TEXTO:
O equívoco de uma nova lei de imprensa
A cultura brasileira é a de que todos os problemas
sociais podem ser consertados por meio da edição de
alguma lei. Se os problemas do Brasil fossem resolvíveis
por textos legais, já seríamos, há muito, modelo de
5 felicidade e desenvolvimento. Basta qualquer assunto
ganhar notoriedade — assassinato, acidente aéreo,
sequestro, calamidade pública — para pulularem projetos
de lei a fim de proibir procedimentos, aumentar
penalidades, restringir liberdades, como se fossem
10 saídas mágicas para impedir a recorrência dos males.
Poucas sociedades têm um cipoal legislativo mais
intricado que o brasileiro. Muitas das peças que o
compõem são consideradas exemplares pelo mundo
afora. O problema é que, com frequência, muitas
15 simplesmente não são obedecidas. Ou por falta de
pessoal para fiscalizar sua aplicação ou por
desinteresse coletivo em cumpri-las ou por corrupção.
Em poucos outros lugares, haverá expressão como “essa
lei não pegou” para explicar por que determinada
20 legislação, embora vigente, simplesmente não se
cumpre.
O fato é que há enorme simpatia social por leis
que restrinjam a liberdade de expressão. Porque no
Brasil — e aqui somos iguais a todos os povos — a
25 maioria das pessoas é inteiramente a favor da absoluta
liberdade de expressão para o seu próprio discurso e
absolutamente contrária a ela quando se trata do discurso
de seus oponentes, adversários ou inimigos.
Se alguém se sente prejudicado por palavras, que
30 recorra à Justiça e prove que elas lhe causaram danos
com base na legislação comum, que, no Brasil, aliás,
já é absurdamente injusta, por exemplo, em favor de
governantes em comparação com governados: o artigo
141 do Código Penal agrava “as penas de crimes contra
35 a honra do presidente da República e chefe de governo
estrangeiro”, e também “contra funcionário público, em
razão de suas funções”.
É quase inacreditável que jornais e jornalistas
se unam para pedir que o Estado seja dotado de
40 instrumentos para cercear sua liberdade. Ainda mais
porque tudo isso é inútil, já que aqui, como em todo
lugar, o que de fato garante a liberdade de expressão
não é a existência ou inexistência de leis, mas a maneira
como se expressa a dinâmica social. Assim como a Lei
45 de Imprensa de 1967 está em vigor, mas todos a ignoram
porque a sociedade, atualmente, não admite sua
aplicação, não adiantaria nada haver cláusula pétrea
constitucional que promulgasse a mais total garantia
de liberdade de expressão se houvesse um consenso
50 nacional de que a censura é necessária. Se isso
ocorresse, a cláusula pétrea poderia continuar na
Constituição, mas a censura seria exercida de qualquer
maneira, de um jeito ou de outro.
SILVA, Carlos Eduardo Lins da. A Malquerida Liberdade de Imprensa: O equívoco de uma nova lei de imprensa. Disponível em: . Acesso em: maio 2011. Adaptado.
Sobre o texto, está correto o que se afirma em