Para responder a questão, leia o trecho do “Sermão do bom ladrão”, de Antônio Vieira, proferido em 1655.
E para que um discurso tão importante e tão grave vá assentado sobre fundamentos sólidos e irrefragáveis¹, suponho primeiramente que sem restituição do alheio não pode haver salvação. [...] Quer dizer: se o alheio que se tomou ou retém, se pode restituir e não se restitui, a penitência deste e dos outros pecados não é verdadeira penitência, senão simulada e fingida, porque se não perdoa o pecado sem se restituir o roubado, quando quem o roubou tem possibilidade de o restituir. Esta única exceção da regra foi a felicidade do bom ladrão, e esta a razão por que ele se salvou, e também o mau se pudera salvar sem restituírem. Como ambos saíram do naufrágio desta vida despidos, e pegados a um pau, só esta sua extrema pobreza os podia absolver dos latrocínios que tinham cometido, porque impossibilitados à restituição ficavam desobrigados dela. Porém se o bom ladrão tivera bens com que restituir, ou em todo, ou em parte o que roubou, toda a sua fé e toda a sua penitência tão celebrada dos santos, não bastara a o salvar, se não restituísse. Duas coisas lhe faltavam a este venturoso homem para se salvar: uma como ladrão que tinha sido, outra como cristão que começava a ser. Como ladrão que tinha sido, faltava-lhe com que restituir: como cristão que começava a ser, faltava-lhe o batismo, mas assim como o sangue que derramou na cruz, lhe supriu o batismo, assim a sua desnudez, e a sua impossibilidade lhe supriu a restituição, e por isso se salvou. Vejam agora, de caminho, os que roubaram na vida; e nem na vida, nem na morte restituíram, antes na morte testaram de muitos bens, e deixaram grossas heranças a seus sucessores; vejam aonde irão ou terão ido suas almas, e se se podiam salvar.
(Antônio Vieira. Essencial, 2011. Adaptado.)
Está empregado em sentido figurado o termo sublinhado em: