Leia os textos a seguir “Não ler pode ser fatal”, de Beth Brait, e Exitus Letalis, de Rubem Fonseca, para responder à questão.
Não ler pode ser fatal
A dificuldade de entendimento das bulas de remédio inspirou Rubem Fonseca escrever a crônica Exitus Letalis
Por Beth Brait
Quando nos colocamos diante de um poema, sabemos que ele tem o objetivo e a força de nos retirar do lugar-comum, dum estado exclusivo de comunicação, para nos fazer ver o mundo por um prisma especial. Lírico ou dramático, longo como as epopeias ou curto como os haikais, os poemas pressupõem um tipo de leitor disposto a enfrentar a linguagem para, de maneira intransitiva, transitiva direta ou indireta, conhecer, usufruir sensações, refletir sobre o cotidiano, sobre o cosmos, sobre a condição humana.
Todo texto traz implícito um que, mesmo coabitando um só indivíduo, responde ativa e diferentemente aos diversos tipos a que tem acesso. A pressuposição, portanto, é a de que um mesmo cidadão enfrente de maneira diversa um poema e uma bula de remédio. Da bula, ao contrário da literatura, o leitor espera explicações, informações acerca da composição, da posologia, das indicações e contraindicações do medicamento que deverá utilizar, organizadas num texto claro, objetivo, apropriado a quem, estando doente, deve receber instrução para uso do medicamento e nada mais. Mas sabemos que não é assim. A dificuldade da leitura levou a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) a criar resoluções e decretos para melhorar a acessibilidade desses textos, o que, até o momento, ainda não resultou na fórmula ideal. Tanto que inspirou a irônica e certeira crônica Exitus Letalis, incluída em O Romance Morreu, de Rubem Fonseca (Companhia das Letras, 2007).
Criador de Mandrake, detetive e protagonista de vários de seus textos, que juntamente com o delegado Raul e Wexler está de volta na série televisiva que leva o nome do detetive, Rubem Fonseca interessa-se pelas linguagens artísticas, que se entrecruzam em suas obras e pelas cotidianas, que caracterizam épocas, comunidades, camadas sociais. Em Exitus Letalis não é apenas a dificuldade de leitura que é ironicamente mostrada, mas especialmente a sofisticada elaboração textual, visando salvaguardar os interesses da indústria e não a clareza de informações ao leitor.
Fonte: REVISTA LÍNGUA PORTUGUESA. São Paulo: Editora Segmento, Ano III, n. 28, p. 34, 2008.
Exitus Letalis
Rubem Fonseca
A bula, da mesma forma que a poesia, tem suas metáforas, os seus eufemismos, os seus mistérios, e as partes melhores são sempre as que vêm sob os títulos “precauções e/ou advertências” e “reações adversas”. Essa parte da bula é certamente produzida por uma equipe da qual fazem parte cientistas, gramáticos, advogados especialistas em ações indenizatórias, poetas, criptógrafos, advogados criminalistas, marqueteiros, financistas e planejadores gráficos. Você tem que alertar o usuário dos riscos que ele corre (e, não se iluda, todo remédio tem um potencial de risco), ainda que eufemicamente, pois se o doente sofrer uma reação grave ao ingerir o remédio, o laboratório, por intermédio dos seus advogados, se defenderá dizendo que o doente e o seu médico conheciam esses riscos, devidamente explicitados na bula.
Vejam essa maravilha de eufemismo, de figura de retórica usada para amenizar, maquiar ou camuflar expressões desagradáveis empregando outras mais amenas e incompreensíveis. Trecho da bula de determinado remédio: “Uma porção maior ou mesmo menor do que 10% de...” (não cito o nome do remédio, aconselhado pelo meu advogado) “pode evoluir para “exitus letalis” (o itálico é da bula).
Qual o poeta, mesmo entre os modernos, os herméticos ou os concretistas, capaz de eufemizar, camuflando de maneira tão rica, o risco de morte – “evoluir para exitus letalis”?
Fonte: REVISTA LÍNGUA PORTUGUESA. São Paulo: Editora Segmento, Ano III, n. 28, p. 35, 2008.
Considerando o texto “Não ler pode ser fatal”, de Beth Brait, em relação ao texto “Exitus Letalis” de Rubem Fonseca, pode-se dizer que há a estratégia de textualização denominada: