Leia o texto de Norberto Bobbio para responder a questão.
Com a palavra democracia os antigos entendiam a democracia direta; os modernos, a representativa. Quando nós falamos de democracia, a primeira imagem que nos vem à cabeça é o dia das eleições, com longas filas de cidadãos que aguardam sua vez para depositar votos nas urnas. Quando uma ditadura cai e se instaura o regime democrático, o que nos mostram as televisões de todo o mundo? Uma cabine eleitoral e um homem qualquer, ou o primeiro cidadão, que exerce seu direito ou cumpre seu dever de eleger quem o representará.
O sufrágio, que hoje é considerado o fato mais relevante de uma democracia, é o voto dado não para decidir, mas sim para eleger quem deverá decidir. Um dos maiores teóricos da democracia moderna, Hans Kelsen, considera que o elemento essencial da democracia real (não da ideal, que não existe em lugar nenhum) é o método da seleção dos dirigentes, ou seja, as eleições. Sobre isso, é significativa – tão significativa que parece ter sido inventada – a afirmação de um juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos, tendo como motivo uma eleição de 1902: “A cabine eleitoral é o templo das instituições norte-americanas, onde cada um de nós é um sacerdote a quem se confia a tarefa de cuidar da arca da aliança1 ”. Os que entram nesse templo nem sempre são a maioria, mas isso é algo que ocorre em todas as igrejas.
A imagem da democracia era completamente diferente entre os antigos: ao mencionar a democracia, pensavam em uma praça ou uma assembleia, onde os cidadãos eram chamados para tomar as decisões que lhes correspondiam. “Democracia” significa o que a palavra quer dizer literalmente: poder dos dêmos2 , e não, como hoje, poder dos representantes dos dêmos.
Na primeira defesa do governo democrático que a história registra, o mecanismo proposto para a nomeação dos magistrados não é a eleição, mas o sorteio.
Durante séculos, os conceitos de democracia e de eleições não convergiam na direção de uma ideia unitária, como acontece hoje, pois para os antigos a democracia não se resolve nos procedimentos eleitorais, embora não os exclua; inversamente, os procedimentos eleitorais são perfeitamente conciliáveis com as outras formas clássicas de governo, a monarquia e a aristocracia. Durante séculos se discutiu se era melhor a monarquia hereditária ou a eletiva; ninguém jamais pensou que uma monarquia – pelo fato de ser eletiva – deixaria de ser monarquia.
(O filósofo e a política, 2003. Adaptado.)
1arca da aliança: segundo a Bíblia, um baú onde foram guardados diversos objetos sagrados.
2 dêmos: palavra grega que significa “povo”
“o que nos mostram as televisões de todo o mundo?” (1º parágrafo)
Passada para a voz passiva, mantendo-se o sentido original, a oração transforma-se em: