Poema de Finados
[01] Amanhã que é dia dos mortos
[02] Vai ao cemitério. Vai
[03] E procura entre as sepulturas
[04] A sepultura de meu pai.
[05] Leva três rosas bem bonitas.
[06] Ajoelha e reza uma oração.
[07] Não pelo pai, mas pelo filho:
[08] O filho tem mais precisão.
[09] O que resta de mim na vida
[10] É a amargura do que sofri.
[11] Pois nada quero, nada espero.
[12] E em verdade estou morto ali.
Manuel Bandeira
Versos a um coveiro
[01] Numerar sepulturas e carneiros,
[02] Reduzir carnes podres a algarismos,
[03] Tal é, sem complicados silogismos,
[04] A aritmética hedionda dos coveiros!
[05] Um, dois, três, quatro, cinco... Esoterismos
[06] Da Morte! E eu vejo, em fúlgidos letreiros,
[07] Na progressão dos números inteiros
[08] A gênese de todos os abismos!
[09] Oh! Pitágoras da última aritmética,
[10] Continua a contar na paz ascética
[11] Dos tábidos carneiros sepulcrais
[12] Tíbias, cérebros, crânios, rádios e úmeros,
[13] Porque, infinita como os próprios números
[14] A tua conta não acaba mais!
Augusto dos Anjos
Vocabulário:
Carneiros - criptas, subterrâneos sepulcrais
Fúlgidos - brilhantes
Ascética - próprio do asceta, de quem se entrega a práticas espirituais, levando vida contemplativa
Tábitos - pobres, corruptos
Tíbias - ossos que constituem a perna
Rádios - ossos que constituem o antebraço
Úmeros - ossos que vão do cotovelo ao ombro
Pai contra mãe (fragmento)
[01] Houve aqui luta, porque a escrava, gemendo, arrastava-se a si e ao
[02] filho. Quem passava ou estava à porta de uma loja, compreendia o
[03] que era e naturalmente não acudia. Arminda ia alegando que o senhor
[04] era muito mau, e provavelmente a castigaria com açoutes, - cousa
[05] que, no estado em que ela estava, seria pior de sentir. Com certeza,
[06] ele lhe mandaria dar açoutes.
[07] — Você é que tem culpa. Quem lhe manda fazer filhos e fugir depois?
[08] perguntou Cândido Neves.
[09] Não estava em maré de riso, por causa do filho que lá ficara na
[10] farmácia, à espera dele. Também é certo que não costumava dizer
[11] grandes cousas. Foi arrastando a escrava pela Rua dos Ourives, em
[12] direção à da Alfândega, onde residia o senhor. Na esquina desta a luta
[13] cresceu; a escrava pôs os pês à parede, recuou com grande esforço,
[14] inutilmente. O que alcançou foi, apesar de ser a casa próxima, gastar
[15] mais tempo em lá chegar do que devera. Chegou, enfim, arrastada,
[16] desesperada, arquejando. Ainda ali ajoelhou-se, mas em vão. O
[17] senhor estava em casa, acudiu ao chamado e ao rumor.
[18] — Aqui está a fujona, disse Cândido Neves.
[19] — É ela mesma.
[20] — Meu senhor!
[21] — Anda, entra...
[22] Arminda caiu no corredor. Ali mesmo o senhor da escrava abriu
[23] a carteira e tirou os cem mil-réis de gratificação. Cândido Neves
[24] guardou as duas notas de cinquenta mil-réis, enquanto o senhor
[25] novamente dizia à escrava que entrasse. No chão, onde jazia, levada
[26] do medo e da dor, e após algum tempo de luta a escrava abortou.
[27] O fruto de algum tempo entrou sem vida neste mundo, entre os
[28] gemidos da mãe e os gestos de desespero do dono.
Machado de Assis
Considere as seguintes afirmações:
I. Os textos tratam da temática da morte a partir de um mesmo ponto de vista, independentemente de pertencerem a diferentes escolas literárias.
II. As composições poéticas são mais adequadas para o tratamento da temática emotiva da morte do que a composição em prosa, que costumeiramente privilegia a linguagem objetiva.
III. O poema de Manuel Bandeira e o fragmento de Machado de Assis são marcados, particularmente, por uma visão irônica e conservadora da morte.
Assinale a alternativa correta.