Reforma na corrupção
Como previsto, já arrefece o mais recente debate sobre corrupção. Ainda se discute, sem muito entusiasmo, a absolvição
de uma deputada que foi filmada recebendo um dinheirinho suspeito, mas isso aconteceu antes de ela ser deputada, de
maneira que não vale. Além da forte tendência de os parlamentares não punirem os seus pares, havia o risco do precedente.
Não somente o voto é indecentemente secreto nesses casos, como o precedente poderia expor os pescoços de vários outros
deputados. O que o deputado faz enquanto não é deputado não tem importância, mesmo que ele seja tesoureiro dos ladrões de
Ali Babá.
Aliás, me antecipando um pouco ao que pretendo propor, me veio logo uma ideia prática para acertar de vez esse negócio
de deputado cometendo crimes durante o exercício do mandato. Às vezes - e lembro que errar é humano - o sujeito comete
esses crimezinhos distraído. Esquece, em perfeita boa-fé, que exerce um mandato parlamentar e aí perpetra a falcatrua. Fica
muito chato para ele, se ele for flagrado, e seus atos podem sempre vir à tona, expostos pela imprensa impatriótica. Não é justo
submeter o deputado a essa tensão permanente, afinal de contas, ele é gente como nós.
Minha ideia, como, modéstia à parte, costumam ser as grandes ideias, é muito simples: os deputados usariam uniforme.
Não daria muito trabalho contratar (com dispensa de licitação, dada a urgência do projeto), um estúdio de alta-costura francês
ou italiano, ou ambos, para desenhar esse uniforme. Imagino que seriam mais de um: o de trabalho, usado só
excepcionalmente, o de gala, o de visitar eleitores e assim por diante. Enquanto estiver de uniforme, o deputado é
responsabilizado pelos seus atos ilícitos ou indecorosos. Mas, se estiver à paisana, não se encontra no exercício do mandato e,
portanto, pode fazer o que quiser. (...)
Mas isso é um mero detalhe, uma providência que melhor seria avaliada no conjunto de uma reforma séria, que levasse em
conta nossas características culturais e nossas tradições. (...)
O que cola mesmo aqui são os ensinamentos de líderes como o ex-presidente (gozado, o "ex" enganchou aqui no teclado,
quase não sai), que, em várias ocasiões, torceu o nariz para denúncias de corrupção e disse que aqui era assim mesmo,
sempre tinha sido feito assim e não ia mudar a troco de nada. E assumia posturas coerentes com esse ponto de vista. (...)
Contudo, quando se descobre mais um caso de corrupção, a vida republicana fica bagunçada, as coisas não andam, perdese
trabalho em investigações, gasta-se tempo prendendo e soltando gente e a imprensa, que só serve para atrapalhar, fica
cobrando explicações, embora já saibamos que explicações serão: primeiro desmentidos e em seguida promessas de pronta e
cabal investigação, com a consequente punição dos culpados. Não acontece nada e perdura essa situação monótona, que às
vezes paralisa o País.
A realidade se exibe diante de nós e não a vemos. Em lugar de querer suprimir nossas práticas seculares, que hoje tanto
prosperam, por que não aproveitá-las em nosso favor? (..) O brasileiro preocupado com o assunto já pode sonhar com uma
corrupção moderna, dinâmica e geradora de empregos e renda. E não pensem que esqueci as famosas classes menos
favorecidas, como se dizia antigamente. O mínimo que antevejo é o programa Fraude Fácil, em que qualquer um poderá
habilitar-se ao exercício da boa corrupção, em seu campo de ação favorito. Acho que dá certo, é só testar. E ficar de olho, para
não deixar que algum corrupto corrupto passe a mão no fundo todo, assim também não vale.
João Ubaldo Ribeiro, O Estado de São Paulo. Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,reforma-na-corrupcao,768238,0.htm. Acesso em: 04-9-2011.
Na linha 9 o autor fala em “crimezinhos”, repetindo uma estratégia já usada na linha 2, quando se refere a “dinheirinho”. No contexto em que aparecem, as duas ocorrências de diminutivo:
Reforma na corrupção
Como previsto, já arrefece o mais recente debate sobre corrupção. Ainda se discute, sem muito entusiasmo, a absolvição
de uma deputada que foi filmada recebendo um dinheirinho suspeito, mas isso aconteceu antes de ela ser deputada, de
maneira que não vale. Além da forte tendência de os parlamentares não punirem os seus pares, havia o risco do precedente.
Não somente o voto é indecentemente secreto nesses casos, como o precedente poderia expor os pescoços de vários outros
deputados. O que o deputado faz enquanto não é deputado não tem importância, mesmo que ele seja tesoureiro dos ladrões de
Ali Babá.
Aliás, me antecipando um pouco ao que pretendo propor, me veio logo uma ideia prática para acertar de vez esse negócio
de deputado cometendo crimes durante o exercício do mandato. Às vezes - e lembro que errar é humano - o sujeito comete
esses crimezinhos distraído. Esquece, em perfeita boa-fé, que exerce um mandato parlamentar e aí perpetra a falcatrua. Fica
muito chato para ele, se ele for flagrado, e seus atos podem sempre vir à tona, expostos pela imprensa impatriótica. Não é justo
submeter o deputado a essa tensão permanente, afinal de contas, ele é gente como nós.
Minha ideia, como, modéstia à parte, costumam ser as grandes ideias, é muito simples: os deputados usariam uniforme.
Não daria muito trabalho contratar (com dispensa de licitação, dada a urgência do projeto), um estúdio de alta-costura francês
ou italiano, ou ambos, para desenhar esse uniforme. Imagino que seriam mais de um: o de trabalho, usado só
excepcionalmente, o de gala, o de visitar eleitores e assim por diante. Enquanto estiver de uniforme, o deputado é
responsabilizado pelos seus atos ilícitos ou indecorosos. Mas, se estiver à paisana, não se encontra no exercício do mandato e,
portanto, pode fazer o que quiser. (...)
Mas isso é um mero detalhe, uma providência que melhor seria avaliada no conjunto de uma reforma séria, que levasse em
conta nossas características culturais e nossas tradições. (...)
O que cola mesmo aqui são os ensinamentos de líderes como o ex-presidente (gozado, o "ex" enganchou aqui no teclado,
quase não sai), que, em várias ocasiões, torceu o nariz para denúncias de corrupção e disse que aqui era assim mesmo,
sempre tinha sido feito assim e não ia mudar a troco de nada. E assumia posturas coerentes com esse ponto de vista. (...)
Contudo, quando se descobre mais um caso de corrupção, a vida republicana fica bagunçada, as coisas não andam, perdese
trabalho em investigações, gasta-se tempo prendendo e soltando gente e a imprensa, que só serve para atrapalhar, fica
cobrando explicações, embora já saibamos que explicações serão: primeiro desmentidos e em seguida promessas de pronta e
cabal investigação, com a consequente punição dos culpados. Não acontece nada e perdura essa situação monótona, que às
vezes paralisa o País.
A realidade se exibe diante de nós e não a vemos. Em lugar de querer suprimir nossas práticas seculares, que hoje tanto
prosperam, por que não aproveitá-las em nosso favor? (..) O brasileiro preocupado com o assunto já pode sonhar com uma
corrupção moderna, dinâmica e geradora de empregos e renda. E não pensem que esqueci as famosas classes menos
favorecidas, como se dizia antigamente. O mínimo que antevejo é o programa Fraude Fácil, em que qualquer um poderá
habilitar-se ao exercício da boa corrupção, em seu campo de ação favorito. Acho que dá certo, é só testar. E ficar de olho, para
não deixar que algum corrupto corrupto passe a mão no fundo todo, assim também não vale.
João Ubaldo Ribeiro, O Estado de São Paulo. Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,reforma-na-corrupcao,768238,0.htm. Acesso em: 04-9-2011.
Em relação ao texto na sua íntegra, é correto dizer que:
Reforma na corrupção
Como previsto, já arrefece o mais recente debate sobre corrupção. Ainda se discute, sem muito entusiasmo, a absolvição
de uma deputada que foi filmada recebendo um dinheirinho suspeito, mas isso aconteceu antes de ela ser deputada, de
maneira que não vale. Além da forte tendência de os parlamentares não punirem os seus pares, havia o risco do precedente.
Não somente o voto é indecentemente secreto nesses casos, como o precedente poderia expor os pescoços de vários outros
deputados. O que o deputado faz enquanto não é deputado não tem importância, mesmo que ele seja tesoureiro dos ladrões de
Ali Babá.
Aliás, me antecipando um pouco ao que pretendo propor, me veio logo uma ideia prática para acertar de vez esse negócio
de deputado cometendo crimes durante o exercício do mandato. Às vezes - e lembro que errar é humano - o sujeito comete
esses crimezinhos distraído. Esquece, em perfeita boa-fé, que exerce um mandato parlamentar e aí perpetra a falcatrua. Fica
muito chato para ele, se ele for flagrado, e seus atos podem sempre vir à tona, expostos pela imprensa impatriótica. Não é justo
submeter o deputado a essa tensão permanente, afinal de contas, ele é gente como nós.
Minha ideia, como, modéstia à parte, costumam ser as grandes ideias, é muito simples: os deputados usariam uniforme.
Não daria muito trabalho contratar (com dispensa de licitação, dada a urgência do projeto), um estúdio de alta-costura francês
ou italiano, ou ambos, para desenhar esse uniforme. Imagino que seriam mais de um: o de trabalho, usado só
excepcionalmente, o de gala, o de visitar eleitores e assim por diante. Enquanto estiver de uniforme, o deputado é
responsabilizado pelos seus atos ilícitos ou indecorosos. Mas, se estiver à paisana, não se encontra no exercício do mandato e,
portanto, pode fazer o que quiser. (...)
Mas isso é um mero detalhe, uma providência que melhor seria avaliada no conjunto de uma reforma séria, que levasse em
conta nossas características culturais e nossas tradições. (...)
O que cola mesmo aqui são os ensinamentos de líderes como o ex-presidente (gozado, o "ex" enganchou aqui no teclado,
quase não sai), que, em várias ocasiões, torceu o nariz para denúncias de corrupção e disse que aqui era assim mesmo,
sempre tinha sido feito assim e não ia mudar a troco de nada. E assumia posturas coerentes com esse ponto de vista. (...)
Contudo, quando se descobre mais um caso de corrupção, a vida republicana fica bagunçada, as coisas não andam, perdese
trabalho em investigações, gasta-se tempo prendendo e soltando gente e a imprensa, que só serve para atrapalhar, fica
cobrando explicações, embora já saibamos que explicações serão: primeiro desmentidos e em seguida promessas de pronta e
cabal investigação, com a consequente punição dos culpados. Não acontece nada e perdura essa situação monótona, que às
vezes paralisa o País.
A realidade se exibe diante de nós e não a vemos. Em lugar de querer suprimir nossas práticas seculares, que hoje tanto
prosperam, por que não aproveitá-las em nosso favor? (..) O brasileiro preocupado com o assunto já pode sonhar com uma
corrupção moderna, dinâmica e geradora de empregos e renda. E não pensem que esqueci as famosas classes menos
favorecidas, como se dizia antigamente. O mínimo que antevejo é o programa Fraude Fácil, em que qualquer um poderá
habilitar-se ao exercício da boa corrupção, em seu campo de ação favorito. Acho que dá certo, é só testar. E ficar de olho, para
não deixar que algum corrupto corrupto passe a mão no fundo todo, assim também não vale.
João Ubaldo Ribeiro, O Estado de São Paulo. Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,reforma-na-corrupcao,768238,0.htm. Acesso em: 04-9-2011.
Sobre o trecho “gozado, o ‘ex’ enganchouaqui no teclado, quase não sai” (linhas 20-21), considere as seguintes assertivas:
I. Com ele, o autor tece uma crítica à tecnologia, que, muitas vezes, apesar de avançada, compromete a qualidade do trabalho.
II. Faz uma referência implícita à tentativa de permanência do ex-presidente da República nos altos escalões de poder.
III. As aspas em “ex” marcam a ironia do autor em relação àquilo que diz.
IV. A oração “quase não sai” é independente sintaticamente em relação à anterior.
Somente é correto o que se afirma em:
Reforma na corrupção
Como previsto, já arrefece o mais recente debate sobre corrupção. Ainda se discute, sem muito entusiasmo, a absolvição
de uma deputada que foi filmada recebendo um dinheirinho suspeito, mas isso aconteceu antes de ela ser deputada, de
maneira que não vale. Além da forte tendência de os parlamentares não punirem os seus pares, havia o risco do precedente.
Não somente o voto é indecentemente secreto nesses casos, como o precedente poderia expor os pescoços de vários outros
deputados. O que o deputado faz enquanto não é deputado não tem importância, mesmo que ele seja tesoureiro dos ladrões de
Ali Babá.
Aliás, me antecipando um pouco ao que pretendo propor, me veio logo uma ideia prática para acertar de vez esse negócio
de deputado cometendo crimes durante o exercício do mandato. Às vezes - e lembro que errar é humano - o sujeito comete
esses crimezinhos distraído. Esquece, em perfeita boa-fé, que exerce um mandato parlamentar e aí perpetra a falcatrua. Fica
muito chato para ele, se ele for flagrado, e seus atos podem sempre vir à tona, expostos pela imprensa impatriótica. Não é justo
submeter o deputado a essa tensão permanente, afinal de contas, ele é gente como nós.
Minha ideia, como, modéstia à parte, costumam ser as grandes ideias, é muito simples: os deputados usariam uniforme.
Não daria muito trabalho contratar (com dispensa de licitação, dada a urgência do projeto), um estúdio de alta-costura francês
ou italiano, ou ambos, para desenhar esse uniforme. Imagino que seriam mais de um: o de trabalho, usado só
excepcionalmente, o de gala, o de visitar eleitores e assim por diante. Enquanto estiver de uniforme, o deputado é
responsabilizado pelos seus atos ilícitos ou indecorosos. Mas, se estiver à paisana, não se encontra no exercício do mandato e,
portanto, pode fazer o que quiser. (...)
Mas isso é um mero detalhe, uma providência que melhor seria avaliada no conjunto de uma reforma séria, que levasse em
conta nossas características culturais e nossas tradições. (...)
O que cola mesmo aqui são os ensinamentos de líderes como o ex-presidente (gozado, o "ex" enganchou aqui no teclado,
quase não sai), que, em várias ocasiões, torceu o nariz para denúncias de corrupção e disse que aqui era assim mesmo,
sempre tinha sido feito assim e não ia mudar a troco de nada. E assumia posturas coerentes com esse ponto de vista. (...)
Contudo, quando se descobre mais um caso de corrupção, a vida republicana fica bagunçada, as coisas não andam, perdese
trabalho em investigações, gasta-se tempo prendendo e soltando gente e a imprensa, que só serve para atrapalhar, fica
cobrando explicações, embora já saibamos que explicações serão: primeiro desmentidos e em seguida promessas de pronta e
cabal investigação, com a consequente punição dos culpados. Não acontece nada e perdura essa situação monótona, que às
vezes paralisa o País.
A realidade se exibe diante de nós e não a vemos. Em lugar de querer suprimir nossas práticas seculares, que hoje tanto
prosperam, por que não aproveitá-las em nosso favor? (..) O brasileiro preocupado com o assunto já pode sonhar com uma
corrupção moderna, dinâmica e geradora de empregos e renda. E não pensem que esqueci as famosas classes menos
favorecidas, como se dizia antigamente. O mínimo que antevejo é o programa Fraude Fácil, em que qualquer um poderá
habilitar-se ao exercício da boa corrupção, em seu campo de ação favorito. Acho que dá certo, é só testar. E ficar de olho, para
não deixar que algum corrupto corrupto passe a mão no fundo todo, assim também não vale.
João Ubaldo Ribeiro, O Estado de São Paulo. Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,reforma-na-corrupcao,768238,0.htm. Acesso em: 04-9-2011.
A única relação a que o texto não se refere é:
Reforma na corrupção
Como previsto, já arrefece o mais recente debate sobre corrupção. Ainda se discute, sem muito entusiasmo, a absolvição
de uma deputada que foi filmada recebendo um dinheirinho suspeito, mas isso aconteceu antes de ela ser deputada, de
maneira que não vale. Além da forte tendência de os parlamentares não punirem os seus pares, havia o risco do precedente.
Não somente o voto é indecentemente secreto nesses casos, como o precedente poderia expor os pescoços de vários outros
deputados. O que o deputado faz enquanto não é deputado não tem importância, mesmo que ele seja tesoureiro dos ladrões de
Ali Babá.
Aliás, me antecipando um pouco ao que pretendo propor, me veio logo uma ideia prática para acertar de vez esse negócio
de deputado cometendo crimes durante o exercício do mandato. Às vezes - e lembro que errar é humano - o sujeito comete
esses crimezinhos distraído. Esquece, em perfeita boa-fé, que exerce um mandato parlamentar e aí perpetra a falcatrua. Fica
muito chato para ele, se ele for flagrado, e seus atos podem sempre vir à tona, expostos pela imprensa impatriótica. Não é justo
submeter o deputado a essa tensão permanente, afinal de contas, ele é gente como nós.
Minha ideia, como, modéstia à parte, costumam ser as grandes ideias, é muito simples: os deputados usariam uniforme.
Não daria muito trabalho contratar (com dispensa de licitação, dada a urgência do projeto), um estúdio de alta-costura francês
ou italiano, ou ambos, para desenhar esse uniforme. Imagino que seriam mais de um: o de trabalho, usado só
excepcionalmente, o de gala, o de visitar eleitores e assim por diante. Enquanto estiver de uniforme, o deputado é
responsabilizado pelos seus atos ilícitos ou indecorosos. Mas, se estiver à paisana, não se encontra no exercício do mandato e,
portanto, pode fazer o que quiser. (...)
Mas isso é um mero detalhe, uma providência que melhor seria avaliada no conjunto de uma reforma séria, que levasse em
conta nossas características culturais e nossas tradições. (...)
O que cola mesmo aqui são os ensinamentos de líderes como o ex-presidente (gozado, o "ex" enganchou aqui no teclado,
quase não sai), que, em várias ocasiões, torceu o nariz para denúncias de corrupção e disse que aqui era assim mesmo,
sempre tinha sido feito assim e não ia mudar a troco de nada. E assumia posturas coerentes com esse ponto de vista. (...)
Contudo, quando se descobre mais um caso de corrupção, a vida republicana fica bagunçada, as coisas não andam, perdese
trabalho em investigações, gasta-se tempo prendendo e soltando gente e a imprensa, que só serve para atrapalhar, fica
cobrando explicações, embora já saibamos que explicações serão: primeiro desmentidos e em seguida promessas de pronta e
cabal investigação, com a consequente punição dos culpados. Não acontece nada e perdura essa situação monótona, que às
vezes paralisa o País.
A realidade se exibe diante de nós e não a vemos. Em lugar de querer suprimir nossas práticas seculares, que hoje tanto
prosperam, por que não aproveitá-las em nosso favor? (..) O brasileiro preocupado com o assunto já pode sonhar com uma
corrupção moderna, dinâmica e geradora de empregos e renda. E não pensem que esqueci as famosas classes menos
favorecidas, como se dizia antigamente. O mínimo que antevejo é o programa Fraude Fácil, em que qualquer um poderá
habilitar-se ao exercício da boa corrupção, em seu campo de ação favorito. Acho que dá certo, é só testar. E ficar de olho, para
não deixar que algum corrupto corrupto passe a mão no fundo todo, assim também não vale.
João Ubaldo Ribeiro, O Estado de São Paulo. Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,reforma-na-corrupcao,768238,0.htm. Acesso em: 04-9-2011.
Em relação à construção dos sentidos do texto, somente é incorreto o que se afirma em:
Reforma na corrupção
Como previsto, já arrefece o mais recente debate sobre corrupção. Ainda se discute, sem muito entusiasmo, a absolvição
de uma deputada que foi filmada recebendo um dinheirinho suspeito, mas isso aconteceu antes de ela ser deputada, de
maneira que não vale. Além da forte tendência de os parlamentares não punirem os seus pares, havia o risco do precedente.
Não somente o voto é indecentemente secreto nesses casos, como o precedente poderia expor os pescoços de vários outros
deputados. O que o deputado faz enquanto não é deputado não tem importância, mesmo que ele seja tesoureiro dos ladrões de
Ali Babá.
Aliás, me antecipando um pouco ao que pretendo propor, me veio logo uma ideia prática para acertar de vez esse negócio
de deputado cometendo crimes durante o exercício do mandato. Às vezes - e lembro que errar é humano - o sujeito comete
esses crimezinhos distraído. Esquece, em perfeita boa-fé, que exerce um mandato parlamentar e aí perpetra a falcatrua. Fica
muito chato para ele, se ele for flagrado, e seus atos podem sempre vir à tona, expostos pela imprensa impatriótica. Não é justo
submeter o deputado a essa tensão permanente, afinal de contas, ele é gente como nós.
Minha ideia, como, modéstia à parte, costumam ser as grandes ideias, é muito simples: os deputados usariam uniforme.
Não daria muito trabalho contratar (com dispensa de licitação, dada a urgência do projeto), um estúdio de alta-costura francês
ou italiano, ou ambos, para desenhar esse uniforme. Imagino que seriam mais de um: o de trabalho, usado só
excepcionalmente, o de gala, o de visitar eleitores e assim por diante. Enquanto estiver de uniforme, o deputado é
responsabilizado pelos seus atos ilícitos ou indecorosos. Mas, se estiver à paisana, não se encontra no exercício do mandato e,
portanto, pode fazer o que quiser. (...)
Mas isso é um mero detalhe, uma providência que melhor seria avaliada no conjunto de uma reforma séria, que levasse em
conta nossas características culturais e nossas tradições. (...)
O que cola mesmo aqui são os ensinamentos de líderes como o ex-presidente (gozado, o "ex" enganchou aqui no teclado,
quase não sai), que, em várias ocasiões, torceu o nariz para denúncias de corrupção e disse que aqui era assim mesmo,
sempre tinha sido feito assim e não ia mudar a troco de nada. E assumia posturas coerentes com esse ponto de vista. (...)
Contudo, quando se descobre mais um caso de corrupção, a vida republicana fica bagunçada, as coisas não andam, perdese
trabalho em investigações, gasta-se tempo prendendo e soltando gente e a imprensa, que só serve para atrapalhar, fica
cobrando explicações, embora já saibamos que explicações serão: primeiro desmentidos e em seguida promessas de pronta e
cabal investigação, com a consequente punição dos culpados. Não acontece nada e perdura essa situação monótona, que às
vezes paralisa o País.
A realidade se exibe diante de nós e não a vemos. Em lugar de querer suprimir nossas práticas seculares, que hoje tanto
prosperam, por que não aproveitá-las em nosso favor? (..) O brasileiro preocupado com o assunto já pode sonhar com uma
corrupção moderna, dinâmica e geradora de empregos e renda. E não pensem que esqueci as famosas classes menos
favorecidas, como se dizia antigamente. O mínimo que antevejo é o programa Fraude Fácil, em que qualquer um poderá
habilitar-se ao exercício da boa corrupção, em seu campo de ação favorito. Acho que dá certo, é só testar. E ficar de olho, para
não deixar que algum corrupto corrupto passe a mão no fundo todo, assim também não vale.
João Ubaldo Ribeiro, O Estado de São Paulo. Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,reforma-na-corrupcao,768238,0.htm. Acesso em: 04-9-2011.
Examine as seguintes proposições relacionadas à pontuação do texto:
I. Caso se retirasse o trecho “como, modéstia à parte, costumam ser as grandes ideias” (linha 12), não se justificaria o uso da vírgula nesse período.
II. A vírgula após as palavras “corrupção” (linha 23) e “monótona” (linha 26) é opcional.
III. Caso se retirassem as vírgulas da expressão “que só serve para atrapalhar” (linha 24) não haveria substancial alteração de sentido.
IV. A expressão “preocupado com o assunto”, caso estivesse entre vírgulas, modificaria substancialmente o sentido do termo “brasileiro” (linha 29).
Assinale a alternativa que apresenta as proposições verdadeiras: