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[1] Meu avô não gostava de falar do passado. O que
não é de estranhar, ao menos em relação ao que
interessa: o fato de ele ser judeu, de ter chegado ao
Brasil num daqueles navios apinhados, o gado para
[5] quem a história parece ter acabado aos vinte anos, ou
trinta, ou quarenta, não importa, e resta apenas um tipo
de lembrança que vem e volta e pode ser uma prisão
ainda pior que aquela onde você esteve.
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[1] Nos cadernos do meu avô não há qualquer
menção a essa viagem. Não sei onde ele embarcou, se
ele arrumou algum documento antes de sair, se tinha
dinheiro ou alguma indicação sobre o que encontraria
[5] no Brasil. Não sei quantos dias durou a travessia, se
ventou ou não, se houve uma tempestade de
madrugada [...].
(São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p. 8)
No fragmento,