TEXTO
Nascera Cirino de Campos, como dissera a Pereira, na província de São Paulo, na sossegada e bonita Vila de
Casa Branca, a qual dista umas 50 léguas do litoral. Filho de um vendedor de drogas, que se intitulava boticário
e a esse oficio acumulava o importante cargo de administrador do correio, crescera debaixo das vistas paternas
até a idade de doze anos completos, os quais fora enviado, em tempos de festas e a título de recordações
[05] saudosas, a um velho tio e padrinho, morador na cidade de Ouro Preto.
Esse parente, solteirão, de gênio rabugento, misantropo, e dado às práticas da mais extrema carolice, recebeu
o pequeno com mau modo e manifesto descontentamento, tanto mais quanto a presença de um estranho vinha
interromper os hábitos de completa solidão a que se acostumara desde longos anos.
Era homem que trajava ainda à moda antiga, usando de sapatos de fivela, calções de braguilha, e cabeleira
[10] empoada com o competente rabicho.
A sua reputação de pessoa abastada era, em toda a cidade de Ouro Preto, tão bem firmada quanto a de
refinado sovina, chegando a voz pública a afirmar que o seu dinheiro, e não pouco, estava todo enterrado em
numerosos buracos no chão da alcova de dormir.
Meu amigalhote – disse o tal padrinho a Cirino, poucos dias depois da chegada –, fique sabendo que por
[15] qualquer coisinha lhe sacudo a poeira do corpo. Dê-se por avisado e ande direitinho que nem um fuso.
O menino, transido de medo, passou a tarde a chorar num canto sombrio da casa, onde relembrou, até lhe vir
o sono, a alegre vida de outrora, os folguedos que fazia com os camaradas na viçosa relva do Cruzeiro, à entrada
da Vila de Casa Branca e sobretudo os carinhos da saudosa mamãe.
Em seguida àquela admoestação preventiva, fora o tio à casa de uns padres que tinham influência na direção
[20] do Colégio do Caraça e com eles arranjara a admissão do afilhado naquele estabelecimento de instrução.
(TAUNAY, Visconde de. Inocência. 2ª ed. São Paulo: Ediouro, 2002. p.30-1).
Em uma palavra, a temática do texto é: