Leia o fragmento retirado do conto Ayoluwa, a alegria do nosso povo, de Conceição Evaristo.
Cada dia era sem quê nem porquê. E nós ali amolecidos, sem sustância alguma para aprumar o nosso corpo. Repito: tudo era uma pitimba só. Escassez de tudo. Até a natureza minguava e nos confundia. Ora aparecia um sol desensolarado e que mais se assemelhava a uma bola murcha, lá no nascente. Um frio interior nos possuía então, e nós mal enfrentávamos o dia sob a nula ação da estrela desfeita. Ora gotejava uma chuva de pinguitos tão ralos e escassos que mal molhava as pontas de nossos dedos. E então deu de faltar tudo: mãos para o trabalho, alimentos, água, matéria para os nossos pensamentos e sonhos, palavras para as nossas bocas, cantos para as nossas vozes, movimento, dança, desejos para os nossos corpos. Os mais velhos, acumulados de tanto sofrimento, olhavam para trás e do passado nada reconheciam no presente. Suas lutas, seu fazer e saber, tudo parecia ter se perdido no tempo. O que fizeram, então? Deram de clamar pela morte. E a todo instante eles partiam. E, com a tristeza da falta de lugar em um mundo em que eles não se reconheciam e nem reconheciam mais, muitos se foram.[...]
As velhas mulheres também. Elas, que sempre inventavam formas de enfrentar e vencer a dor, não acreditavam mais na eficácia delas próprias. Como os homens, deslembravam a potência que se achava resguardada partir de suas denominações. E pediam veementemente à vida que esquecesse delas e que as deixasse partir.
E até eles, os moços, começaram a se encafuar dentro deles mesmos, a se tornarem infelizes. Puseram-se a matar uns aos outros, e a tentarem contra a própria vida, bebendo líquidos maléficos ou aspirando um tipo de areia fininha que em poucos dias acumulava e endurecia dentro de seus pulmões. Ou então se deixavam morrer aos poucos, cada dia um pouquinho, descrentes que pudesse existir outra vida senão aquela, para viverem.
EVARISTO, Conceição. Ayoluwa. Rio de Janeiro: Pallas: Fundação Biblioteca Nacional,.
Ao analisar os fatos narrados na perspectiva de Émile Durkheim, pode-se afirmar que aquela comunidade vivenciava