Texto
No dia a dia, o produtor de moda José Camarano, de 29 anos, nascido em Minas Gerais, conduz
uma rotina, de fato, contemporânea. Assim que acorda, abre o Facebook e se atualiza sobre os
acontecimentos noturnos da sua “rede social”. Daí em diante, Camarano só se desconecta quando
fecha novamente os olhos. Como Camarano tem tempo para tudo isso? Eis a questão.
[5] O sociólogo polonês Zigmunt Bauman começa o prefácio do livro Modernidade líquida, de 2001, com
uma análise precisa e ferina desses nossos tempos de rapidez e inconsistência, com um fragmento
de um texto do filósofo francês Paul Valéry, escrito lá no início do século XX: “Toda a questão se
reduz a isto: pode a mente humana dominar o que a mente humana cria?” Diversas correntes de
pensamento, das mais humanistas, como a filosofia budista, às, digamos, mais capitalistas, como
[10] os integrantes do Novo Clube de Paris, que inclui de matemáticos a ministros e presidentes de
bancos, coordenado pelo Banco Mundial e criado para estudar o que chamam de “bens intangíveis”,
acreditam que estamos chegando a um limite perigoso.
Ultraconectados ou não, passamos a viver o tempo imposto pela tecnologia de comunicação, a
indústria que mais se desenvolveu nas últimas duas décadas. O lado bom disso todos nós alardeamos
[15] e usufruímos: a internet trouxe o planeta para a tela dos nossos computadores e o celular nos
tornou pessoas acessíveis. Podemos até ir à praia e, simultaneamente, contar para os amigos tudo
que está acontecendo. Não precisamos mais ir aos Correios, ao banco, ao supermercado. Tudo ficou
prático, ao alcance dos dedos. O lado ruim é que perdemos, literalmente, a noção do tempo.
O fato é que, de acordo com Zigmunt Bauman, vivemos uma era que eliminou o tempo vazio,
[20] o tempo que não é preenchido com o consumo de imagens, sons, gostos, impressões táteis.
Tornamo-nos seres incapazes de sobreviver sem estímulos. O tempo vazio não é mais levado
em conta como tempo de reflexão, mas de tédio. O significado de tempo − ou o que estamos
fazendo com o nosso tempo − virou uma questão.
Segundo o matemático Marcos Cavalcanti, pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro
[25] e integrante do seleto clubinho parisiense, a linha de raciocínio é a seguinte: a partir de meados dos
anos 1990, aconteceu o “povoamento virtual”. Com isso, aumentou a circulação de “conhecimento
explícito”. Ou seja, informação pura e simples. De uma hora para outra, todo mundo passou a ter
a possibilidade de se tornar um ser humano bem informado. Só que a avalanche detonou uma
quase catástrofe: a redução de pessoas capazes de produzir “conhecimento tácito”, aquilo que só o
[30] indivíduo pode fazer.
− Não adianta só ter informação. Um computador manipula melhor do que qualquer ser humano
o conhecimento explícito. O que o computador não sabe é se está faltando uma pitada de sal para
realçar o doce do bolo. E esse conhecimento só é gerado com reflexão, concentração, investimento
pessoal − diz Cavalcanti. − Aí entra a questão do tempo. Em vez de correr para não perder nada, o
[35] ideal é consumir pouca informação e parar para pensar. A sociedade da informação está migrando
para a sociedade do conhecimento. O frenesi de informações causa angústia, ansiedade e nenhum
conteúdo. O que está faltando na vida das pessoas é se dar um tempo.
KARLA MONTEIRO Adaptado de Revista O Globo, 26/04/2009.
Ultraconectados ou não, passamos a viver o tempo imposto pela tecnologia de comunicação, a indústria que mais se desenvolveu nas últimas duas décadas. (l. 13-14)
Neste fragmento, distinguem-se os indivíduos na contemporaneidade em dois grupos.
Apesar dessa distinção, pode-se concluir que esses grupos compartilham a seguinte característica em relação à organização social: