A lanterna que ilumina a espuma
Por Luciano Martins Costa
1 A prática e as teorias da comunicação aplicadas ao jornalismo induzem a acreditar que a atividade da imprensa cuida de organizar o processo de avanço da modernidade, pela classificação e valoração dos fatos novos. Assim, somos levados a aceitar que um acontecimento só se transforma em notícia, ou seja, em conteúdo jornalístico, se representar uma novidade, uma ruptura em relação ao que já existe.
2 Essa acepção vale tanto para uma ocorrência inédita quanto para uma nova interpretação de fatos conhecidos. Portanto, um dos grandes desafios do jornalismo contemporâneo seria a oferta exacerbada de notícias, produzida pela penetração dos meios digitais em todos os cantos do mundo. [...]
3 Seja o observador devoto ou iconoclasta em relação à hipótese de estarmos vivendo uma pósmodernidade, não se pode fugir à evidência de que os processos da História se aceleraram de tal forma que se tornou impossível – ou, pelo menos, improdutivo – catalogar os fatos relevantes pelo método de filtragem arbitrária da imprensa tradicional.
4 Essa é a constatação que precisamos fazer para entender como a imprensa, não apenas aqui no Brasil como em outros países onde sempre foi relevante, vai se encolhendo até se configurar como instrumento de poder de uma fração da sociedade. [...]
5 Como os fatos estão sempre muito à frente dos sistemas da imprensa, o resultado é que seu produto, o jornalismo, deixou de ser o processo de anunciar a novidade e se transforma rapidamente em mero registro de coisas antigas. Daí a queda no número de leitores.
6 Como na frase que deu o título à autobiografia do falecido ministro Roberto Campos, a imprensa funciona agora como uma lanterna na popa do barco: só serve para iluminar a espuma que fica para trás.
7 Num oceano de possibilidades infinitas, a visão conservadora da imprensa genérica serve principalmente à inglória e impossível tarefa de interromper, ou, no mínimo, de desacelerar o ritmo das mudanças. À medida em que se aceleram os processos da modernidade, mais se torna clara essa função de freio social e cultural.
8 A imprensa é reacionária por natureza, mas até o último quarto do século passado podia encenar o papel de vanguarda da modernidade, contra outras instituições, como a religião, que têm a missão de lutar contra o tempo. Tratava-se de manter sob controle o ímpeto natural de mudança que marca o processo civilizatório.
9 Nos anos 1980 e 1990, por exemplo, os jornais brasileiros se destacaram por abrigar debates sobre novos comportamentos que vieram com a liberação social que acompanhou o fim da ditadura. A Folha de S. Paulo, por exemplo, construiu aí sua estratégia vitoriosa de aparecer como portavoz de uma cultura liberal e libertina, contra a sisudez de seus então concorrentes.
10 O caso Folha é, talvez, o mais típico para ilustrar esse movimento. Depois de alcançar tiragens superiores a um milhão de exemplares em circulação diária, o jornal paulista encolheu para menos de um terço desse total. 11 O que explicaria essa queda, que retrata a decadência do sistema da imprensa?
COSTA, Luciano Martins. A lanterna que ilumina a espuma. Observatório da Imprensa. ano 18. n. 810. Ago. 2014. Disponível em: < http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/a_lanterna_que_ilumina_a_espuma >. Acesso em: 30 set. 2014 (adaptado).
Com relação aos aspectos linguístico-gramaticais, analise as afirmativas abaixo.
I. No primeiro parágrafo, as vírgulas que isolam a expressão “ou seja” são obrigatórias. O mesmo uso se dá com outras expressões explicativas, como “isto é”.
II. Com relação à concordância verbal, no trecho “um dos grandes desafios do jornalismo contemporâneo seria a oferta exacerbada de notícias” (parágrafo 2), o verbo grifado poderia estar no plural, concordando com “desafios”.
III. O uso do acento grave indicativo de crase, no terceiro parágrafo “Seja o observador devoto ou iconoclasta em relação à hipótese de estarmos vivendo uma pós-modernidade”, seria mantido caso o substantivo “hipótese” fosse substituído por um sinônimo como “cenário”.
IV. No final do quinto parágrafo, o uso da expressão grifada “Daí a queda no número de leitores” torna o texto informal, o que não é adequado ao gênero em questão: artigo de opinião.
V. O uso do acento grave indicativo de crase, no sétimo parágrafo “a visão conservadora da imprensa genérica serve principalmente à inglória e impossível tarefa de interromper”, se justifica pela fusão da preposição “a”, exigida pela regência do verbo “servir”, e do artigo, determinante do substantivo “tarefa”.
Estão corretas apenas as proposições: