A DIFERENÇA ENTRE SER CUTUCADO E ACARICIADO
Uma das sequências de descobertas mais bonitas da neurociência é que o toque não é uma coisa só. Temos o
sentido que “serve” para saber onde algo encosta no corpo, sim, e que formato tem. Este é o tato, um sentido
espacial, que permite ao cérebro casar a representação do que vemos e ouvimos ao nosso redor com o que
encosta em nosso corpo. O sentido do tato é bastante preciso, e causa alerta, sobretudo quando inesperado:
[5] um cutucão no ombro produz movimento da cabeça naquela direção, fato explorado por brincalhões e
ladrões variados.
Mas há o outro sentido de toque da pele, sem qualquer poder de discriminação espacial, inútil para
representarmos o que nos toca, mas poderoso em seu resultado: sensação de conforto e prazer, quando
o toque vem com a sensação de controle de ser desejado, causado por alguém que aceitamos em nosso
[10] espaço social. Este é o toque social, a melhor indicação de que não estamos sozinhos no mundo, que explica
a preferência de bebês-macacos por “mães” macias e quentinhas à “mães” de metal duro e frio providas de
mamadeiras, na falta da própria mãe, e também o efeito poderoso sobre o recém-nascido de ser acariciado
por pele humana. O toque social, com uma certa pressão e sempre algum movimento – nem rápido
demais, nem lento demais – ativa circuitos no cérebro que acalmam corpo e alma, e, nas crianças, propicia
[15] o crescimento.
Uma equipe de pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade de Washington, em Saint Louis, nos
EUA, mostrou recentemente na revista Science que o toque social é mediado por uma classe particular de
neurônios sensoriais, situados em gânglios ao longo da medula espinhal de camundongos, e conectados a
outros dentro da medula.
[20] Usando técnicas genéticas que permitem a identificação, visualização, ativação e mesmo ablação de
neurônios específicas em camundongos, os pesquisadores demonstraram que os neurônios responsáveis
pelo toque social são uma população de neurônios sensoriais que produzem o peptídeo procineticina, e
neurônios medulares que produzem o receptor sensível à procineticina.
Os neurônios que produzem e respondem à procineticina são fundamentais às várias alterações de
[25] comportamento que se seguem quando animais previamente mantidos em isolamento, o que deixa até
camundongos ávidos por contato social, tem a oportunidade de ser gentilmente pincelados quando estão
em uma, mas não em outra, câmara de uma gaiola: eles passam a ficar mais e mais naquela câmara, onde as
pinceladas reduzem sua frequência cardíaca e os acalmam.
O toque social parece ser também um poderoso mediador de interações entre camundongos. Animais
[30] normais investem boa parte do seu tempo lambendo e acariciando uns aos outros – mas animais
desprovidos de procineticina ou seu receptor, e portanto insensível ao tato social, não participam mais em
sessões de limpeza social. É bem possível que esta seja mais uma causa de variação no espectro autista: sem
procineticina, carícias, ainda que bem intencionadas, são percebidas apenas como mais um cutucão.
Suzana Herculano-Houzel. Folha de São Paulo, 17/05/2022.
Use a oração a seguir para responder a questão:
Usando técnicas genéticas que permitem a identificação, visualização, ativação
e mesmo ablação de neurônios específicas em camundongos (l. 20-21)
Transformando a oração acima em uma expressão nominal, o trecho passa a ser introduzido por: