando cada vez mais agitada e nervosa; (l. 6)
A expressão grifada contribui para a construção da tensão narrativa, porque está relacionada com:
A produção de humor se deve ao seguinte recurso: