Questões
Você receberá a resposta de cada questão assim que responder, e NÃO terá estatísticas ao finalizar sua prova.
Responda essa prova como se fosse um simulado, e veja suas estatísticas no final, clique em Modo Prova
Leia a crônica “Menina no jardim” do escritor Paulo Mendes Campos (1922-1991) para responder à questão.
Em seus 14 meses de permanência neste mundo, a garotinha não tinha tomado o menor conhecimento das leis que governam a nação. Isso se deu agora na praça, logo na chamada República Livre de Ipanema.
Até ontem ela se comprazia em brincar com a terra. Hoje, de repente, deu-lhe um tédio enorme do barro de que somos feitos: atirou o punhado de pó ao chão, ergueu o rosto, ficou pensativa, investigando com ar aborrecido o mundo exterior. Por um momento seus olhos buscaram o jardim à procura de qualquer novidade. E aí ela descobriu o verde extraordinário: a grama. Determinada, levantou- -se do chão e correu para a relva, que era, vá lá, bonita, mas já bastante chamuscada pela estiagem.
Não durou mais que três minutos seu deslumbramento. Da esquina, um crioulão de bigodes, representante dos Poderes da República, marchou até ela, buscando convencê- la de que estava desrespeitando uma lei nacional, um regulamento estadual, uma postura municipal, ela ia lá saber o quê.
Diga-se, em nome da verdade, que no diálogo que se travou em seguida, maior violência se registrou por parte da infratora do que por parte da Lei, um guarda civil feio, mas invulgarmente urbano.
— Desce da grama, garotinha – disse a Lei.
— Blá blé bli bá – protestou a garotinha.
— É proibido pisar na grama – explicou o guarda.
— Bá bá bá – retrucou a garotinha com veemência.
— Vamos, desce, vem para a sombra, que é melhor.
— Buh buh – afirmou a garotinha, com toda razão, pois o sol estava mais agradável do que a sombra.
A insubmissão da garotinha atingiu o clímax quando o guarda estendeu-lhe a mão com a intenção de ajudá-la a abandonar o gramado. A gentileza foi revidada com um safanão. Dura lex sed lex1.
— Onde está sua mamãe?
A garotinha virou as costas ao guarda, com desprezo.
A essa altura levantou-se do banco, de onde assistia à cena, o pai da garota, que a reconduziu, sob chorosos protestos, à terra seca dos homens, ao mundo sem relva que o Estado faculta ao ir e vir dos cidadãos.
A própria Lei, meio encabulada com o seu rigor, tudo fez para que o pai da garotinha se persuadisse de que, se não há mal para que uma brasileira tão pequenininha pise na grama, isso de qualquer forma poderia ser um péssimo exemplo para os brasileiros maiores.
— Aberto o precedente, os outros fariam o mesmo –
disse o guarda com imponência.
— Que fizessem, deveriam fazê-lo – disse o pai.
— Como? – perguntou o guarda confuso e vexado.
— A grama só podia ter sido feita, por Deus ou pelo Estado, para ser pisada. Não há sentido em uma relva na qual não se pode pisar.
— Mas isso estraga a grama, cavalheiro!
— E daí? Que tem isso?
— Se a grama morrer, ninguém mais pode ver ela – raciocinou a Lei.
— E o senhor deixa de matar a sua galinha só porque
o senhor não pode mais ver ela?
O guarda ficou perplexo e mudo. O pai, indignado, chegou à peroração2:
— É evidente que a relva só pode ter sido feita para ser pisada. Se morre, é porque não cuidam dela. Ou porque não presta. Que morra. Que seja plantado em nossos parques o bom capim do trópico. Ou que não se plante nada. Que se aumente pelo menos o pouco espaço dos nossos poucos jardins. O que é preciso plantar, seu guarda, é uma semente de bom senso nos sujeitos que fazem os regulamentos.
— Buh bah – concordou a menina, correndo em disparada
para a grama.
— O senhor entende o que ela diz? – perguntou o guarda.
— Claro – respondeu o pai.
— Que foi que ela disse agora?
— Não a leve a mal, mas ela mandou o regulamento para o diabo que o carregue.
(Carlos Drummond de Andrade et al. Para gostar de ler, vol. 1, 1984.)
1 Dura lex sed lex: “A lei é dura, mas é a lei.”
2 peroração: a última parte de um discurso, conclusão.
Depreende-se da leitura da crônica que
Leia a crônica “Menina no jardim” do escritor Paulo Mendes Campos (1922-1991) para responder à questão.
Em seus 14 meses de permanência neste mundo, a garotinha não tinha tomado o menor conhecimento das leis que governam a nação. Isso se deu agora na praça, logo na chamada República Livre de Ipanema.
Até ontem ela se comprazia em brincar com a terra. Hoje, de repente, deu-lhe um tédio enorme do barro de que somos feitos: atirou o punhado de pó ao chão, ergueu o rosto, ficou pensativa, investigando com ar aborrecido o mundo exterior. Por um momento seus olhos buscaram o jardim à procura de qualquer novidade. E aí ela descobriu o verde extraordinário: a grama. Determinada, levantou- -se do chão e correu para a relva, que era, vá lá, bonita, mas já bastante chamuscada pela estiagem.
Não durou mais que três minutos seu deslumbramento. Da esquina, um crioulão de bigodes, representante dos Poderes da República, marchou até ela, buscando convencê- la de que estava desrespeitando uma lei nacional, um regulamento estadual, uma postura municipal, ela ia lá saber o quê.
Diga-se, em nome da verdade, que no diálogo que se travou em seguida, maior violência se registrou por parte da infratora do que por parte da Lei, um guarda civil feio, mas invulgarmente urbano.
— Desce da grama, garotinha – disse a Lei.
— Blá blé bli bá – protestou a garotinha.
— É proibido pisar na grama – explicou o guarda.
— Bá bá bá – retrucou a garotinha com veemência.
— Vamos, desce, vem para a sombra, que é melhor.
— Buh buh – afirmou a garotinha, com toda razão, pois o sol estava mais agradável do que a sombra.
A insubmissão da garotinha atingiu o clímax quando o guarda estendeu-lhe a mão com a intenção de ajudá-la a abandonar o gramado. A gentileza foi revidada com um safanão. Dura lex sed lex1.
— Onde está sua mamãe?
A garotinha virou as costas ao guarda, com desprezo.
A essa altura levantou-se do banco, de onde assistia à cena, o pai da garota, que a reconduziu, sob chorosos protestos, à terra seca dos homens, ao mundo sem relva que o Estado faculta ao ir e vir dos cidadãos.
A própria Lei, meio encabulada com o seu rigor, tudo fez para que o pai da garotinha se persuadisse de que, se não há mal para que uma brasileira tão pequenininha pise na grama, isso de qualquer forma poderia ser um péssimo exemplo para os brasileiros maiores.
— Aberto o precedente, os outros fariam o mesmo –
disse o guarda com imponência.
— Que fizessem, deveriam fazê-lo – disse o pai.
— Como? – perguntou o guarda confuso e vexado.
— A grama só podia ter sido feita, por Deus ou pelo Estado, para ser pisada. Não há sentido em uma relva na qual não se pode pisar.
— Mas isso estraga a grama, cavalheiro!
— E daí? Que tem isso?
— Se a grama morrer, ninguém mais pode ver ela – raciocinou a Lei.
— E o senhor deixa de matar a sua galinha só porque
o senhor não pode mais ver ela?
O guarda ficou perplexo e mudo. O pai, indignado, chegou à peroração2:
— É evidente que a relva só pode ter sido feita para ser pisada. Se morre, é porque não cuidam dela. Ou porque não presta. Que morra. Que seja plantado em nossos parques o bom capim do trópico. Ou que não se plante nada. Que se aumente pelo menos o pouco espaço dos nossos poucos jardins. O que é preciso plantar, seu guarda, é uma semente de bom senso nos sujeitos que fazem os regulamentos.
— Buh bah – concordou a menina, correndo em disparada
para a grama.
— O senhor entende o que ela diz? – perguntou o guarda.
— Claro – respondeu o pai.
— Que foi que ela disse agora?
— Não a leve a mal, mas ela mandou o regulamento para o diabo que o carregue.
(Carlos Drummond de Andrade et al. Para gostar de ler, vol. 1, 1984.)
1 Dura lex sed lex: “A lei é dura, mas é a lei.”
2 peroração: a última parte de um discurso, conclusão.
Assinale a alternativa em que se verifica a ocorrência de um desvio no emprego da norma-padrão da língua portuguesa.
Leia a crônica “Menina no jardim” do escritor Paulo Mendes Campos (1922-1991) para responder à questão.
Em seus 14 meses de permanência neste mundo, a garotinha não tinha tomado o menor conhecimento das leis que governam a nação. Isso se deu agora na praça, logo na chamada República Livre de Ipanema.
Até ontem ela se comprazia em brincar com a terra. Hoje, de repente, deu-lhe um tédio enorme do barro de que somos feitos: atirou o punhado de pó ao chão, ergueu o rosto, ficou pensativa, investigando com ar aborrecido o mundo exterior. Por um momento seus olhos buscaram o jardim à procura de qualquer novidade. E aí ela descobriu o verde extraordinário: a grama. Determinada, levantou- -se do chão e correu para a relva, que era, vá lá, bonita, mas já bastante chamuscada pela estiagem.
Não durou mais que três minutos seu deslumbramento. Da esquina, um crioulão de bigodes, representante dos Poderes da República, marchou até ela, buscando convencê- la de que estava desrespeitando uma lei nacional, um regulamento estadual, uma postura municipal, ela ia lá saber o quê.
Diga-se, em nome da verdade, que no diálogo que se travou em seguida, maior violência se registrou por parte da infratora do que por parte da Lei, um guarda civil feio, mas invulgarmente urbano.
— Desce da grama, garotinha – disse a Lei.
— Blá blé bli bá – protestou a garotinha.
— É proibido pisar na grama – explicou o guarda.
— Bá bá bá – retrucou a garotinha com veemência.
— Vamos, desce, vem para a sombra, que é melhor.
— Buh buh – afirmou a garotinha, com toda razão, pois o sol estava mais agradável do que a sombra.
A insubmissão da garotinha atingiu o clímax quando o guarda estendeu-lhe a mão com a intenção de ajudá-la a abandonar o gramado. A gentileza foi revidada com um safanão. Dura lex sed lex1.
— Onde está sua mamãe?
A garotinha virou as costas ao guarda, com desprezo.
A essa altura levantou-se do banco, de onde assistia à cena, o pai da garota, que a reconduziu, sob chorosos protestos, à terra seca dos homens, ao mundo sem relva que o Estado faculta ao ir e vir dos cidadãos.
A própria Lei, meio encabulada com o seu rigor, tudo fez para que o pai da garotinha se persuadisse de que, se não há mal para que uma brasileira tão pequenininha pise na grama, isso de qualquer forma poderia ser um péssimo exemplo para os brasileiros maiores.
— Aberto o precedente, os outros fariam o mesmo –
disse o guarda com imponência.
— Que fizessem, deveriam fazê-lo – disse o pai.
— Como? – perguntou o guarda confuso e vexado.
— A grama só podia ter sido feita, por Deus ou pelo Estado, para ser pisada. Não há sentido em uma relva na qual não se pode pisar.
— Mas isso estraga a grama, cavalheiro!
— E daí? Que tem isso?
— Se a grama morrer, ninguém mais pode ver ela – raciocinou a Lei.
— E o senhor deixa de matar a sua galinha só porque
o senhor não pode mais ver ela?
O guarda ficou perplexo e mudo. O pai, indignado, chegou à peroração2:
— É evidente que a relva só pode ter sido feita para ser pisada. Se morre, é porque não cuidam dela. Ou porque não presta. Que morra. Que seja plantado em nossos parques o bom capim do trópico. Ou que não se plante nada. Que se aumente pelo menos o pouco espaço dos nossos poucos jardins. O que é preciso plantar, seu guarda, é uma semente de bom senso nos sujeitos que fazem os regulamentos.
— Buh bah – concordou a menina, correndo em disparada
para a grama.
— O senhor entende o que ela diz? – perguntou o guarda.
— Claro – respondeu o pai.
— Que foi que ela disse agora?
— Não a leve a mal, mas ela mandou o regulamento para o diabo que o carregue.
(Carlos Drummond de Andrade et al. Para gostar de ler, vol. 1, 1984.)
1 Dura lex sed lex: “A lei é dura, mas é a lei.”
2 peroração: a última parte de um discurso, conclusão.
Assinale a alternativa cujos vocábulos foram formados pelo processo de derivação sufixal.
Leia a estrofe inicial de um poema de José de Anchieta (1534-1597) para responder à questão.
Não há cousa segura;
Tudo quanto se vê, se vai passando;
A vida não tem dura;
O bem se vai gastando,
E toda criatura vai voando.
(Sérgio Buarque de Holanda (org.). Antologia dos poetas brasileiros da fase colonial, 1979.)
No primeiro verso, o termo “cousa segura” exerce a função de
Leia a estrofe inicial de um poema de José de Anchieta (1534-1597) para responder à questão.
Não há cousa segura;
Tudo quanto se vê, se vai passando;
A vida não tem dura;
O bem se vai gastando,
E toda criatura vai voando.
(Sérgio Buarque de Holanda (org.). Antologia dos poetas brasileiros da fase colonial, 1979.)
Do ponto de vista temático, esta estrofe de José de Anchieta aproxima-se do seguinte fragmento extraído da obra poética de Gregório de Matos (1633-1696):
Leia o trecho do “Sermão da Sexagésima”, de Antonio Vieira (1608-1697), para responder à questão.
O mais antigo pregador que houve no mundo foi o Céu. Suposto que o Céu é pregador, deve de ter sermões e deve de ter palavras. E quais são estes sermões e estas palavras do Céu? As palavras são as estrelas, os sermões são a composição, a ordem, a harmonia e o curso delas. Vede como diz o estilo de pregar do Céu, com o estilo que Cristo ensinou na terra? Um e outro é semear; a terra semeada de trigo, o céu semeado de estrelas. O pregar há de ser como quem semeia, e não como quem ladrilha, ou azuleja. Ordenado, mas como as estrelas. Todas as estrelas estão por sua ordem; mas é ordem que faz influência, não é ordem que faça lavor. Não fez Deus o céu em xadrez de estrelas, como os pregadores fazem o sermão em xadrez de palavras. Se de uma parte está branco, da outra há de estar negro; se de uma parte está dia, da outra há de estar noite; se de uma parte dizem luz, da outra hão de dizer sombra; se de uma parte dizem desceu, da outra hão de dizer subiu. Basta que não havemos de ver num sermão duas palavras em paz? Todas hão de estar sempre em fronteira com o seu contrário? Aprendamos do Céu o estilo da disposição, e também o das palavras.
(Antonio Vieira. Essencial, 2011. Adaptado.)
No sermão, Antonio Vieira