TEXTO
É domingo e tudo parece normal.
Em alguns lugares do mundo faz sol, em outros chove. Aqui e ali uma tempestade de neve acima da
média, acolá secas mais extensas do que o usual. Em alguns lugares do mundo há paz e se trabalha,
em outros tantos se fazem guerras nas quais homens ora matam, ora morrem.
[5] Nos quintais, as crianças acariciam seus cães de estimação, enquanto milhões de animais são
preparados para o abate de modo a aproveitar o máximo da carne, da pele, das penas, dos órgãos
internos ou dos ossos. Japoneses, em jardins geométricos, cuidam amorosamente de minúsculos
bonsais*, enquanto seus compatriotas, nos mares, caçam baleias cantoras.
Pesquisadores estudam os efeitos da poluição enquanto centros de pesquisa produzem motores
[10] mais potentes e velozes. Médicos curam novas doenças e aumentam a expectativa de vida nos
centros desenvolvidos. Ao mesmo tempo, desenvolvem-se novas armas químicas e controla-se a
mutação de novos vírus, para garantir a hegemonia desses mesmos centros.
Pessoas se olham e se amam, outras se olham e se odeiam. Outras tantas não se amam, não se
odeiam, nem sequer se olham. É domingo e tudo parece normal.
[15] No mundo ocidental, mulheres ocupam os postos mais altos nos governos e nas corporações, mas
se multiplicam as notícias de violências contra elas. No mundo muçulmano, mulheres são punidas
e mortas por pensarem ou desobedecerem, mas aparecem escritoras contando o que acontece.
A ciência avança a passos muito largos, propiciando descobertas e invenções. Ao mesmo tempo, a
ciência se torna cada vez menos compreensível para a maioria das pessoas. Dessa maneira estranha,
[20] mais conhecimento gera mais ignorância e, em consequência, o declínio da educação. O fenômeno
pode ser facilmente provado através do nível intelectual descendente daqueles que ascendem aos
mais altos cargos de comando nas nações soberanas.
Centenas de organizações não governamentais lutam para preservar espécies animais ameaçadas,
conseguindo vitórias importantes. No entanto, dezesseis mil espécies conhecidas continuam sob
[25] ameaça de extinção iminente. Outras tantas já desapareceram desde o advento da Revolução
Industrial.
É domingo e tudo parece normal.
Ontem, sábado, nasceu o cidadão de número 6.500.000.000 no mundo. São muitos zeros. A espécie
humana atinge a marca histórica de seis bilhões e quinhentos milhões de indivíduos. Estimam-se
[30] 41 pessoas nascendo a cada 10 segundos. No mesmo intervalo de tempo, 18 pessoas morrem.
Logo, a cada minuto que passa, a população mundial ganha 138 pessoas a mais. Essas cento e trinta
e oito pessoas por minuto vêm para dividir o planeta com os demais e ainda com todas as outras
espécies – as quais felizmente (por esse ponto de vista) diminuem a olhos vistos, o que deixa algum
espaço para tanta gente que chega.
[35] Enfim, é domingo e tudo parece normal.
Usual.
Habitual.
GUSTAVO BERNARDO Monte Verità. Rio de Janeiro: Rocco, 2009. 5 10 15 20 25
*Bonsais – plantas cultivadas em miniatura, com técnicas específicas, para reproduzir sua aparência original.
A palavra enquanto e a expressão ao mesmo tempo, empregadas no quarto parágrafo, possuem valor temporal.
No desenvolvimento do quarto parágrafo, essa palavra e essa expressão também possuem valor de: