Os últimos anos do século XX testemunharam grandes mudanças em toda face da Terra. O mundo torna-se unificado — em virtude das novas condições técnicas, bases sólidas para uma ação humana
5 mundializada. Esta, entretanto, impõe-se à maior parte da humanidade como uma globalização perversa. Consideramos, em primeiro lugar, a emergência de uma dupla tirania, a do dinheiro e a da informação, intimamente relacionadas. Ambas, juntas, fornecem as
10 bases do sistema ideológico que legitima as ações mais características da época e, ao mesmo tempo, buscam conformar segundo um novo ethos as relações sociais e interpessoais, influenciando o caráter das pessoas. A competitividade, sugerida pela produção e pelo consumo,
15 é a fonte de novos totalitarismos, mais facilmente aceitos graças à confusão de espírito que se instala. Tem as mesmas origens a produção, na base mesma da vida social, de uma violência estrutural, facilmente visível nas formas de agir dos Estados, das empresas e dos
20 indivíduos. A perversidade sistêmica é um dos seus corolários. Dentro desse quadro, as pessoas sentem-se desamparadas, o que também constitui uma incitação a que adotem, em seus comportamentos ordinários,
25 práticas que alguns decênios atrás eram moralmente condenadas. Há um verdadeiro retrocesso quanto à noção de bem público e de solidariedade, do qual é emblemático o encolhimento das funções sociais e políticas do Estado com a ampliação da pobreza e os
30 crescentes agravos à soberania, enquanto se amplia o papel político das empresas na regulação da vida social. [...] Um dos traços marcantes do atual período histórico é, pois, o papel verdadeiramente despótico da informação.[...] O que é transmitido à maioria da
35 humanidade é, de fato, uma informação manipulada que, em lugar de esclarecer, confunde.[...] O fato de que, no mundo de hoje, o discurso antecede quase obrigatoriamente uma parte substancial das ações humanas — sejam elas a técnica, a produção, o
40 consumo, o poder — explica o porquê da presença generalizada do ideológico em todos esses pontos. Não é de estranhar, pois, que realidade e ideologia se confundam na apreciação do homem comum, sobretudo porque a ideologia se insere nos objetos e apresenta-se
45 como coisa. Estamos diante de um novo “encantamento do mundo”, no qual o discurso e a retórica são o princípio e o fim. Esse imperativo e essa onipresença da informação são insidiosos, já que a informação atual tem dois rostos, um pelo qual ela busca instruir, e um outro, pelo qual ela 50 busca convencer.[...] Há uma relação carnal entre o mundo da produção da notícia e o mundo da produção
das coisas e das normas. A publicidade tem, hoje, uma
penetração muito grande em todas as atividades.[...]
Hoje, propaga-se tudo, e a própria política é, em grande
55 parte, subordinada às suas regras. As mídias nacionais se globalizam não apenas pela chatice e mesmice das fotografias e dos títulos, mas pelos protagonistas mais presentes. Falsificam-se os eventos, já que não é propriamente o fato o que a
60 mídia nos dá, mas uma interpretação, isto é, a notícia.[...] O evento já é entregue maquiado ao leitor, ao ouvinte, ao telespectador, e é também por isso que se produzem no mundo de hoje, simultaneamente, fábulas e mitos.
SANTOS, Milton. Uma globalização perversa. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 17.ed. Rio de Janeiro: Record, 2008, p. 37-39. Adaptado.
Sobre os aspectos linguísticos presentes no texto, é correto afirmar:
Os últimos anos do século XX testemunharam grandes mudanças em toda face da Terra. O mundo torna-se unificado — em virtude das novas condições técnicas, bases sólidas para uma ação humana
5 mundializada. Esta, entretanto, impõe-se à maior parte da humanidade como uma globalização perversa. Consideramos, em primeiro lugar, a emergência de uma dupla tirania, a do dinheiro e a da informação, intimamente relacionadas. Ambas, juntas, fornecem as
10 bases do sistema ideológico que legitima as ações mais características da época e, ao mesmo tempo, buscam conformar segundo um novo ethos as relações sociais e interpessoais, influenciando o caráter das pessoas. A competitividade, sugerida pela produção e pelo consumo,
15 é a fonte de novos totalitarismos, mais facilmente aceitos graças à confusão de espírito que se instala. Tem as mesmas origens a produção, na base mesma da vida social, de uma violência estrutural, facilmente visível nas formas de agir dos Estados, das empresas e dos
20 indivíduos. A perversidade sistêmica é um dos seus corolários. Dentro desse quadro, as pessoas sentem-se desamparadas, o que também constitui uma incitação a que adotem, em seus comportamentos ordinários,
25 práticas que alguns decênios atrás eram moralmente condenadas. Há um verdadeiro retrocesso quanto à noção de bem público e de solidariedade, do qual é emblemático o encolhimento das funções sociais e políticas do Estado com a ampliação da pobreza e os
30 crescentes agravos à soberania, enquanto se amplia o papel político das empresas na regulação da vida social. [...] Um dos traços marcantes do atual período histórico é, pois, o papel verdadeiramente despótico da informação.[...] O que é transmitido à maioria da
35 humanidade é, de fato, uma informação manipulada que, em lugar de esclarecer, confunde.[...] O fato de que, no mundo de hoje, o discurso antecede quase obrigatoriamente uma parte substancial das ações humanas — sejam elas a técnica, a produção, o
40 consumo, o poder — explica o porquê da presença generalizada do ideológico em todos esses pontos. Não é de estranhar, pois, que realidade e ideologia se confundam na apreciação do homem comum, sobretudo porque a ideologia se insere nos objetos e apresenta-se
45 como coisa. Estamos diante de um novo “encantamento do mundo”, no qual o discurso e a retórica são o princípio e o fim. Esse imperativo e essa onipresença da informação são insidiosos, já que a informação atual tem dois rostos, um pelo qual ela busca instruir, e um outro, pelo qual ela 50 busca convencer.[...] Há uma relação carnal entre o mundo da produção da notícia e o mundo da produção
das coisas e das normas. A publicidade tem, hoje, uma
penetração muito grande em todas as atividades.[...]
Hoje, propaga-se tudo, e a própria política é, em grande
55 parte, subordinada às suas regras. As mídias nacionais se globalizam não apenas pela chatice e mesmice das fotografias e dos títulos, mas pelos protagonistas mais presentes. Falsificam-se os eventos, já que não é propriamente o fato o que a
60 mídia nos dá, mas uma interpretação, isto é, a notícia.[...] O evento já é entregue maquiado ao leitor, ao ouvinte, ao telespectador, e é também por isso que se produzem no mundo de hoje, simultaneamente, fábulas e mitos.
SANTOS, Milton. Uma globalização perversa. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 17.ed. Rio de Janeiro: Record, 2008, p. 37-39. Adaptado.
As ideias apresentadas no texto permitem afirmar que o articulista estabelece uma relação direta entre
Os últimos anos do século XX testemunharam grandes mudanças em toda face da Terra. O mundo torna-se unificado — em virtude das novas condições técnicas, bases sólidas para uma ação humana
5 mundializada. Esta, entretanto, impõe-se à maior parte da humanidade como uma globalização perversa. Consideramos, em primeiro lugar, a emergência de uma dupla tirania, a do dinheiro e a da informação, intimamente relacionadas. Ambas, juntas, fornecem as
10 bases do sistema ideológico que legitima as ações mais características da época e, ao mesmo tempo, buscam conformar segundo um novo ethos as relações sociais e interpessoais, influenciando o caráter das pessoas. A competitividade, sugerida pela produção e pelo consumo,
15 é a fonte de novos totalitarismos, mais facilmente aceitos graças à confusão de espírito que se instala. Tem as mesmas origens a produção, na base mesma da vida social, de uma violência estrutural, facilmente visível nas formas de agir dos Estados, das empresas e dos
20 indivíduos. A perversidade sistêmica é um dos seus corolários. Dentro desse quadro, as pessoas sentem-se desamparadas, o que também constitui uma incitação a que adotem, em seus comportamentos ordinários,
25 práticas que alguns decênios atrás eram moralmente condenadas. Há um verdadeiro retrocesso quanto à noção de bem público e de solidariedade, do qual é emblemático o encolhimento das funções sociais e políticas do Estado com a ampliação da pobreza e os
30 crescentes agravos à soberania, enquanto se amplia o papel político das empresas na regulação da vida social. [...] Um dos traços marcantes do atual período histórico é, pois, o papel verdadeiramente despótico da informação.[...] O que é transmitido à maioria da
35 humanidade é, de fato, uma informação manipulada que, em lugar de esclarecer, confunde.[...] O fato de que, no mundo de hoje, o discurso antecede quase obrigatoriamente uma parte substancial das ações humanas — sejam elas a técnica, a produção, o
40 consumo, o poder — explica o porquê da presença generalizada do ideológico em todos esses pontos. Não é de estranhar, pois, que realidade e ideologia se confundam na apreciação do homem comum, sobretudo porque a ideologia se insere nos objetos e apresenta-se
45 como coisa. Estamos diante de um novo “encantamento do mundo”, no qual o discurso e a retórica são o princípio e o fim. Esse imperativo e essa onipresença da informação são insidiosos, já que a informação atual tem dois rostos, um pelo qual ela busca instruir, e um outro, pelo qual ela 50 busca convencer.[...] Há uma relação carnal entre o mundo da produção da notícia e o mundo da produção
das coisas e das normas. A publicidade tem, hoje, uma
penetração muito grande em todas as atividades.[...]
Hoje, propaga-se tudo, e a própria política é, em grande
55 parte, subordinada às suas regras. As mídias nacionais se globalizam não apenas pela chatice e mesmice das fotografias e dos títulos, mas pelos protagonistas mais presentes. Falsificam-se os eventos, já que não é propriamente o fato o que a
60 mídia nos dá, mas uma interpretação, isto é, a notícia.[...] O evento já é entregue maquiado ao leitor, ao ouvinte, ao telespectador, e é também por isso que se produzem no mundo de hoje, simultaneamente, fábulas e mitos.
SANTOS, Milton. Uma globalização perversa. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 17.ed. Rio de Janeiro: Record, 2008, p. 37-39. Adaptado.
A afirmação sobre a passagem transcrita do texto está correta em
O homem é um animal falante e mortal, dizia Aristóteles. E, como ele, muitos outros filósofos associam a humanidade do homem à condição da fala. Heidegger dizia que construímos não só nossa
5 humanidade, mas também nossa singularidade através da linguagem. Para Hannah Arendt, falar nos iguala aos outros tanto quanto nos distingue deles. Ao falar, os homens se comunicam uns com os outros, e a palavra comunicar
10 quer dizer tornar comum. Como os homens falam e agem, falar e agir estão sempre associados, à medida que as palavras dão significado aos nossos atos e, assim, mostram nossas intenções, nossos princípios e motivos e, enfim, revelam a pessoa que somos.
15 A filosofia contemporânea também revelou que a realidade não subsiste em si mesma, mas só aparece como realidade quando é percebida pela nossa consciência, e se essa consciência for compartilhada com outros.
20 Do mesmo modo, a realidade do nosso eu só é assegurada quando outros nos veem, nos ouvem, quer dizer, nos testemunham. É o testemunho dos outros que nos torna reais, e que efetiva tudo o que e como fizemos e dissemos. nário em que podiam aparecer para os outros e exibir sua excelência, ou seu virtuosismo. A febre de celebridade que toma conta do nosso 30 tempo leva as pessoas a se lançarem ávidas sobre qualquer oportunidade de exibição e reconhecimento, mesmo sem nenhuma excelência ou virtuosismo. Mas se o testemunho dos outros e os registros salvam nossa existência e a afirmação de nossa
35 singularidade da dissolução e do esquecimento, podem também dar uma persistência indelével ao que gostaríamos de manter no ocultamento. Ao garantir nossa exposição, esses registros e testemunhos também nos mantêm presas da
40 interpretação e da memória dos outros. Quanto mais idade temos, mais cresce o desejo de recolhimento e de estarmos abrigados da opinião pública. Isso não acontece com os jovens, que dependem dessa exibição como uma ponte para o mundo.
45 Talvez por isso se exponham sem pensar e sem querer, sem saber diferenciar o privado do que é público, sem ainda poder avaliar a preciosidade da intimidade e o valor inestimável da vida e da própria singularidade. A marca do testemunho é que ele torna os acontecimentos
50 irreversíveis, e o mal, sem remédio. Talvez seja por isso que, quando expostas nas redes sociais em uma intimidade primeiramente consentida e só depois compreendida, adolescentes tirem a própria vida.
CRITELLI, Dulce. Disponível em: http://www.cartaeducacao.com.br/ artigo/somos-todos-testemunhas. Acesso em: 10 fev. 2106. Adaptado.
Analisando-se a estrutura redacional em que a articulista se expressou, pode-se afirmar
O homem é um animal falante e mortal, dizia Aristóteles. E, como ele, muitos outros filósofos associam a humanidade do homem à condição da fala. Heidegger dizia que construímos não só nossa
5 humanidade, mas também nossa singularidade através da linguagem. Para Hannah Arendt, falar nos iguala aos outros tanto quanto nos distingue deles. Ao falar, os homens se comunicam uns com os outros, e a palavra comunicar
10 quer dizer tornar comum. Como os homens falam e agem, falar e agir estão sempre associados, à medida que as palavras dão significado aos nossos atos e, assim, mostram nossas intenções, nossos princípios e motivos e, enfim, revelam a pessoa que somos.
15 A filosofia contemporânea também revelou que a realidade não subsiste em si mesma, mas só aparece como realidade quando é percebida pela nossa consciência, e se essa consciência for compartilhada com outros.
20 Do mesmo modo, a realidade do nosso eu só é assegurada quando outros nos veem, nos ouvem, quer dizer, nos testemunham. É o testemunho dos outros que nos torna reais, e que efetiva tudo o que e como fizemos e dissemos. nário em que podiam aparecer para os outros e exibir sua excelência, ou seu virtuosismo. A febre de celebridade que toma conta do nosso 30 tempo leva as pessoas a se lançarem ávidas sobre qualquer oportunidade de exibição e reconhecimento, mesmo sem nenhuma excelência ou virtuosismo. Mas se o testemunho dos outros e os registros salvam nossa existência e a afirmação de nossa
35 singularidade da dissolução e do esquecimento, podem também dar uma persistência indelével ao que gostaríamos de manter no ocultamento. Ao garantir nossa exposição, esses registros e testemunhos também nos mantêm presas da
40 interpretação e da memória dos outros. Quanto mais idade temos, mais cresce o desejo de recolhimento e de estarmos abrigados da opinião pública. Isso não acontece com os jovens, que dependem dessa exibição como uma ponte para o mundo.
45 Talvez por isso se exponham sem pensar e sem querer, sem saber diferenciar o privado do que é público, sem ainda poder avaliar a preciosidade da intimidade e o valor inestimável da vida e da própria singularidade. A marca do testemunho é que ele torna os acontecimentos
50 irreversíveis, e o mal, sem remédio. Talvez seja por isso que, quando expostas nas redes sociais em uma intimidade primeiramente consentida e só depois compreendida, adolescentes tirem a própria vida.
CRITELLI, Dulce. Disponível em: http://www.cartaeducacao.com.br/ artigo/somos-todos-testemunhas. Acesso em: 10 fev. 2106. Adaptado.
A análise dos fragmentos retirados do texto está correta em
Fragmento 1
Quem foi esse tal de Archanjo? Alguma figura exponencial, um professor, um doutor, um luminar, um prócer político, ao menos um comerciante rico? Nada disso: um reles bedel da Faculdade de Medicina, pouco mais que um mendigo, praticamente um operário. Espumava o insigne cidadão e eu não lhe nego motivos para tamanha cólera. Dedicara sua existência a clamar contra o porneia, a dissolução dos costumes, os maiôs, Marx e Lênin, o abastardamento da língua portuguesa, “última flor do Lácio”, e que resultados obtivera? Nenhum: impera a pornografia nos livros, no teatro, no cinema e na vida; a dissolução dos costumes fez-se normalidade quotidiana, as moças conduzem a pílula junto ao terço, os maiôs viraram biquínis e olhe lá; como se não bastassem Marx e Lênin, aí estão Mao- Tse-Tung e Fidel Castro, sem falar nos padres, todos eles possuídos do demônio; quanto a livros e língua portuguesaos tomos do ilustre acadêmico, vazados no terso e castiço idioma de Camões e publicados por conta do autor, jazem nas prateleiras das livrarias, em eterna consignação, enquanto vendem-se aos milhares os livros daqueles escribas que desprezam as regras da gramática e reduzem a língua dos clássicos a um subdialeto africano.
AMADO, Jorge. Tenda dos Milagres. 5. ed. São Paulo: Martins, 1970. p. 66.
Fragmento 2
“Não há no mundo gente melhor do que vocês, povo mais civilizado do que o povo mulato da Bahia”, dissera a sueca ao despedir-se na Tenda dos Milagres, em conversa com Lídio, Budião e Aussá. Chegara de longe, vivera com eles, dizia por saber, um saber sem restrições ou dúvidas, de real conhecimento. Por que então o doutor Nilo Argolo – catedrático de Medicina Legal na Faculdade e mentor científico da congregação, com renome de sábio e descomunal biblioteca — escrevera sobre os mestiços da Bahia ... ?
AMADO, Jorge. Tenda dos Milagres. 5. ed. São Paulo: Martins, 1970. p. 119.
Nos fragmentos de Tenda dos Milagres, os personagens Arcanjo e Nilo são evidenciados. Considerando-se o romance em sua totalidade, eles representam parte da sociedade soteropolitana da época.
A alternativa em que essa representação está correta é a