O PERIGO DE UMA ÚNICA HISTÓRIA
Marcos Rolim
Você conhece Chimamanda Ngozi Adichie? Se não conhece, permita que eu a apresente.
Chimamanda (38 anos) é uma escritora nigeriana de excepcional qualidade. Seus trabalhos já
receberam traduções em mais de 30 idiomas e três dos seus romances (Americanah, Hibisco Roxo e
Meio Sol Amarelo) foram lançados no Brasil pela Companhia das Letras. Ela foi uma das
[5] convidadas do projeto TED ideas worth spreading, uma iniciativa global de promoção de palestras
curtas, não mais que 18 minutos, com pessoas que realmente têm algo importante a dizer. Em 2009,
Chimamanda falou no TED sobre Os perigos de uma única história.
O que ela conta é que, ainda criança, lia muitas histórias britânicas e americanas. Por isso, seus
textos infantis eram povoados por personagens loiras, que comiam maçãs, brincavam na neve e que
[10] se alegravam quando o sol aparecia. Assim, apesar de viver na Nigéria, um lugar onde as pessoas
são quase todas negras como ela, onde se come manga e não há surpresas com o sol, os livros
haviam produzido uma realidade imaginária na criança, mais forte que seu próprio mundo.
Chimamanda conclui que isto demonstra o quanto somos vulneráveis a uma história.
Quando ela encontrou os primeiros romances africanos, percebeu que pessoas com a pele cor
[15] de chocolate e com cabelos que não permitiam formar rabos-de-cavalo também poderiam ser
personagens literários. Os autores africanos, diz ela, a salvaram de ter uma única história sobre a
literatura. Chimamanda conta que nasceu em uma família de classe média e que havia uma
empregada doméstica na casa de seus pais. E também um menino de nome Fide, o filho da
empregada. Só o que lhe disseram sobre Fide é que ele era muito pobre e que era preciso mandar
[20] roupas e alimentos para sua família.
Aos oito anos, Chimamanda acompanhou sua mãe em uma visita à aldeia próxima onde Fide
morava. Então, a mãe do menino mostrou uma linda peça de artesanato, feita pelo irmão de Fide. O
fato impressionou Chimamanda, porque ela nunca poderia imaginar que alguém em uma família
tão pobre pudesse criar algo. A única história que havia ouvido a respeito deles a impedia de vê-los
[25] para além da pobreza. Aos 19 anos, ela voltou a pensar sobre isso quando foi estudar nos EUA. A
colega de quarto dela, uma americana, ficou chocada quando percebeu que Chimamanda tinha um
inglês perfeito e quis saber onde ela tinha aprendido. A moça ficou surpresa ao ser informada que o
inglês é o idioma oficial da Nigéria. Então, perguntou se Chimamanda poderia lhe mostrar uma
“música tribal”, ficando desapontada quando ela disse que curtia Mariah Carey. A americana
[30] também presumiu que Chimamanda não saberia como usar o fogão. Antes de conhecê-la, ela sentia
pena da “pobre nigeriana”, porque tinha uma única história sobre a África. Nesta única história, não
havia a possibilidade de uma africana ser, em muitas coisas, bem parecida com uma americana.
A palestra é genial e espero ter despertado sua curiosidade para assisti-la. O tema se presta a
uma reflexão sobre a realidade brasileira. Até que ponto não estamos todos superlotados de histórias
[35] únicas? Até que ponto a dignidade das pessoas não tem sido subtraída pela repetição insistente de
estereótipos? Pensem, por exemplo, nos contenciosos políticos em curso e nos seus principais
protagonistas. Quantas histórias temos de cada um deles? Quantas, além da única que nos
contaram? Agora lancem um olhar sobre grupos humanos específicos como, por exemplo, os
nordestinos, ou os presos, ou os homossexuais, ou os índios. Quantas são as histórias que nos foram
[40] contadas sobre eles? Não seriam as pessoas destes grupos tão diferentes entre si quanto são todas as
demais não inseridas em grupo algum? Os significados que portamos a respeito destes e de outros
grupos não são exatamente aqueles que nos têm sido oferecidos pela mídia? Não seria esta a forma
mais efetiva e radical do exercício do poder nas sociedades contemporâneas? Regrar o mundo de
acordo com o que penso dele, de tal forma que os demais imaginem que as noções que
[45] compartilham são de fato suas e não exatamente aquelas que eu produzi. Não seria este, afinal, o
crime perfeito?
A forma diferente de iniciar o texto, fugindo de uma tradicional introdução,
I – produz certa dificuldade para compreender sobre o que aborda o texto.
II – utiliza o exemplo específico como estratégia para a leitura, levando o leitor a conhecer melhor esse assunto e suas implicações.
III – enfraquece a força argumentativa, uma vez que se constrói a partir de um caso que não é emblemático, tampouco pode ser usado como generalização ou de forma paradigmática.
IV – demonstra claramente o risco de utilização de estrangeirismos, numa descaracterização da língua pátria, criando dificuldade de compreensão no parágrafo.
Assinale a alternativa que avalia corretamente as afirmativas.
O PERIGO DE UMA ÚNICA HISTÓRIA
Marcos Rolim
Você conhece Chimamanda Ngozi Adichie? Se não conhece, permita que eu a apresente.
Chimamanda (38 anos) é uma escritora nigeriana de excepcional qualidade. Seus trabalhos já
receberam traduções em mais de 30 idiomas e três dos seus romances (Americanah, Hibisco Roxo e
Meio Sol Amarelo) foram lançados no Brasil pela Companhia das Letras. Ela foi uma das
[5] convidadas do projeto TED ideas worth spreading, uma iniciativa global de promoção de palestras
curtas, não mais que 18 minutos, com pessoas que realmente têm algo importante a dizer. Em 2009,
Chimamanda falou no TED sobre Os perigos de uma única história.
O que ela conta é que, ainda criança, lia muitas histórias britânicas e americanas. Por isso, seus
textos infantis eram povoados por personagens loiras, que comiam maçãs, brincavam na neve e que
[10] se alegravam quando o sol aparecia. Assim, apesar de viver na Nigéria, um lugar onde as pessoas
são quase todas negras como ela, onde se come manga e não há surpresas com o sol, os livros
haviam produzido uma realidade imaginária na criança, mais forte que seu próprio mundo.
Chimamanda conclui que isto demonstra o quanto somos vulneráveis a uma história.
Quando ela encontrou os primeiros romances africanos, percebeu que pessoas com a pele cor
[15] de chocolate e com cabelos que não permitiam formar rabos-de-cavalo também poderiam ser
personagens literários. Os autores africanos, diz ela, a salvaram de ter uma única história sobre a
literatura. Chimamanda conta que nasceu em uma família de classe média e que havia uma
empregada doméstica na casa de seus pais. E também um menino de nome Fide, o filho da
empregada. Só o que lhe disseram sobre Fide é que ele era muito pobre e que era preciso mandar
[20] roupas e alimentos para sua família.
Aos oito anos, Chimamanda acompanhou sua mãe em uma visita à aldeia próxima onde Fide
morava. Então, a mãe do menino mostrou uma linda peça de artesanato, feita pelo irmão de Fide. O
fato impressionou Chimamanda, porque ela nunca poderia imaginar que alguém em uma família
tão pobre pudesse criar algo. A única história que havia ouvido a respeito deles a impedia de vê-los
[25] para além da pobreza. Aos 19 anos, ela voltou a pensar sobre isso quando foi estudar nos EUA. A
colega de quarto dela, uma americana, ficou chocada quando percebeu que Chimamanda tinha um
inglês perfeito e quis saber onde ela tinha aprendido. A moça ficou surpresa ao ser informada que o
inglês é o idioma oficial da Nigéria. Então, perguntou se Chimamanda poderia lhe mostrar uma
“música tribal”, ficando desapontada quando ela disse que curtia Mariah Carey. A americana
[30] também presumiu que Chimamanda não saberia como usar o fogão. Antes de conhecê-la, ela sentia
pena da “pobre nigeriana”, porque tinha uma única história sobre a África. Nesta única história, não
havia a possibilidade de uma africana ser, em muitas coisas, bem parecida com uma americana.
A palestra é genial e espero ter despertado sua curiosidade para assisti-la. O tema se presta a
uma reflexão sobre a realidade brasileira. Até que ponto não estamos todos superlotados de histórias
[35] únicas? Até que ponto a dignidade das pessoas não tem sido subtraída pela repetição insistente de
estereótipos? Pensem, por exemplo, nos contenciosos políticos em curso e nos seus principais
protagonistas. Quantas histórias temos de cada um deles? Quantas, além da única que nos
contaram? Agora lancem um olhar sobre grupos humanos específicos como, por exemplo, os
nordestinos, ou os presos, ou os homossexuais, ou os índios. Quantas são as histórias que nos foram
[40] contadas sobre eles? Não seriam as pessoas destes grupos tão diferentes entre si quanto são todas as
demais não inseridas em grupo algum? Os significados que portamos a respeito destes e de outros
grupos não são exatamente aqueles que nos têm sido oferecidos pela mídia? Não seria esta a forma
mais efetiva e radical do exercício do poder nas sociedades contemporâneas? Regrar o mundo de
acordo com o que penso dele, de tal forma que os demais imaginem que as noções que
[45] compartilham são de fato suas e não exatamente aquelas que eu produzi. Não seria este, afinal, o
crime perfeito?
A coesão de um texto pode ser garantida por estratégias de repetição, retomada e referência de um item lexical citado em um enunciado A ou B e, assim, sucessivamente. Quanto ao emprego de a (linha 1), seus (linhas 2 e 3), Ela (linha 4), podemos dizer que constituem
O PERIGO DE UMA ÚNICA HISTÓRIA
Marcos Rolim
Você conhece Chimamanda Ngozi Adichie? Se não conhece, permita que eu a apresente.
Chimamanda (38 anos) é uma escritora nigeriana de excepcional qualidade. Seus trabalhos já
receberam traduções em mais de 30 idiomas e três dos seus romances (Americanah, Hibisco Roxo e
Meio Sol Amarelo) foram lançados no Brasil pela Companhia das Letras. Ela foi uma das
[5] convidadas do projeto TED ideas worth spreading, uma iniciativa global de promoção de palestras
curtas, não mais que 18 minutos, com pessoas que realmente têm algo importante a dizer. Em 2009,
Chimamanda falou no TED sobre Os perigos de uma única história.
O que ela conta é que, ainda criança, lia muitas histórias britânicas e americanas. Por isso, seus
textos infantis eram povoados por personagens loiras, que comiam maçãs, brincavam na neve e que
[10] se alegravam quando o sol aparecia. Assim, apesar de viver na Nigéria, um lugar onde as pessoas
são quase todas negras como ela, onde se come manga e não há surpresas com o sol, os livros
haviam produzido uma realidade imaginária na criança, mais forte que seu próprio mundo.
Chimamanda conclui que isto demonstra o quanto somos vulneráveis a uma história.
Quando ela encontrou os primeiros romances africanos, percebeu que pessoas com a pele cor
[15] de chocolate e com cabelos que não permitiam formar rabos-de-cavalo também poderiam ser
personagens literários. Os autores africanos, diz ela, a salvaram de ter uma única história sobre a
literatura. Chimamanda conta que nasceu em uma família de classe média e que havia uma
empregada doméstica na casa de seus pais. E também um menino de nome Fide, o filho da
empregada. Só o que lhe disseram sobre Fide é que ele era muito pobre e que era preciso mandar
[20] roupas e alimentos para sua família.
Aos oito anos, Chimamanda acompanhou sua mãe em uma visita à aldeia próxima onde Fide
morava. Então, a mãe do menino mostrou uma linda peça de artesanato, feita pelo irmão de Fide. O
fato impressionou Chimamanda, porque ela nunca poderia imaginar que alguém em uma família
tão pobre pudesse criar algo. A única história que havia ouvido a respeito deles a impedia de vê-los
[25] para além da pobreza. Aos 19 anos, ela voltou a pensar sobre isso quando foi estudar nos EUA. A
colega de quarto dela, uma americana, ficou chocada quando percebeu que Chimamanda tinha um
inglês perfeito e quis saber onde ela tinha aprendido. A moça ficou surpresa ao ser informada que o
inglês é o idioma oficial da Nigéria. Então, perguntou se Chimamanda poderia lhe mostrar uma
“música tribal”, ficando desapontada quando ela disse que curtia Mariah Carey. A americana
[30] também presumiu que Chimamanda não saberia como usar o fogão. Antes de conhecê-la, ela sentia
pena da “pobre nigeriana”, porque tinha uma única história sobre a África. Nesta única história, não
havia a possibilidade de uma africana ser, em muitas coisas, bem parecida com uma americana.
A palestra é genial e espero ter despertado sua curiosidade para assisti-la. O tema se presta a
uma reflexão sobre a realidade brasileira. Até que ponto não estamos todos superlotados de histórias
[35] únicas? Até que ponto a dignidade das pessoas não tem sido subtraída pela repetição insistente de
estereótipos? Pensem, por exemplo, nos contenciosos políticos em curso e nos seus principais
protagonistas. Quantas histórias temos de cada um deles? Quantas, além da única que nos
contaram? Agora lancem um olhar sobre grupos humanos específicos como, por exemplo, os
nordestinos, ou os presos, ou os homossexuais, ou os índios. Quantas são as histórias que nos foram
[40] contadas sobre eles? Não seriam as pessoas destes grupos tão diferentes entre si quanto são todas as
demais não inseridas em grupo algum? Os significados que portamos a respeito destes e de outros
grupos não são exatamente aqueles que nos têm sido oferecidos pela mídia? Não seria esta a forma
mais efetiva e radical do exercício do poder nas sociedades contemporâneas? Regrar o mundo de
acordo com o que penso dele, de tal forma que os demais imaginem que as noções que
[45] compartilham são de fato suas e não exatamente aquelas que eu produzi. Não seria este, afinal, o
crime perfeito?
Considere as proposições a seguir e, logo após, escolha a alternativa que preenche adequadamente os parênteses, de cima para baixo, com (V) para verdadeiro e (F) para falso.
( ) Por isso (linha 8) pode ser substituído por – Em virtude disso, sem prejuízo ao sentido.
( ) Assim (linha 10) tem como papel retomar e resumir conteúdos já enunciados, podendo ser substituído de forma competente por Por essa razão.
( ) Quando ela encontrou (linha 14) pode ser substituído por Ao encontrar, sem alteração do sentido original.
( ) O fato (linhas 22 e 23) poderia ser substituído, sem prejuízo ao sentido, por Tal talento.
O PERIGO DE UMA ÚNICA HISTÓRIA
Marcos Rolim
Você conhece Chimamanda Ngozi Adichie? Se não conhece, permita que eu a apresente.
Chimamanda (38 anos) é uma escritora nigeriana de excepcional qualidade. Seus trabalhos já
receberam traduções em mais de 30 idiomas e três dos seus romances (Americanah, Hibisco Roxo e
Meio Sol Amarelo) foram lançados no Brasil pela Companhia das Letras. Ela foi uma das
[5] convidadas do projeto TED ideas worth spreading, uma iniciativa global de promoção de palestras
curtas, não mais que 18 minutos, com pessoas que realmente têm algo importante a dizer. Em 2009,
Chimamanda falou no TED sobre Os perigos de uma única história.
O que ela conta é que, ainda criança, lia muitas histórias britânicas e americanas. Por isso, seus
textos infantis eram povoados por personagens loiras, que comiam maçãs, brincavam na neve e que
[10] se alegravam quando o sol aparecia. Assim, apesar de viver na Nigéria, um lugar onde as pessoas
são quase todas negras como ela, onde se come manga e não há surpresas com o sol, os livros
haviam produzido uma realidade imaginária na criança, mais forte que seu próprio mundo.
Chimamanda conclui que isto demonstra o quanto somos vulneráveis a uma história.
Quando ela encontrou os primeiros romances africanos, percebeu que pessoas com a pele cor
[15] de chocolate e com cabelos que não permitiam formar rabos-de-cavalo também poderiam ser
personagens literários. Os autores africanos, diz ela, a salvaram de ter uma única história sobre a
literatura. Chimamanda conta que nasceu em uma família de classe média e que havia uma
empregada doméstica na casa de seus pais. E também um menino de nome Fide, o filho da
empregada. Só o que lhe disseram sobre Fide é que ele era muito pobre e que era preciso mandar
[20] roupas e alimentos para sua família.
Aos oito anos, Chimamanda acompanhou sua mãe em uma visita à aldeia próxima onde Fide
morava. Então, a mãe do menino mostrou uma linda peça de artesanato, feita pelo irmão de Fide. O
fato impressionou Chimamanda, porque ela nunca poderia imaginar que alguém em uma família
tão pobre pudesse criar algo. A única história que havia ouvido a respeito deles a impedia de vê-los
[25] para além da pobreza. Aos 19 anos, ela voltou a pensar sobre isso quando foi estudar nos EUA. A
colega de quarto dela, uma americana, ficou chocada quando percebeu que Chimamanda tinha um
inglês perfeito e quis saber onde ela tinha aprendido. A moça ficou surpresa ao ser informada que o
inglês é o idioma oficial da Nigéria. Então, perguntou se Chimamanda poderia lhe mostrar uma
“música tribal”, ficando desapontada quando ela disse que curtia Mariah Carey. A americana
[30] também presumiu que Chimamanda não saberia como usar o fogão. Antes de conhecê-la, ela sentia
pena da “pobre nigeriana”, porque tinha uma única história sobre a África. Nesta única história, não
havia a possibilidade de uma africana ser, em muitas coisas, bem parecida com uma americana.
A palestra é genial e espero ter despertado sua curiosidade para assisti-la. O tema se presta a
uma reflexão sobre a realidade brasileira. Até que ponto não estamos todos superlotados de histórias
[35] únicas? Até que ponto a dignidade das pessoas não tem sido subtraída pela repetição insistente de
estereótipos? Pensem, por exemplo, nos contenciosos políticos em curso e nos seus principais
protagonistas. Quantas histórias temos de cada um deles? Quantas, além da única que nos
contaram? Agora lancem um olhar sobre grupos humanos específicos como, por exemplo, os
nordestinos, ou os presos, ou os homossexuais, ou os índios. Quantas são as histórias que nos foram
[40] contadas sobre eles? Não seriam as pessoas destes grupos tão diferentes entre si quanto são todas as
demais não inseridas em grupo algum? Os significados que portamos a respeito destes e de outros
grupos não são exatamente aqueles que nos têm sido oferecidos pela mídia? Não seria esta a forma
mais efetiva e radical do exercício do poder nas sociedades contemporâneas? Regrar o mundo de
acordo com o que penso dele, de tal forma que os demais imaginem que as noções que
[45] compartilham são de fato suas e não exatamente aquelas que eu produzi. Não seria este, afinal, o
crime perfeito?
Os vocábulos chocada (linha 26), surpresa (linha 27), desapontada (linha 29),
( ) foram empregados apenas para qualificar as reações da americana.
( ) além de qualificarem as reações, constituem também um certo juízo de valor quanto às atitudes da estudante americana que assumira uma outra verdade antes de conhecer de fato a jovem africana e a sua realidade.
( ) podem ser substituídos, sem prejuízo ao sentido, na ordem em que aparecem, por indignada, incrédula e resignada.
Assinale a alternativa que preenche adequadamente os parênteses, de cima para baixo, com (V) para verdadeiro e (F) para falso.
O PERIGO DE UMA ÚNICA HISTÓRIA
Marcos Rolim
Você conhece Chimamanda Ngozi Adichie? Se não conhece, permita que eu a apresente.
Chimamanda (38 anos) é uma escritora nigeriana de excepcional qualidade. Seus trabalhos já
receberam traduções em mais de 30 idiomas e três dos seus romances (Americanah, Hibisco Roxo e
Meio Sol Amarelo) foram lançados no Brasil pela Companhia das Letras. Ela foi uma das
[5] convidadas do projeto TED ideas worth spreading, uma iniciativa global de promoção de palestras
curtas, não mais que 18 minutos, com pessoas que realmente têm algo importante a dizer. Em 2009,
Chimamanda falou no TED sobre Os perigos de uma única história.
O que ela conta é que, ainda criança, lia muitas histórias britânicas e americanas. Por isso, seus
textos infantis eram povoados por personagens loiras, que comiam maçãs, brincavam na neve e que
[10] se alegravam quando o sol aparecia. Assim, apesar de viver na Nigéria, um lugar onde as pessoas
são quase todas negras como ela, onde se come manga e não há surpresas com o sol, os livros
haviam produzido uma realidade imaginária na criança, mais forte que seu próprio mundo.
Chimamanda conclui que isto demonstra o quanto somos vulneráveis a uma história.
