O MENINO E O INFINITO
[1] Quanto a mim, a coisa que primeiro me despertou
[2] a noção e a angústia do infinito foi um potezinho de
[3] pomada Cymbeline. Tinha eu uns quatro para cinco
[4] anos, e o que me intrigava no pote de Cymbeline era
[5] que a moça do rótulo segurava entre os dedos um
[6] pote de Cymbeline, em cujo rótulo outra moça
[7] segurava outro pote, que... que... que... Neste ponto,
[8] meu pobre espírito gaguejava de assombro e terror –
[9] pois aquilo era uma coisa perfeitamente lógica e
[10] absolutamente inconcebível.
[11] Depois dessas crises metafísicas provocadas pela
[12] noção do infinitamente pequeno, confesso que nunca
[13] cheguei a me impressionar muito com os arroubos
[14] de meus professores de cosmografia, a propósito das
[15] fabulosas distâncias estelares.
[16] Como me acostumara a olhar o infinito de alto a
[17] baixo, por assim dizer, achava tolo abrir a boca diante
[18] dessas distâncias astronômicas, em verdade
[19] “fabulosas” no sentido etimológico do termo. As
[20] distâncias não são grandes: nós é que somos
[21] pequenos... Que culpa têm disso os espaços siderais?
[22] Por isso a astronomia me pareceu uma ciência para
[23] basbaques. E isso de infinitamente grande e
[24] infinitamente pequeno é tudo a mesma coisa: o homem
[25] é que se meteu no meio, para atrapalhar. E o
[26] bacteriologista é um astrônomo às avessas: espia pelo
[27] outro lado do canudo...
QUINTANA, Mário. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006, p. 702.
A oração “... que a moça do rótulo segurava entre os dedos um pote de Cymbeline...” ( linhas 5-6 ) pode ser classificada sintaticamente como