O Banheiro
Não é o lar o último recesso do homem civilizado, sua última fuga, o derradeiro
recanto em que pode esconder suas mágoas e dores. Não é o lar o castelo do homem. O
castelo do homem é seu banheiro. Num mundo atribulado, numa época convulsa, numa
sociedade desgovernada, numa família dissolvida ou dissoluta só o banheiro é um
[5] recanto livre, só essa dependência da casa e do mundo dá ao homem um hausto de
tranquilidade. É ali que ele sonha suas derradeiras filosofias e seus moribundos cálculos
de paz e sossego. Outrora, em outras eras do mundo, havia jardins livres, particulares e
públicos, onde o homem podia se entregar à sua meditação e à sua prece. [...]
Desapareceram os jardins particulares, [...] o homem foi recuando, desesperou e só
[10] obteve um instante de calma no dia em que de novo descobriu seu santuário dentro de
sua própria casa — o banheiro. Se não lhe batem à porta outros homens (pois um lar
por definição é composto de mulher, marido, filho, filha e um outro parente,
próximo ou remoto, todos com suas necessidades físicas e morais) ele, ali e só ali,
por alguns instantes, se oculta, se introspecciona, se reflete, se calcula e julga. Está só
[15] consigo mesmo, tudo é segredo, ninguém o interroga, pressiona, compele, tenta, sugere,
assalta. [...]
O banheiro é o que resta de indevassável para a alma e o corpo do homem e queira
Deus que Le Corbusier ou Niemeyer não pensem em fazê-lo também de vidro, numa
adaptação total ao espírito de uma humanidade cada vez mais gregária, sem o
[20] necessário e apaixonante sentimento de solidão ocasional.
FERNANDES, Millor. O banheiro. Disponível em: http://releituras.com/millor_banheiro.asp. Acesso em: 28 abr. 2017. (Fragmento)
No texto, nas linhas 11, 12 e 13, o autor usa a explicação, contida nos parênteses, para