Os três pioneiros
Livro registra a prodigiosa saga dos brasileiros que, há oitenta anos, viajaram do Rio de Janeiro a Washington de carro
A história do Brasil é mesmo um território virgem. Durante 62 anos, o mecânico paulista Mário Fava guardou em uma mala empoeirada os registros de uma aventura extraordinária e desconhecida, a qual lhe permitiu conhecer, entre outras personalidades, o presidente americano Franklin Delano Roosevelt, o empresário Henry Ford, o ditador brasileiro Getúlio Vargas e o guerrilheiro nicaraguense Augusto César Sandino, cuja morte ele testemunhou. Entre 1928 e 1938, Fava, o tenente Leônidas Borges de Oliveira, paulista, e o engenheiro Francisco Lopes da Cruz, catarinense, realizaram um feito inédito: percorreram o continente americano, de sul a norte, de carro. Todo o trajeto foi vencido a bordo de dois Ford T, partindo do Rio de Janeiro – e consumiu dez anos. O objetivo era fazer o mapeamento topográfico para traçar a rota da Rodovia Panamericana.
Os brasileiros rodaram quase 28000 quilômetros. Destes, 10000 quilômetros nunca haviam sido percorridos por automóveis. Florestas, montanhas e rios sem pontes tiveram de ser desbravados com machados, dinamite e balsas improvisadas. Um trecho de 450 quilômetros da Cordilheira dos Andes, no Peru, por exemplo, levou quatro meses para ser transposto. Quando chegavam a uma cidade, os três aventureiros eram recebidos com pompa por militares, prefeitos, empresários e presidentes. A mística de exploradores que enfrentavam ambientes hostis, animais selvagens e doenças tropicais lhes conferia status de heróis – principalmente entre as mulheres, como Fava gostava de ressaltar.
As fotos, os documentos e um relato básico dessa epopeia estão em O Brasil Através das Três Amêricas (Canal 6; 336 páginas; 99.90 reais), que chega neste mês às livrarias em duas versões bilíngues: português-inglês e português- espanhol. A obra baseia-se no acervo de Mário Fava, em entrevistas feitas pelo autor, o empresário paulista Beto Braga, com o mecânico e em uma narrativa datilografada da viagem deixada por Leônidas de Oliveira. É impossível não se surpreender com a imagem dos calhambeques cruzando um pântano puxados por bois, com a sequência de presidentes posando ao lado dos três brasileiros ou com a reprodução de documentos como a licença para dirigir em Cleveland, nos Estados Unidos, concedida a Fava e assinada por Eliot Ness, o homem que prendeu o mafioso Al Capone. De volta ao Brasil, Oliveira foi nomeado cônsul na Bolívia, Cruz tomou-se funcionário em uma construtora e Fava seguiu no ofício de mecânico. Morreu na pobreza aos 93 anos, em janeiro de 2000, sonhando com o dia em que seria reconhecido por seu feito épico.
DIOGO SCHELP (Revista Veja, 6 abr.2011, texto adaptado)
O texto de Diogo Schelp tem por função social