Quando ela encontrou os primeiros romances africanos, percebeu que pessoas com a pele cor
[15] de chocolate e com cabelos que não permitiam formar rabos-de-cavalo também poderiam ser
personagens literários. Os autores africanos, diz ela, a salvaram de ter uma única história sobre a
literatura. Chimamanda conta que nasceu em uma família de classe média e que havia uma
empregada doméstica na casa de seus pais. E também um menino de nome Fide, o filho da
empregada. Só o que lhe disseram sobre Fide é que ele era muito pobre e que era preciso mandar
[20] roupas e alimentos para sua família.
Aos oito anos, Chimamanda acompanhou sua mãe em uma visita à aldeia próxima onde Fide
morava. Então, a mãe do menino mostrou uma linda peça de artesanato, feita pelo irmão de Fide. O
fato impressionou Chimamanda, porque ela nunca poderia imaginar que alguém em uma família
tão pobre pudesse criar algo. A única história que havia ouvido a respeito deles a impedia de vê-los
[25] para além da pobreza. Aos 19 anos, ela voltou a pensar sobre isso quando foi estudar nos EUA. A
colega de quarto dela, uma americana, ficou chocada quando percebeu que Chimamanda tinha um
inglês perfeito e quis saber onde ela tinha aprendido. A moça ficou surpresa ao ser informada que o
inglês é o idioma oficial da Nigéria. Então, perguntou se Chimamanda poderia lhe mostrar uma
“música tribal”, ficando desapontada quando ela disse que curtia Mariah Carey. A americana
[30] também presumiu que Chimamanda não saberia como usar o fogão. Antes de conhecê-la, ela sentia
pena da “pobre nigeriana”, porque tinha uma única história sobre a África. Nesta única história, não
havia a possibilidade de uma africana ser, em muitas coisas, bem parecida com uma americana.
A palestra é genial e espero ter despertado sua curiosidade para assisti-la. O tema se presta a
uma reflexão sobre a realidade brasileira. Até que ponto não estamos todos superlotados de histórias
[35] únicas? Até que ponto a dignidade das pessoas não tem sido subtraída pela repetição insistente de
estereótipos? Pensem, por exemplo, nos contenciosos políticos em curso e nos seus principais
protagonistas. Quantas histórias temos de cada um deles? Quantas, além da única que nos
contaram? Agora lancem um olhar sobre grupos humanos específicos como, por exemplo, os
nordestinos, ou os presos, ou os homossexuais, ou os índios. Quantas são as histórias que nos foram
[40] contadas sobre eles? Não seriam as pessoas destes grupos tão diferentes entre si quanto são todas as
demais não inseridas em grupo algum? Os significados que portamos a respeito destes e de outros
grupos não são exatamente aqueles que nos têm sido oferecidos pela mídia? Não seria esta a forma
mais efetiva e radical do exercício do poder nas sociedades contemporâneas? Regrar o mundo de
acordo com o que penso dele, de tal forma que os demais imaginem que as noções que
[45] compartilham são de fato suas e não exatamente aquelas que eu produzi. Não seria este, afinal, o
crime perfeito?
Em superlotados de histórias únicas (linhas 34 e 35),
(12) percebemos um emprego metafórico da linguagem.
(09) existe a possibilidade de substituição por sufocados por histórias únicas, sem prejuízo ao sentido.
(10) superlotados pode ser substituído por povoados sem alteração no sentido original.
(08) a expressão histórias únicas pode ser representada, com a mesma força discursiva, por verdades anacrônicas.
A resposta correta produz o seguinte resultado pela soma dos itens:
O PERIGO DE UMA ÚNICA HISTÓRIA
Marcos Rolim
Você conhece Chimamanda Ngozi Adichie? Se não conhece, permita que eu a apresente.
Chimamanda (38 anos) é uma escritora nigeriana de excepcional qualidade. Seus trabalhos já
receberam traduções em mais de 30 idiomas e três dos seus romances (Americanah, Hibisco Roxo e
Meio Sol Amarelo) foram lançados no Brasil pela Companhia das Letras. Ela foi uma das
[5] convidadas do projeto TED ideas worth spreading, uma iniciativa global de promoção de palestras
curtas, não mais que 18 minutos, com pessoas que realmente têm algo importante a dizer. Em 2009,
Chimamanda falou no TED sobre Os perigos de uma única história.
O que ela conta é que, ainda criança, lia muitas histórias britânicas e americanas. Por isso, seus
textos infantis eram povoados por personagens loiras, que comiam maçãs, brincavam na neve e que
[10] se alegravam quando o sol aparecia. Assim, apesar de viver na Nigéria, um lugar onde as pessoas
são quase todas negras como ela, onde se come manga e não há surpresas com o sol, os livros
haviam produzido uma realidade imaginária na criança, mais forte que seu próprio mundo.
Chimamanda conclui que isto demonstra o quanto somos vulneráveis a uma história.
Quando ela encontrou os primeiros romances africanos, percebeu que pessoas com a pele cor
[15] de chocolate e com cabelos que não permitiam formar rabos-de-cavalo também poderiam ser
personagens literários. Os autores africanos, diz ela, a salvaram de ter uma única história sobre a
literatura. Chimamanda conta que nasceu em uma família de classe média e que havia uma
empregada doméstica na casa de seus pais. E também um menino de nome Fide, o filho da
empregada. Só o que lhe disseram sobre Fide é que ele era muito pobre e que era preciso mandar
[20] roupas e alimentos para sua família.
Aos oito anos, Chimamanda acompanhou sua mãe em uma visita à aldeia próxima onde Fide
morava. Então, a mãe do menino mostrou uma linda peça de artesanato, feita pelo irmão de Fide. O
fato impressionou Chimamanda, porque ela nunca poderia imaginar que alguém em uma família
tão pobre pudesse criar algo. A única história que havia ouvido a respeito deles a impedia de vê-los
[25] para além da pobreza. Aos 19 anos, ela voltou a pensar sobre isso quando foi estudar nos EUA. A
colega de quarto dela, uma americana, ficou chocada quando percebeu que Chimamanda tinha um
inglês perfeito e quis saber onde ela tinha aprendido. A moça ficou surpresa ao ser informada que o
inglês é o idioma oficial da Nigéria. Então, perguntou se Chimamanda poderia lhe mostrar uma
“música tribal”, ficando desapontada quando ela disse que curtia Mariah Carey. A americana
[30] também presumiu que Chimamanda não saberia como usar o fogão. Antes de conhecê-la, ela sentia
pena da “pobre nigeriana”, porque tinha uma única história sobre a África. Nesta única história, não
havia a possibilidade de uma africana ser, em muitas coisas, bem parecida com uma americana.
A palestra é genial e espero ter despertado sua curiosidade para assisti-la. O tema se presta a
uma reflexão sobre a realidade brasileira. Até que ponto não estamos todos superlotados de histórias
[35] únicas? Até que ponto a dignidade das pessoas não tem sido subtraída pela repetição insistente de
estereótipos? Pensem, por exemplo, nos contenciosos políticos em curso e nos seus principais
protagonistas. Quantas histórias temos de cada um deles? Quantas, além da única que nos
contaram? Agora lancem um olhar sobre grupos humanos específicos como, por exemplo, os
nordestinos, ou os presos, ou os homossexuais, ou os índios. Quantas são as histórias que nos foram
[40] contadas sobre eles? Não seriam as pessoas destes grupos tão diferentes entre si quanto são todas as
demais não inseridas em grupo algum? Os significados que portamos a respeito destes e de outros
grupos não são exatamente aqueles que nos têm sido oferecidos pela mídia? Não seria esta a forma
mais efetiva e radical do exercício do poder nas sociedades contemporâneas? Regrar o mundo de
acordo com o que penso dele, de tal forma que os demais imaginem que as noções que
[45] compartilham são de fato suas e não exatamente aquelas que eu produzi. Não seria este, afinal, o
crime perfeito?
No último parágrafo do texto,
I – percebemos que o exemplo da jovem africana com sua história foi empregado como recurso discursivo para levar o leitor a perceber o jogo maniqueísta da produção de uma única verdade, de uma única percepção da história.
II – o exercício do poder está marcado pela criação de histórias únicas, a partir de pontos de vista e verdades unilaterais.
III – segundo a posição defendida, o crime perfeito seria levar o outro a crer nas verdades que a reflexão isenta edificou.
IV – a construção de uma forma de ver o mundo por um único prisma, através de uma única realidade, constitui, na forma discursiva apresentada, o crime que não é percebido como tal.
Assinale a alternativa correta.