VISITA
[1] Sobre minha mesa, na redação do jornal,
[2] encontrei-o, numa tarde quente de verão. É um inseto
[3] que parece um aeroplano de quatro asas translúcidas
[4] e gosta de sobrevoar os açudes, os córregos e as
[5] poças de água. É um bicho do mato e não da cidade.
[6] Mas que fazia ali, sobre a minha mesa, em pleno
[7] coração da metrópole?
[8] Parecia morto, mas notei que movia nervosamente
[9] as estranhas e minúsculas mandíbulas. Estava morrendo
[10] de sede, talvez pudesse salvá-lo. Peguei-o pelas asas e
[11] levei-o até o banheiro. Depois de acomodá-lo a um
[12] canto da pia, molhei a mão e deixei que a água pingasse
[13] sobre a sua cabeça e suas asas. Permaneceu imóvel. É,
[14] não tem jeito – pensei comigo. Mas eis que ele se
[15] estremece todo e move a boca molhada. A água tinha
[16] escorrido toda, era preciso arranjar um meio de mantê-la
[17] ao seu alcance sem contudo afogá-lo. A outra pia
[18] talvez desse mais jeito. Transferi-o para lá, acomodei-o
[19] e voltei para a redação.
[20] Mas a memória tomara outro rumo. Lá na minha
[21] terra, nosso grupo de meninos chamava esse bicho
[22] de macaquinho voador e era diversão nossa caçá-los,
[23] amarrá-los com uma linha e deixá-los voar acima
[24] de nossa cabeça. Lembrava também do açude, na
[25] fazenda, onde eles apareciam em formação de
[26] esquadrilha e pousavam na água escura. Mas que
[27] diabo fazia no Rio, na Avenida Rio Branco, esse
[28] macaquinho voador? Teria ele voado de Coroatá até
[29] aqui, só para me encontrar? Seria ele uma estranha
[30] mensagem da natureza a este desertor?
[31] Voltei ao banheiro e em tempo de evitar que o
[32] servente o matasse. “Não faça isso com o coitado.”
[33] “Coitado nada, esse bicho deve causar doença.”
[34] Tomei-o da mão do homem e o pus de novo na pia.
[35] O homem ficou espantado e saiu, sem saber que laços
[36] de afeição e história me ligavam àquele estranho ser.
[37] Ajeitei-o, dei-lhe água e voltei ao trabalho. Mas o
[38] tempo urgia, textos, notícias, telefonemas, fui para
[39] casa sem me lembrar mais dele.
GULLAR, Ferreira. Poesia completa, teatro e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2008.
Leia as alternativas a seguir e assinale a opção correta.
I. No texto, o autor não consegue evitar que o servente destrua o animalzinho.
II. Não há, na narrativa, referências ao enigmático visitante.
III. No terceiro parágrafo, o autor recorda de alguns momentos de sua infância