Leia o fragmento do conto A lavadeira chamava- -se pedra, de Bernardo Élis:
[...] Um dia o ladrão apareceu em sua casa dizendo ao administrador que ali estava para devolver uma joia que furtara à dona fazia dois anos. Dois anos! Impossível! – pensou o administrador, pois dona Arginusa diariamente passava em revista suas joias e nunca deu por falta de nenhuma! Mas como o ladrão insistisse, dona Arginusa apareceu, tomou a joia, e após minucioso exame reconheceu que era mesmo seu aquele broche de ouro e brilhantes, fora sua mãe que o herdou da avó, que herdou de outra avó. Só a ideia de ter podido perder a joia causou à sensível senhora um desgosto tão grande que logo vieram médicos e enfermeiras ministrar-lhe sais e injeções.
Mas dona Arginusa tinha como princípio rígido não perdoar nunca os ladrões porque muita vez um simples castigo podia corrigir um transviado ou salvar uma alma do inferno. Por isso, chamou a polícia e determinou que se instaurasse o mais rigoroso e perfeito dos inquéritos e depois de provada de maneira irrefutável a culpa, aplicassem ao faltoso o castigo capaz de redimir de uma vez por todas daquela vida de crime e de pecado, amém. Foi nesse processo que se oficializou definitivamente seu cargo de ladrão. O mais rico comerciante declarou sob os evangelhos que certa feita um caixeiro seu fez o acusado desenrolar a barra de calça, na loja e de dentro caíram três pedrinhas de sal provavelmente furtadas no armazém onde possuía toneladas e toneladas de sal; o maior fazendeiro com a dignidade de suas dez mil cabeças de gado de qualidade provou com detalhes impressionantes que certa noite de luar os camaradas viram o acusado roubar um ovo de galinha da fazenda.
E o acusado, graças à piedosa senhora, foi recolhido à prisão por muitos anos.
(ÉLIS, Bernardo. A lavadeira chamava-se pedra. Melhores contos de Bernardo Élis. 4. ed. São Paulo: Global, 2015. p. 111.)
Às vezes, por mais que o indivíduo seja qualificado, que tenha diplomas e títulos, a desigualdade social é tamanha que ele é vencido pelas circunstâncias e torna-se, sob diferentes aspectos, refém do poder. Se não tem qualificação nem quem o valha, a exploração torna-se mais irremediável. Analise as assertivas sobre o texto de Élis:
I - Pode-se reconhecer um tom irônico ao avaliarmos as ações dos ricos diante da ação do pobre no trecho destacado, devido à oposição entre a honestidade do ladrão pobre e a honestidade do comerciante e do fazendeiro ricos.
POIS
II - A referência ao “mais rigoroso e perfeito dos inquéritos”, à prova irrefutável da culpa, ao possuidor de toneladas de sal que, sob juramento, acusa o ladrão de provavelmente ter furtado “três pedrinhas de sal” e a dignidade medida em “dez mil cabeças de gado de qualidade” suscitam a desconfiança sobre os fatos.
Assinale a resposta correta: