Felicidade
Outro dia, falando na vida do caboclo nordestino, eu disse aqui que ele não era infeliz. Ou não se sente infeliz, o que dá o mesmo. Mas é preciso compreender quanto varia o conceito de felicidade entre o homem urbano e essa nossa variedade de brasileiro rural. Para o homem da cidade, ser feliz se traduz em "ter coisas": ter apartamento, rádio, geladeira, televisão, bicicleta, automóvel. Quanto mais engenhocas mecânicas possuir, mais feliz se presume. Para isso se escraviza, trabalha dia e noite e se gaba de bem-sucedido. O homem daqui, seu conceito de felicidade é muito mais subjetivo: ser feliz não é ter coisas; ser feliz é ser livre, não precisar de trabalhar. E, mormente, não trabalhar obrigado. Trabalhar à vontade do corpo, quando há necessidade inadiável. [...]
A gente entra na casa de um deles: é de taipa, sem reboco, o chão de terra batida. (Sempre muito bem varrida, tanto a casa quanto os terreiros.) Uma sala, onde dormem os homens, a camarinha do casal ou as moças, o minúsculo puxado da cozinha, o fogão de barro armado num jirau de varas. Móveis, às vezes, uma mesa pequena, dois tamboretes. Alguns possuem um baú; porém a maioria guarda os panos do uso num caixote de querosene. [...]
Nessa nudez, nesse despojamento de tudo, dê-lhes Deus um inverno razoável que sustente o legume, um pouco de água no açude e não pedem mais nada. De que é que eles gostam? Gostam de dançar, de ouvir música – pagam qualquer dinheiro por um tocador bom e obrigam o homem a tocar ininterruptamente dois, três dias seguidos. Gostam de festas de igreja, e ainda gostam mais de jogo, baralho ou dados. (Conhecem pouco o jogo-de-bicho.) Namoram sobriamente e, se apreciam mulher, como é natural, pouco falam nisso. Gostam de doces de qualquer espécie, e de aluá, que é uma bebida feita com milho ou arroz fermentado e adoçada com rapadura. Adoram cachaça. Mas, acima de tudo, gostam desta terra velha, ingrata, seca, doida, pobre; e nisso estou com eles, e só por cima dela temos gosto em tirar os anos de vida, e só debaixo dela nos saberá bem o descanso, depois da morte.
(Junco, junho de 1955)
(QUEIROZ, Rachel de. Melhores crônicas de Rachel de Queiroz. Seleção de Heloísa Buarque de Hollanda. São Paulo: Global, 2004. p.143-146.)
Considere os períodos a seguir: “Quanto mais engenhocas mecânicas possuir, mais feliz se presume. Para isso se escraviza, trabalha dia e noite e se gaba de bem-sucedido”.
Assinale a alternativa CORRETA quanto às relações de sentido no trecho.
Acerca do texto, assinale a alternativa correta.
Leia o fragmento a seguir.
“A fumaça que sai da ponta acesa do cigarro possui as mesmas substâncias daquela que o fumante inala, porém algumas encontram-se em concentrações maiores: 50 vezes mais alcatrão e até 5 vezes mais nicotina e monóxido de carbono”.
Com relação ao fragmento, considere as afirmativas a seguir.
I. Os termos “daquela” e “algumas” referem-se, respectivamente, às palavras “fumaça” e “substâncias”.
II. A conjunção “porém” inicia oração que estabelece ideia de conclusão com a anterior.
III. O trecho logo após os dois pontos tem função de aposto explicativo referente à expressão “ponta acesa do cigarro”.
IV. A preposição “até” estabelece um limite para o número de vezes em que certas substâncias estão concentradas.
Assinale a alternativa CORRETA.
Felicidade
Outro dia, falando na vida do caboclo nordestino, eu disse aqui que ele não era infeliz. Ou não se sente infeliz, o que dá o mesmo. Mas é preciso compreender quanto varia o conceito de felicidade entre o homem urbano e essa nossa variedade de brasileiro rural. Para o homem da cidade, ser feliz se traduz em "ter coisas": ter apartamento, rádio, geladeira, televisão, bicicleta, automóvel. Quanto mais engenhocas mecânicas possuir, mais feliz se presume. Para isso se escraviza, trabalha dia e noite e se gaba de bem-sucedido. O homem daqui, seu conceito de felicidade é muito mais subjetivo: ser feliz não é ter coisas; ser feliz é ser livre, não precisar de trabalhar. E, mormente, não trabalhar obrigado. Trabalhar à vontade do corpo, quando há necessidade inadiável. [...]
A gente entra na casa de um deles: é de taipa, sem reboco, o chão de terra batida. (Sempre muito bem varrida, tanto a casa quanto os terreiros.) Uma sala, onde dormem os homens, a camarinha do casal ou as moças, o minúsculo puxado da cozinha, o fogão de barro armado num jirau de varas. Móveis, às vezes, uma mesa pequena, dois tamboretes. Alguns possuem um baú; porém a maioria guarda os panos do uso num caixote de querosene. [...]
Nessa nudez, nesse despojamento de tudo, dê-lhes Deus um inverno razoável que sustente o legume, um pouco de água no açude e não pedem mais nada. De que é que eles gostam? Gostam de dançar, de ouvir música – pagam qualquer dinheiro por um tocador bom e obrigam o homem a tocar ininterruptamente dois, três dias seguidos. Gostam de festas de igreja, e ainda gostam mais de jogo, baralho ou dados. (Conhecem pouco o jogo-de-bicho.) Namoram sobriamente e, se apreciam mulher, como é natural, pouco falam nisso. Gostam de doces de qualquer espécie, e de aluá, que é uma bebida feita com milho ou arroz fermentado e adoçada com rapadura. Adoram cachaça. Mas, acima de tudo, gostam desta terra velha, ingrata, seca, doida, pobre; e nisso estou com eles, e só por cima dela temos gosto em tirar os anos de vida, e só debaixo dela nos saberá bem o descanso, depois da morte.
(Junco, junho de 1955)
(QUEIROZ, Rachel de. Melhores crônicas de Rachel de Queiroz. Seleção de Heloísa Buarque de Hollanda. São Paulo: Global, 2004. p.143-146.)
Acerca do texto, assinale a alternativa CORRETA.
Felicidade
Outro dia, falando na vida do caboclo nordestino, eu disse aqui que ele não era infeliz. Ou não se sente infeliz, o que dá o mesmo. Mas é preciso compreender quanto varia o conceito de felicidade entre o homem urbano e essa nossa variedade de brasileiro rural. Para o homem da cidade, ser feliz se traduz em "ter coisas": ter apartamento, rádio, geladeira, televisão, bicicleta, automóvel. Quanto mais engenhocas mecânicas possuir, mais feliz se presume. Para isso se escraviza, trabalha dia e noite e se gaba de bem-sucedido. O homem daqui, seu conceito de felicidade é muito mais subjetivo: ser feliz não é ter coisas; ser feliz é ser livre, não precisar de trabalhar. E, mormente, não trabalhar obrigado. Trabalhar à vontade do corpo, quando há necessidade inadiável. [...]
A gente entra na casa de um deles: é de taipa, sem reboco, o chão de terra batida. (Sempre muito bem varrida, tanto a casa quanto os terreiros.) Uma sala, onde dormem os homens, a camarinha do casal ou as moças, o minúsculo puxado da cozinha, o fogão de barro armado num jirau de varas. Móveis, às vezes, uma mesa pequena, dois tamboretes. Alguns possuem um baú; porém a maioria guarda os panos do uso num caixote de querosene. [...]
Nessa nudez, nesse despojamento de tudo, dê-lhes Deus um inverno razoável que sustente o legume, um pouco de água no açude e não pedem mais nada. De que é que eles gostam? Gostam de dançar, de ouvir música – pagam qualquer dinheiro por um tocador bom e obrigam o homem a tocar ininterruptamente dois, três dias seguidos. Gostam de festas de igreja, e ainda gostam mais de jogo, baralho ou dados. (Conhecem pouco o jogo-de-bicho.) Namoram sobriamente e, se apreciam mulher, como é natural, pouco falam nisso. Gostam de doces de qualquer espécie, e de aluá, que é uma bebida feita com milho ou arroz fermentado e adoçada com rapadura. Adoram cachaça. Mas, acima de tudo, gostam desta terra velha, ingrata, seca, doida, pobre; e nisso estou com eles, e só por cima dela temos gosto em tirar os anos de vida, e só debaixo dela nos saberá bem o descanso, depois da morte.
(Junco, junho de 1955)
(QUEIROZ, Rachel de. Melhores crônicas de Rachel de Queiroz. Seleção de Heloísa Buarque de Hollanda. São Paulo: Global, 2004. p.143-146.)
A partir da leitura do texto e com base na obra Melhores crônicas de Rachel de Queiroz, considere as afirmativas a seguir.
I. Apesar de os textos se vincularem ao gênero crônica, a linguagem é formal e distanciada do cotidiano.
II. Suas crônicas apresentam um certo grau de intimidade e proximidade com o leitor, parecendo casos verídicos contados entre amigos.
III. A autora apresenta uma simplicidade estilística, aproximando-se do despojamento da vida no sertão.
IV. Os temas relacionados ao sertão são recorrentes, num tom de saudosismo.
Assinale a alternativa CORRETA.
Cosme disse para dar um tempo que depois esticaria pra todo mundo de uma vez. O intruso arriscou pedir uma dose de uísque. Silva mandou que se servisse. O bruto encheu o copo até transbordar. Bebeu tudo em dois goles, sob o olhar reprovador dos presentes acerca de sua desmesura. Permaneceram como se nada estivesse acontecendo. Fumaram outro baseado, em seguida Silva esticou cinco carreiras, consumiu a sua e passou o prato para o intruso junto com o canudo feito numa nota de cinco cruzeiros. As suas mãos bêbadas deixaram o prato cair no chão. Vacilo de morte no meio da bandidagem. Cosme fez menção de agredi-lo, porém Silva o impediu de esbofetear o intruso.
– Qualé, meu cumpádi, vai se arengar com o cara só por causa de brizola? Caiu, caiu, cumpádi... Deixa pra lá. Vamos tomar uma cerva lá embaixo pra lavar o estômago.
Chinelo Virado foi o primeiro a descer para ver se estava tudo limpeza. Verificou a área, acenou para os amigos. Os cinco desceram ligeiros, tomaram o rumo da birosca que havia no Bloco Nove. Andariam cem metros. Caminhavam mudos diante do pique-esconde das crianças, dos carros na pista, das janelas dos primeiros andares na hora do jantar e novela. Silva adiantou-se para ver o que havia além da esquina que iria surgir diante de todos, seus olhos viram apenas a noite também se esticando ao longo duma viela mal iluminada. Silva virou-se para os que o seguiam. O intruso ainda viu a lua cheia de Ogum esconder-se atrás duma nuvem rala, um segundo antes de receber um tiro no peito disparado do revólver do Silva. Rodopiou e caiu lentamente em decúbito frontal. Cosme deu-lhe uma geral, conseguiu apenas alguns trocados. O corpo ficou estirado em cima da grama fria. Silva ficou nervoso com a maneira como o corpo do intruso se portou após o tiro. Quem cai de bruços quer vingança.
(LINS, Paulo. Cidade de Deus. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p.113-114.)
Com base no texto e no romance, considere as afirmativas a seguir.
I. A expressão “Vacilo de morte no meio da bandidagem” assinala o rompimento, por parte do intruso, de uma norma do tráfico para a qual não se obtém perdão.
II. A presença de palavras do tipo “qualé”, “cumpadi” e “cerva” assinala que os níveis culturais do narrador e o das personagens são muito semelhantes.
III. O termo “brizola”, presente em todo o romance, faz parte da gíria utilizada pelos personagens traficantes e quer dizer “cocaína”.
IV. Ao ficar nervoso com a forma como o corpo do intruso caíra após o tiro, Silva, na verdade, temia uma possível reação armada da vítima.
Assinale a alternativa CORRETA.