CANÇÃO
Cecília Meireles
Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.
Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.
O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...
Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.
Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.
Disponível em: http://www.veracanhoni.com/poesia-cecilia-meireles-cancao-para-sonho-naufragar/. Acesso em: 25 mar. 2020.
A leitura do poema permite observar que o sonho é enxergado como aquilo de que o eu lírico abre mão. Eis a atmosfera básica do poema.
Como se a vida somente aceitasse em plenitude o gesto definitivo de ascese, em que o eu lírico