TEXTO:
Descobrimos o gene da linguagem?
Uma equipe de linguistas e geneticistas publicou,
em uma revista americana, a descoberta de um gene
que estaria diretamente relacionado à linguagem. Para
chegar a essa descoberta, pesquisadores sequenciaram
[5] o DNA de uma família que apresentava diversos casos
de um distúrbio que afeta apenas a linguagem, specif
language impairment (SLI), déficit especificamente
linguístico, DEL. O DEL abrange diversos tipos de
distúrbios de linguagem, mas esses não estão
[10] associados a nenhum outro problema de “inteligência”.
Para o diagnóstico do DEL, são descartados problemas
neurológicos, motores, auditivos, apenas a linguagem
parece estar afetada. Casos de DEL dificilmente
ocorrem em indivíduos isolados, eles se repetem numa
[15] mesma família e são mais comuns em gêmeos idênticos
do que em fraternos, sugerindo a atuação de um
componente hereditário.
Desde 1998, os pesquisadores já haviam
relacionado o distúrbio com um pequeno segmento do
[20] cromossomo 7, mas somente agora, com a descoberta
de um indivíduo que não pertence à família , mas
apresenta exatamente as mesmas dificuldades com a
linguagem, a relação pôde ser confirmada, e mais:
identificou-se o gene envolvido no tal pedacinho do
[25] cromossomo 7, o “gene da linguagem”, o FOXP2.
Se, de fato, o FOXP2 estiver relacionado à nossa
faculdade da linguagem, seria mais uma forte evidência
para a especificidade dessa habilidade humana, ou seja,
uma independência entre linguagem e “inteligência”. Num
[30] sentido amplo, linguagem pode ser entendida como um
conjunto de habilidades que nos permite produzir e
compreender enunciados, sendo composta de significado
(aspectos semânticos), som (aspectos fonéticos) e
estrutura interna (aspectos sintáticos).
[35] Para alguns pesquisadores, esses componentes
são completamente inseparáveis, interagem o tempo
inteiro, não sendo possível falar de um sem mencionar
o outro, nem mesmo para fins descritivos. Já outro grupo
de pesquisadores acredita que esses componentes são
[40] isoláveis — não só para fins descritivos, mas porque
essa é a forma de organização da linguagem, devido ao
estudo das afasias. Mas as diferenças entre esses
grupos vão mais além.
Para os pesquisadores do primeiro grupo,
[45] nasceríamos com um mecanismo cognitivo geral de
aprendizagem. A partir do momento em que somos
expostos às informações do meio externo — como
características linguísticas, matemáticas, espaciais,
visuais e musicais- formamos diferentes “subsistemas”
[50] cognitivos, ou seja, vamos separando as diferentes
partes de nossa “inteligência” e, por trás desses
sistemas, estaria um mecanismo cognitivo geral, por
isso chamaremos esse grupo de generalistas. Esse
entendimento da cognição humana tem origem na teoria
[55] piagetiana de desenvolvimento, segundo a qual todos
os domínios da cognição estão vinculados e são
dependentes de um mecanismo geral de aprendizagem,
de natureza, provavelmente, lógico-matemática.
Para os do segundo grupo, não nasceríamos com
[60] um mecanismo geral de inteligência, ao menos no que
se refere à linguagem. Todos os seres humanos
nasceriam com determinadas expectativas do que são
e de como funcionam as línguas humanas, ou seja, com
um mecanismo inato para adquirir linguagem, sem
[65] qualquer esforço, sem que precisemos atuar
cognitivamente sobre o objeto “língua”. Essa posição
ficou conhecida como hipótese inatista da linguagem,
formulada em 1959, pelo linguista Noam Chomsky.
Segundo a hipótese inatista, portanto, já
[70] nasceríamos com uma predisposição, ou melhor, um
instinto para a linguagem. Como nossa linguagem é
muito diferente da linguagem de todos os outros animais,
é bastante razoável supor que haja uma relação direta
entre linguagem e código genético. Mas, se a
[75] capacidade para a linguagem está no código genético,
como explicar a diversidade das línguas existentes no
mundo?
Nesse ponto, não há como dispensar as
informações vindas do meio externo. No momento em
[80] que uma criança é exposta a uma língua, suas
expectativas a respeito de línguas humanas vão sendo
moldadas de acordo com a língua em questão. Mas é
fundamental contar com um aparato inato e não apenas
com a experiência, porque os dados da língua a que as
[85] crianças são expostas são fragmentados, truncados,
não organizados. Segundo essa perspectiva, portanto,
deve haver em nossa mente algo exclusivamente
linguístico que possibilita a realização da linguagem sem
que precisemos nos preocupar em aprendê-la. Na mesma
[90] linha de raciocínio, se há, desde o nascimento, uma
especialização inata para a linguagem, por que não
pensar em especialização inata para os outros
sistemas — ou módulos — cognitivos? É o que defende
esse segundo grupo, que chamamos de “modularistas”.
[95] Para eles, o sistema da linguagem, o espacial, o visual,
por exemplo, são sistemas independentes; essa
independência é inata, e cada módulo ou sistema estaria
especificado geneticamente diferentemente do que
supõem os generalistas.
[100] De qualquer maneira, a descoberta dos
pesquisadores só vem contribuir para abrir novo e
gigantesco campo de discussão sobre um dos mais
fantásticos dons da espécie humana: a linguagem.
FREITAS, Maria Cláudia de. Descobrimos o gene da linguagem? Disponível em: Acesso em: 1 nov. 2013. Adaptado.
Considerando-se as informações do texto, pode-se afirmar: