Ataque às Universidades
Quando o combate à corrupção
favorece os corruptos
Vítimas de um paradigma chamado por alguns de “administração pública do medo”, muitos brasileiros e brasileiras idealistas e sonhadores têm abandonado a gestão pública por conta de processos judiciais abertos por questões formais, diligências pouco cuidadosas ou mesmo pelo gosto de certos membros dos órgãos de controle por holofotes. Tudo incentivado por um marco legal que, além de nivelar por baixo gestores decentes e bandidos, ignora os próprios custos que acarreta para a administração.
Se esse paradigma já não fosse o suficiente para brecar vocações e gerar uma série de episódios lamentáveis que destroem carreiras e reputações, há um novo reforço à expulsão das pessoas decentes do espaço público: o avanço do direito e do processo penal do espetáculo seletivo.
Tal fenômeno por certo não é novo. Mas agora conta com a irascível demanda de turbas de manifestantes pela punição exemplar como meio de catarse, punição essa que a turba chama de justiça. Nesse cenário, autoridades constituídas, que deveriam encontrar na Constituição e na legalidade os seus limites, sentem-se autorizados a tudo, munidos de justificações herméticas facilmente apoiadas pela turba e seus representantes na grande mídia.
Graças a isso, se muitos gestores já temiam serem condenados por improbidade por tomarem decisões supostamente contrárias aos “princípios da administração”, se muitos médicos já temiam serem presos por não acatarem decisões judicias esdrúxulas e se muitos professores universitários recusavam cargos na administração por temerem ter suas reputações arrasadas pelo primeiro pasquim conservador que lhes cruzasse o caminho, todos agora podem temer, com fundamento, serem conduzidos coercitivamente ou presos, ao arrepio da lei, para satisfazer a sanha do justiçamento.
Enquanto viger, no entanto, a República do ataque seletivo e do espetáculo, o “combate à corrupção” muitas vezes não passará de instrumento de satisfação estética ou entretenimento a uma plateia devidamente condicionada a pedir cabeças em bandejas de prata. E tudo isso com um custo altíssimo para a verdadeira decência e integridade no serviço público.
(David Carneiro é Doutor em Direito pela UERJ, revista Carta Capital, publicado em 28.12.2017, adaptado)
Segundo o autor:
Ataque às Universidades
Quando o combate à corrupção
favorece os corruptos
Vítimas de um paradigma chamado por alguns de “administração pública do medo”, muitos brasileiros e brasileiras idealistas e sonhadores têm abandonado a gestão pública por conta de processos judiciais abertos por questões formais, diligências pouco cuidadosas ou mesmo pelo gosto de certos membros dos órgãos de controle por holofotes. Tudo incentivado por um marco legal que, além de nivelar por baixo gestores decentes e bandidos, ignora os próprios custos que acarreta para a administração.
Se esse paradigma já não fosse o suficiente para brecar vocações e gerar uma série de episódios lamentáveis que destroem carreiras e reputações, há um novo reforço à expulsão das pessoas decentes do espaço público: o avanço do direito e do processo penal do espetáculo seletivo.
Tal fenômeno por certo não é novo. Mas agora conta com a irascível demanda de turbas de manifestantes pela punição exemplar como meio de catarse, punição essa que a turba chama de justiça. Nesse cenário, autoridades constituídas, que deveriam encontrar na Constituição e na legalidade os seus limites, sentem-se autorizados a tudo, munidos de justificações herméticas facilmente apoiadas pela turba e seus representantes na grande mídia.
Graças a isso, se muitos gestores já temiam serem condenados por improbidade por tomarem decisões supostamente contrárias aos “princípios da administração”, se muitos médicos já temiam serem presos por não acatarem decisões judicias esdrúxulas e se muitos professores universitários recusavam cargos na administração por temerem ter suas reputações arrasadas pelo primeiro pasquim conservador que lhes cruzasse o caminho, todos agora podem temer, com fundamento, serem conduzidos coercitivamente ou presos, ao arrepio da lei, para satisfazer a sanha do justiçamento.
Enquanto viger, no entanto, a República do ataque seletivo e do espetáculo, o “combate à corrupção” muitas vezes não passará de instrumento de satisfação estética ou entretenimento a uma plateia devidamente condicionada a pedir cabeças em bandejas de prata. E tudo isso com um custo altíssimo para a verdadeira decência e integridade no serviço público.
(David Carneiro é Doutor em Direito pela UERJ, revista Carta Capital, publicado em 28.12.2017, adaptado)
Segundo o texto:
Ataque às Universidades
Quando o combate à corrupção
favorece os corruptos
Vítimas de um paradigma chamado por alguns de “administração pública do medo”, muitos brasileiros e brasileiras idealistas e sonhadores têm abandonado a gestão pública por conta de processos judiciais abertos por questões formais, diligências pouco cuidadosas ou mesmo pelo gosto de certos membros dos órgãos de controle por holofotes. Tudo incentivado por um marco legal que, além de nivelar por baixo gestores decentes e bandidos, ignora os próprios custos que acarreta para a administração.
Se esse paradigma já não fosse o suficiente para brecar vocações e gerar uma série de episódios lamentáveis que destroem carreiras e reputações, há um novo reforço à expulsão das pessoas decentes do espaço público: o avanço do direito e do processo penal do espetáculo seletivo.
Tal fenômeno por certo não é novo. Mas agora conta com a irascível demanda de turbas de manifestantes pela punição exemplar como meio de catarse, punição essa que a turba chama de justiça. Nesse cenário, autoridades constituídas, que deveriam encontrar na Constituição e na legalidade os seus limites, sentem-se autorizados a tudo, munidos de justificações herméticas facilmente apoiadas pela turba e seus representantes na grande mídia.
Graças a isso, se muitos gestores já temiam serem condenados por improbidade por tomarem decisões supostamente contrárias aos “princípios da administração”, se muitos médicos já temiam serem presos por não acatarem decisões judicias esdrúxulas e se muitos professores universitários recusavam cargos na administração por temerem ter suas reputações arrasadas pelo primeiro pasquim conservador que lhes cruzasse o caminho, todos agora podem temer, com fundamento, serem conduzidos coercitivamente ou presos, ao arrepio da lei, para satisfazer a sanha do justiçamento.
Enquanto viger, no entanto, a República do ataque seletivo e do espetáculo, o “combate à corrupção” muitas vezes não passará de instrumento de satisfação estética ou entretenimento a uma plateia devidamente condicionada a pedir cabeças em bandejas de prata. E tudo isso com um custo altíssimo para a verdadeira decência e integridade no serviço público.
(David Carneiro é Doutor em Direito pela UERJ, revista Carta Capital, publicado em 28.12.2017, adaptado)
No texto, os vocábulos paradigma, irascível e viger podem ser substituídos, sem prejuízo semântico, respectivamente por:
O Segundo Reinado não se compreenderia sem os barões, coronéis, comendadores e conselheiros. A imensa rede de títulos, comendas e patentes doura a sociedade, revelando, debaixo dos embelecos¹, rigoroso mecanismo de coesão de forças. A Guarda Nacional no campo, sobretudo no campo, sem ser estranha às cidades e vilas, incorpora e domestica os proprietários rurais, atribuindo-lhes funções políticas e de mantenedora da ordem. A baronia aproxima-os a eles e às notabilidades urbanas, do trono. As classes mais inclinadas a se perder em centros locais de gravitação arregimentam-se num sistema centralizado de governo e de administração, burocrático e tingido de nobreza. A proximidade da coroa – que cargos atraem – dá a nota de elevação desses grupos de titulares. A Guarda Nacional supõe o fazendeiro; mas não seus cabedais² que contam, senão os bordados da patente. Aristocracia burocrática e não aristocracia rural ou de gente rica, aristocracia burocrática, entretanto, tocada e ferida pelo capitalismo nascente, capitalismo, por sua vez, politicamente orientado.
(Raimundo Faoro, Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio, Ed.Nacional)
¹embeleco: engodo, embuste, impostura.
²cabedal: conjunto de bens, patrimônio, riqueza.
Segundo o autor, pode-se inferir que:
O Segundo Reinado não se compreenderia sem os barões, coronéis, comendadores e conselheiros. A imensa rede de títulos, comendas e patentes doura a sociedade, revelando, debaixo dos embelecos¹, rigoroso mecanismo de coesão de forças. A Guarda Nacional no campo, sobretudo no campo, sem ser estranha às cidades e vilas, incorpora e domestica os proprietários rurais, atribuindo-lhes funções políticas e de mantenedora da ordem. A baronia aproxima-os a eles e às notabilidades urbanas, do trono. As classes mais inclinadas a se perder em centros locais de gravitação arregimentam-se num sistema centralizado de governo e de administração, burocrático e tingido de nobreza. A proximidade da coroa – que cargos atraem – dá a nota de elevação desses grupos de titulares. A Guarda Nacional supõe o fazendeiro; mas não seus cabedais² que contam, senão os bordados da patente. Aristocracia burocrática e não aristocracia rural ou de gente rica, aristocracia burocrática, entretanto, tocada e ferida pelo capitalismo nascente, capitalismo, por sua vez, politicamente orientado.
(Raimundo Faoro, Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio, Ed.Nacional)
¹embeleco: engodo, embuste, impostura.
²cabedal: conjunto de bens, patrimônio, riqueza.
Depreende-se do texto que:
O Segundo Reinado não se compreenderia sem os barões, coronéis, comendadores e conselheiros. A imensa rede de títulos, comendas e patentes doura a sociedade, revelando, debaixo dos embelecos¹, rigoroso mecanismo de coesão de forças. A Guarda Nacional no campo, sobretudo no campo, sem ser estranha às cidades e vilas, incorpora e domestica os proprietários rurais, atribuindo-lhes funções políticas e de mantenedora da ordem. A baronia aproxima-os a eles e às notabilidades urbanas, do trono. As classes mais inclinadas a se perder em centros locais de gravitação arregimentam-se num sistema centralizado de governo e de administração, burocrático e tingido de nobreza. A proximidade da coroa – que cargos atraem – dá a nota de elevação desses grupos de titulares. A Guarda Nacional supõe o fazendeiro; mas não seus cabedais² que contam, senão os bordados da patente. Aristocracia burocrática e não aristocracia rural ou de gente rica, aristocracia burocrática, entretanto, tocada e ferida pelo capitalismo nascente, capitalismo, por sua vez, politicamente orientado.
(Raimundo Faoro, Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio, Ed.Nacional)
¹embeleco: engodo, embuste, impostura.
²cabedal: conjunto de bens, patrimônio, riqueza.
A Guarda Nacional no campo,..., incorpora e domestica os proprietários rurais....
Atentando-se para o aspecto semântico das formais verbais, pode-se afirmar que no texto todo, assim como no exemplo, há predominância do: