Questões de Português - Gramática - Pontuação - Aspas
Texto
“Slam” é voz de identidade e resistência dos poetas contemporâneos
A poesia falada e apresentada para
grandes plateias não é um fato novo,
porém, a grande diferença é que hoje a
poesia falada se apresenta para o povo e
[150] não para uma elite — estamos falando da
poesia slam. Essa palavra surgiu em
Chicago, em 1984, e hoje a poetry slam,
como é chamada, é uma competição de
poesia falada que traz questões da
[155] atualidade para debate. slam é uma
expressão inglesa cujo significado se
assemelha ao som de uma “batida” de porta
ou janela, “algo próximo do nosso ‘pá!’ em
língua portuguesa”, explica Cynthia Agra de
[160]Brito Neves, em artigo recém-publicado na
revista Linha D’Água. Nas apresentações de
slam o poeta é performático e só conta com
o recurso de sua voz e de seu corpo.
A poetry slam, também chamada
[165] “batalha das letras”, tornou-se, além de um
acontecimento poético, um movimento
social, cultural e artístico no mundo todo,
um novo fenômeno de poesia oral em que
poetas da periferia abordam criticamente
[170] temas como racismo, violência, drogas,
entre outros, despertando a plateia para a
reflexão, tomada de consciência e atitude
política em relação a esses temas. Os
campeonatos de poesias passam por etapas
[175] ao longo do ano, de fevereiro a novembro,
são compostos de três rodadas e o
vencedor, escolhido por cinco jurados da
plateia, é premiado com livros e participa
do Campeonato Brasileiro de Slam (Slam
[180] Br). O poeta vencedor dessa etapa
competirá na Copa do Mundo de Slam,
realizada todo ano em dezembro, na
França.
Os campeonatos de slam no Brasil
[185] foram introduzidos por Roberta Estrela
D’Alva, a slammer (poetisa) brasileira mais
conhecida pela mídia e que conquistou o
terceiro lugar na Copa do Mundo de Poesia
Slam 2011, em Paris. Outra presença
[190] expressiva no assunto é Emerson Alcalde,
fundador do Slam da Guilhermina,
entrevistado pela autora em maio deste ano
na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas (FFLCH) da USP. Segundo ele,
[195] “promover a poesia oral, falar poesias, ler,
escrever, promover batalhas de
performances poéticas, é transformar os
slams em linguagem” e, pensando nisso,
levou o slam às escolas, pois “poesia é
[200] educação”.
(...) O slam é um grito, atitude de
“reexistência”, termo criado com a fusão
das palavras existência e resistência, de
acordo com a professora Ana L. S. Souza. O
[205] artigo ressalta também a importância de se
levar os slams para as escolas, na medida
em que forma alunos leitores e escritores
conscientes, dispostos a reivindicarem
mudanças educacionais e sociais.
[210] É fundamental o papel da escola na
disseminação dos “slams”, pois por meio
deles os alunos expressam “seus modos de
existir” e suas reivindicações por “uma
cultura jovem, popular, negra e pobre, de
[215] moradores da periferia, bem diferentes do
gosto canônico, branco e de classe média”.
Ao recriarem a cultura oficialmente escolar
letrada, esses alunos se tornam “agentes de
letramentos de reexistência”, e os slams,
[220] dessa maneira, são seus porta-vozes, pelos
quais demonstram sua revolta, sua
identidade e resistência. A autora finaliza
afirmando que “é preciso resistir para
existir. Poesia é reexistência”, enfatizando o
[225] desafio com que se deparam as escolas
diante dessa nova poesia contemporânea.
Adaptado de NEVES, Cynthia Agra de Brito. “Slam” é voz de identidade e resistência dos poetas contemporâneos. Disponível em https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-humanas/slam-evoz-de-identidade-e-resistencia-dos-poetascontemporaneos/ Acesso em 14 de setembro de 2021.
Atente para o seguinte trecho: “‘promover a poesia oral, falar poesias, ler, escrever, promover batalhas de performances poéticas, é transformar os slams em linguagem’ e, pensando nisso, levou o slam às escolas, pois ‘poesia é educação’” (linhas 195-200).
Quanto ao uso das aspas, é correto afirmar que indica
A importância do ato de ler
Paulo Freire
Rara tem sido a vez, ao longo de tantos anos de prática pedagógica, por isso política, em que me tenho permitido a tarefa de abrir, de inaugurar ou de encerrar encontros ou congressos. Aceitei fazê-la agora, da maneira, porém, menos formal possível. Aceitei vir aqui para falar um pouco da importância do ato de ler.
Me parece indispensável, ao procurar falar de tal importância, dizer algo do momento mesmo em que me preparava para aqui estar hoje; dizer algo do processo em que me inseri enquanto ia escrevendo este texto que agora leio, processo que envolvia uma compreensão crítica do ato de ler, que não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas que se antecipa e se alonga na inteligência do mundo. A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto. Ao ensaiar escrever sobre a importância do ato de ler, eu me senti levado - e até gostosamente - a "reler" momentos fundamentais de minha prática, guardados na memória, desde as experiências mais remotas de minha infância, de minha adolescência, de minha mocidade, em que a compreensão crítica da importância do ato de ler se veio em mim constituindo.
Ao ir escrevendo este texto, ia "tomando distância” dos diferentes momentos em que o ato de ler se veio dando na minha experiência existencial. Primeiro, a “leitura” do mundo, do pequeno mundo em que me movia; depois, a leitura da palavra que nem sempre, ao longo de minha escolarização, foi a leitura da “palavramundo”.
A retomada da infância distante, buscando a compreensão do meu ato de “ler” o mundo particular em que me movia - e até onde não sou traído pela memória -, me é absolutamente significativa. Neste esforço a que me vou entregando, re-crio, e revivo, no texto que escrevo, a experiência vivida no momento em que ainda não lia a palavra. Me vejo então na casa mediana em que nasci, no Recife, rodeada de árvores, algumas delas como se fossem gente, tal a intimidade entre nós - à sua sombra brincava e em seus galhos mais dóceis à minha altura eu me experimentava em riscos menores que me preparavam para riscos e aventuras maiores.
A velha casa, seus quartos, seu corredor, seu sótão, seu terraço - o sítio das avencas de minha mãe -, o quintal amplo em que se achava, tudo isso foi o meu primeiro mundo. [...] Os "textos", as "palavras”, as "letras” daquele contexto - em cuja percepção experimentava e, quanto mais o fazia, mais aumentava a capacidade de perceber - se encarnavam numa série de coisas, de objetos, de sinais, cuja compreensão eu ia apreendendo no meu trato com eles nas minhas relações com meus irmãos mais velhos e com meus pais.
Os “textos”, as “palavras”, as “letras” daquele contexto se encarnavam no canto dos pássaros - o do sanhaçu, o do olha-pro-caminho-quem-vem, o do bem-te-vi, o do sabiá; na dança das copas das árvores sopradas por fortes ventanias que anunciavam tempestades, trovões, relâmpagos; as águas da chuva brincando de geografia: inventando lagos, ilhas, rios, riachos. Os “textos”, as “palavras”, as “letras” daquele contexto se encarnavam também no assobio do vento, nas nuvens do céu, nas suas cores, nos seus movimentos; na cor das folhagens, na forma das folhas, no cheiro das flores - das rosas, dos jasmins -, no corpo das árvores, na casca dos frutos. Na tonalidade diferente de cores de um mesmo fruto em momentos distintos. [...]
Daquele contexto faziam parte igualmente os animais: os gatos da família, a sua maneira manhosa de enroscar-se nas pernas da gente, o seu miado, de súplica ou de raiva; Joli, o velho cachorro negro de meu pai, o seu mau humor toda vez que um dos gatos incautamente se aproximava demasiado do lugar em que se achava comendo [...].
Daquele contexto - o do meu mundo imediato - fazia parte, por outro lado, o universo da linguagem dos mais velhos, expressando as suas crenças, os seus gostos, os seus receios, os seus valores. Tudo isso ligado a contextos mais amplos que o do meu mundo imediato e de cuja existência eu não podia sequer suspeitar. No esforço de re-tomar a infância distante, a que já me referi, buscando a compreensão do meu ato de ler o mundo particular em que me movia, permitam-me repetir, re-crio, re-vivo, no texto que escrevo, a experiência vivida no momento em que ainda não lia a palavra. E algo que me parece importante, no contexto geral de que venho falando, emerge agora insinuando a sua presença no corpo destas reflexões. [...]
Mas, é importante dizer, a “leitura” do meu mundo, que me foi sempre fundamental, não fez de mim um menino antecipado em homem, um racionalista de calças curtas. A curiosidade do menino não iria distorcer-se pelo simples fato de ser exercida, no que fui mais ajudado do que desajudado por meus pais. E foi com eles, precisamente, em certo momento dessa rica experiência de compreensão do meu mundo imediato, sem que tal compreensão tivesse significado malquerenças ao que ele tinha de encantadoramente misterioso, que eu comecei a ser introduzido na leitura da palavra.
A decifração da palavra fluía naturalmente da “leitura” do mundo particular. Não era algo que se estivesse dando superpostamente a ele. Fui alfabetizado no chão do quintal de minha casa, à sombra das mangueiras, com palavras do meu mundo e não do mundo maior dos meus pais. O chão foi o meu quadro-negro; gravetos, o meu giz. Por isso é que, ao chegar à escolinha particular de Eunice Vasconcelos [...] já estava alfabetizado. Eunice continuou e aprofundou o trabalho de meus pais. Com ela, a leitura da palavra, da frase, da sentença, jamais significou uma ruptura com a "leitura" do mundo. Com ela, a leitura da palavra foi a leitura da “palavramundo”.
As aspas e outras marcações da escrita obedecem a um código convencionado e, portanto, a um sistema de regras. Vejamos em que circunstâncias se usam as aspas (duplas) com maior frequência:
1) Antes e depois de uma citação textual ou para assinalar transcrições textuais, ou seja, indicar no texto que você está escrevendo, uma palavra ou expressão que foi usada pelo autor citado ou que costuma ser associada a ele;
2) Quando no trecho citado entre aspas existem palavras aspeadas, você deve destacá-las com aspas simples. Em resumo, usam-se aspas simples dentro de aspas duplas. Além desses casos, elas são também usadas para:
3) Marcar apelidos, nomes e títulos (de livros, revistas, obras de arte etc.);
4) Ressaltar gírias, neologismos, estrangeirismos ou quaisquer palavras estranhas ao contexto vernáculo;
5) Destacar as alíneas nas citações de textos legais;
6) Realçar palavras e expressões a que se quer dar um sentido particular ou figurado.
É neste último caso que as aspas simples indicam o emprego de palavras em sentido diverso do que lhe é habitual.
Fonte: MARTINO, Agnaldo; LENZA, Pedro (coord.). Português esquematizado: gramática, interpretação de texto, redação oficial, redação discursiva. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 241. Adaptado.
Atente para os excertos e justificativas e assinale a correlação CORRETA:
Texto
Mudança climática ameaça Himalaia
Desde o início do século, as geleiras têm perdido quase meio metro de gelo ao ano — o dobro do derretimento de 1975 a 2000
O aquecimento global tem ameaçado, em escala preocupante, as geleiras do Himalaia – mais alta cadeia de montanhas do planeta, onde fica a mais alta delas, o Everest –, alerta novo estudo publicado na revista Science Advances. Desde o início do século, as geleiras têm perdido quase meio metro de gelo ao ano – o dobro do derretimento de 1975 a 2000.
O trabalho é de cientistas da Universidade de Columbia (EUA). Estendendo-se por 2 mil quilômetros e concentrando 600 bilhões de toneladas de gelo, o Himalaia é, muitas vezes, chamado de “terceiro polo”. As geleiras desse conjunto de montanhas contribuem com o abastecimento de água de cerca de 800 milhões de pessoas. Nos últimos anos, revela o estudo, as geleiras perderam 8 bilhões de toneladas de água anualmente.
Tamanha perda já ameaça o abastecimento em toda a Ásia, onde a água de geleiras é usada não só para beber, mas também para a irrigação e para a geração de energia. Há ainda risco mais imediato de inundações, segundo explicou o principal autor do estudo, Joshua Maurer. “Conforme o gelo derrete, se formam enormes lagos que já estão afetando as comunidades locais”, disse o pesquisador. “Se entrarem em colapso, podem causar inundações graves, com consequências severas para as comunidades”.
Os cientistas revisaram 40 anos de observações via satélite na Índia, na China, no Nepal e no Butão. O grupo constatou a rápida retração das geleiras desde 2000 em razão de um aumento médio de temperatura de 1°C na região.“Este é um dos retratos mais claros da situação vistos até agora sobre a rapidez do derretimento da cobertura de gelo do Himalaia”. “O aquecimento da atmosfera parece, realmente, ser a principal razão para a perda de gelo”. afirmou Joshua Maurer à rede de TV americana CNN.
Na última semana, a imagem de um trenó de gelo puxado por cães no meio da água se espalhou pelas redes sociais e também se tornou um símbolo dos efeitos do aquecimento global. Segundo o cientista do Instituto de Meteorologia da Dinamarca Steffen Olsen, que fez a foto no dia 13, nesta época do ano, a região ainda estaria completamente coberta de gelo. No Twitter, Olsen lembrou que as comunidades da região dependem do gelo “para transporte, caça e pesca”.
De acordo com cientistas, a Groenlândia perdeu 40% de sua cobertura de gelo em apenas um dia – movimento atípico para esta época do ano. Normalmente, a maior parte do degelo sazonal na região costuma ser no mês de julho.
Texto adaptado para fins pedagógicos. Disponível em: https://exame.abril.com.br/mundo/mudanca-climatica-ameaca-himalaia/ Acesso em 14 ago de 2019.
Considere os trechos, retirados do Texto, para responder à questão.
Estendendo-se por 2 mil quilômetros e concentrando 600 bilhões de toneladas de gelo, o Himalaia é muitas vezes chamado de “terceiro polo”.
No Twitter, Olsen lembrou que as comunidades da região dependem do gelo “para transporte, caça e pesca”.
As aspas foram usadas para
LIKES ESCONDIDOS NO INSTAGRAM NÃO VÃO AUMENTAR A AUTOESTIMA DE NINGUÉM
Descartando-se o sempre pulsante noticiário político, a principal novidade da semana talvez tenha sido uma nova política do Instagram, batizada manchetes afora de “fim dos likes” — ou das curtidas. Não é bem verdade que os likes acabaram, eles apenas estão escondidos dos nossos seguidores. Mas podemos, a qualquer momento, descobrir o alcance de uma foto ou vídeo postados por nós mesmos.
Primeiro problema, portanto: continuamos sabendo se bombamos ou “flopamos”. E podemos continuar cultivando a ideia imaginária de sucesso ou fracasso a partir de como lemos nossas estatísticas do coraçãozinho vermelho.
No entanto, a empresa afirma que a estratégia, ainda em fase de testes, tem o propósito de permitir que os seguidores se concentrem mais nos conteúdos do que em sua repercussão.
Ora, como? Seria revolucionário mesmo se as curtidas sumissem de vez. O que seria de nós ao postar uma foto e não ter pistas sobre sua aprovação ou reprovação? Seríamos mais livres de autocensura? Talvez o eterno enigma sobre o que pensam os outros nos tornasse mais criativos.
A história fica ainda mais confusa quando acessamos os Stories e continua lá o desenho de um olhinho seguido pelo número de visualizadores de cada capítulo da nossa trama cotidiana. Acho tão perturbador quanto, por exemplo, o coração de um ex numa foto (ou a falta dele), saber quem se interessa minimamente pela nossa vida (e por qual motivo) e, principalmente, quem não dá a menor bola para o que comemos no almoço, o novo corte de cabelo ou as fotos de férias.
Seja qual for o cenário, seguimos enganchados pelo olhar alheio, ao qual respondemos desde o nascer. As redes sociais só escancaram essa operação psíquica, e o Instagram, convém lembrar, foi a plataforma que nasceu unicamente suportada pela imagem (mas quem passou dos 30, como eu, deve se lembrar do saudoso Fotolog).
Em psicanálise, especialmente a proposta por Jacques Lacan, um dos fiéis leitores de Freud, o sujeito se constitui a partir de um olhar externo. Uma linguagem alheia. Uma família antecipa a chegada do bebê nas palavras que diz e no que imagina sobre ele. Funda-se algo aí. Uma mãe ou um pai olham o recém-nascido para compreender o que deseja o ser que ainda não fala. Ou seja, somos algo porque primeiro somos olhados e adivinhados por alguém. Não há escapatória. Estaremos neuroticamente fadados a repetir essa dança durante toda a vida, de maneiras mais ou menos sintomáticas. Mais ou menos sofridas.
O Instagram é só mais um jeito de sermos olhados e, sobretudo, de buscar esse olhar. Não é a rede que nos torna mais ansiosos, com autoestima em baixa, achando a vida pouco colorida em comparação com as demais vidas da timeline. A imagem é nosso problema essencial, dentro ou fora da tela do celular. É com ela que temos de lidar, mesmo que as curtidas estejam escondidas. A gente continua sempre sabendo onde o calo aperta.
Fonte: Anna Carolina Lementy, O Globo, em 19.07.2019. Coluna “Celina”.
O texto, nos dois primeiros parágrafos, utiliza duas expressões entre aspas.
Assinale a alternativa CORRETA para tal utilização.
Leia o texto.
[…] a fisionomia de José Maria estava tão transtornada que o padre, também de pé, começou a recuar, trêmulo e pálido. “Não, miserável! não! tu não me fugirás!” bradava José Maria, investindo para ele. Tinha os olhos esbugalhados, as têmporas latejantes; o padre ia recuando… recuando…
Machado de Assis
Identifique abaixo as afirmativas verdadeiras ( V ) e as falsas ( F ).
( ) As aspas foram usadas para indicar a fala de um personagem.
( ) José Maria era o nome do padre que estava trêmulo e pálido.
( ) Na frase: “Não, miserável!”, a vírgula foi usada para separar um vocativo.
( ) A vírgula antes de “investindo” é optativa.
( ) José Maria estava de pé.
( ) Em “tu não me fugirás”, o emprego do tempo verbal indica uma ação certa a acontecer; é, pois, o futuro do presente do indicativo.
Assinale a alternativa que indica a sequência correta, de cima para baixo.
TEXTO
Como Semear Violência
Frei Betto
Tome-se um país de 208 milhões de habitantes. Desses, 104 milhões e 200 mil se encontram em idade laboral. Mas o país não oferece trabalho para todos. Estão desempregados 12 milhões e 966 mil. E 65 milhões e 642 mil se encontram fora do mercado de trabalho. (IBGE 31.07.2018). De que vive tanta gente?
Desses 65,6 milhões que não estão empregados nem à procura de empregos, há jovens que preferem se dedicar aos estudos, aposentados e desalentados, ou seja, os que cansaram de buscar emprego. Vivem de quê?
Qualquer anúncio de vagas de emprego atrai milhares de pessoas. Filas quilométricas se formam. A maioria deixa o local sem contratação. São mulheres chefes de família que, ao declararem terem filhos pequenos, são preteridas; jovens sem qualificação profissional; analfabetos funcionais (eles são 15 milhões no país, pessoas com mais de 15 anos que mal sabem ler e escrever).
Hoje, são 17,9 milhões de trabalhadores sem carteira assinada. E o número de trabalhadores com carteira assinada no Brasil é de apenas 35,9 milhões.
O rendimento médio mensal dos trabalhadores ocupados gira em torno de R$ 2.095. Como comparação, o salário mínimo necessário, calculado pelo DIEESE, deveria ser de R$ 3.674 – quase duas vezes mais que a renda média dos ocupados, e quase quatro vezes o salário mínimo nacional, de R$ 954,00. Ou seja, somos uma nação de salários muito baixos.
Ora, se há cerca de 105 milhões de pessoas em idade laboral no Brasil, das quais 12,9 milhões estão sem emprego e 65,6 milhões sobrevivem da economia informal; se há 15 milhões de analfabetos funcionais; se 63,6 milhões de brasileiros(as) são considerados “ficha suja” pelo mercado, enquadrados no SPC por endividamento; o que esperar do futuro desta nação? O Unicef divulgou, em 13 de agosto, que 60 milhões de crianças e jovens brasileiros vivem na pobreza.
No Enem de 2017, a nota máxima em redação era 1.000. Foram entregues 4 milhões de redações. Apenas 53 mereceram a nota máxima. Como obter emprego qualificado e salário digno quando sequer se sabe redigir?
Para muitos jovens semianalfabetos e excluídos do mercado de trabalho – e eles são milhões – a “saída” é ingressar na criminalidade, em especial no narcotráfico. Não adianta o governo atuar apenas nos efeitos, como aumentar o efetivo policial e multiplicar o número de cadeias. Há que enfrentar as causas. A principal delas é a desigualdade social, seguida da falta de escola pública gratuita e de qualidade.
Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2017 ocorreram 63.880 assassinatos no Brasil. São 175 mortes por dia! Em comparação com 2016, houve aumento de 2,9%.
Como deter essa escalada da violência? Entregando uma arma a cada cidadão, como propõe certo candidato à presidência da República? Instituindo a pena de morte? Ora, se tais medidas fossem eficazes, os EUA não seriam um país violento, com a maior população carcerária do mundo: mais de 2 milhões de prisioneiros (o Brasil ocupa o terceiro lugar, logo após a China).
Conclusão: para semear a violência bastam um governo desprovido de políticas sociais; o ensino sucateado; leis trabalhistas que protegem o capital e prejudicam o trabalhador; políticos indiferentes ao bem comum; e cidadãos incapazes de transformar sua indignação em luta por um país melhor.
Disponível em: https://oglobo.globo.com/sociedade/como-semear-violencia-23000932. Acesso em: 25 ago. 2018.
No trecho, [...] A “SAÍDA” É INGRESSAR NA CRIMINALIDADE, EM ESPECIAL NO NARCOTRÁFICO, as aspas foram empregadas para indicar
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