Texto 1
O amigo da casa
[1] A própria menina se prende muito a ele, que
ainda lhe trouxe a última boneca, embora agora
ela se ponha mocinha: encolhe-se na poltrona da
sala sob a luz do abajur e lê a revista de
[5] quadrinhos. Ele é alemão como o dono da casa.
Tem apartamento no hotel da praia e joga tênis
no clube, saltando com energia para dentro do
campo, a raquete na mão. Assiste às partidas
girando no copo de uísque os cubos de gelo. É o
[10] amigo da casa. Depois do jantar, passeia com a
mãe da menina pelo caminho de pedra do
jardim: as duas cabeças – a loira e a preta de
cabelos aparados – vão e vêm, a dele já com
entradas da calva. Ele chupa o cachimbo de
[15] fumo cheiroso, que o moço de bordo vai deixar
no escritório.
O dono da casa é Seu Feldmann. Dirige o seu
pequeno automóvel e é muito delicado.
Cumprimenta sempre todos os vizinhos, até
[20] mesmo os mais canalhas como Seu Deca, fiscal
da Alfândega.
Seu Feldmann cumprimenta. Bate com a
cabeça. Compra marcos a bordo e no banco para
a sua viagem regular à Alemanha. Viaja em
[25] companhia do comandante do cargueiro, em
camarote especial. Então respira o ar marítimo
no alto do convés, os braços muito brancos e
descarnados, na camisa leve de mangas curtas.
A fortuna de origem é da mulher: as velhas
[30] casas no centro da cidade, os antigos armazéns,
o sítio da serra, de onde ela desce aos domingos
em companhia do outro, que é o amigo da casa,
e da menina.
Saem os dois à noite e ele para o seu próprio
[35] automóvel sob os coqueiros na praia. Decerto
brigaram mais uma vez, porque ela volta para
casa de olhos vermelhos, enrolando nos dedos o
lencinho bordado. Recolhe-se a seu quarto (ela e
seu Feldmann dormem em quartos separados).
[40] Trila o apito do guarda. Os faróis do automóvel
na rua pincelam de luz as paredes, tiram reflexo
do espelho. Ela permanece insone: o vidro de
sua janela é um retângulo de luz na noite.
(Moreira Campos. In Obra Completa – contos II. 1969. p. 120-122. Originalmente publicado na obra O puxador de terço. Texto adaptado.)
Além de caracterizar-se pela unidade dramática, o conto caracteriza-se pela unidade de tom, isto é, pela impressão única que ele deve deixar no leitor, impressão que pode ser de pavor, piedade, ódio, simpatia, antipatia, acordo, ternura, indiferença, dentre muitas outras.
Assinale a impressão que o conto “O amigo da casa”, em função da própria relação entre as personagens, NÃO deve deixar no leitor.